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Prefeitura de Camaçari (BA) corta 30% do cachê de Luiz Caldas por cantar "nega do cabelo duro"

Carlos Madeiro

Do UOL Notícias, em Maceió

23/12/2011 15h01

O show do cantor Luiz Caldas no 1º Festival de Blues e Jazz de Arembepe, em Camaçari (BA), começou na noite do último dia 17, mas a polêmica parece não ter data para acabar. Quatro dias após a apresentação, um dos ícones do axé music baiano foi informado que seria penalizado em 30% do cachê por ter cantado a música "Fricote." A canção fez sucesso nos anos 80 com os versos "nega do cabelo duro, que não gosta de pentear", mas foi taxada como "racista" pelo poder público municipal. Para o cantor, a decisão trata-se de "censura."

O corte no cachê de Luiz Caldas foi anunciado publicamente na quarta-feira (21), no site da primeira-dama do município e deputada estadual Luiza Maia (PT). A parlamentar é a autora do projeto de lei anti-baixaria, que pretende proibir o poder público de contratar artistas que cantem músicas ofensivas às mulheres. A proposta, porém, ainda segue em discussão no Legislativo, sem aprovação.

Fricote, de Luiz Caldas

Nega do cabelo duro
Que não gosta de pentear
Quando passa na baixa do tubo
O negão começa a gritar
Pega ela aí pega ela aí
Pra quê? Pra passar batom
De que cor? De violeta
Na boca e na bochecha
Pra quê? Pra passar batom
De que cor? De cor azul
Na boca e na porta do céu

Em nota oficial, Luiza disse que o corte ocorreu pelo artista "ter desrespeitado o acordo feito com a coordenação de eventos da Prefeitura de Camaçari, que o orientou a não executar a música 'Nega do Cabelo Duro', cuja letra apresenta cunho racista e depreciativo às mulheres negras."

Luiza Maia, que é presidente da Comissão de Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa da Bahia afirmou que ela e o colega Bira Corôa, líder do colegiado de Promoção da Igualdade do legislativo, "vão apresentar moção de repúdio contra o artista" por conta da execução pública da música.

"A canção abala a auto-estima da mulher negra, internalizando no imaginário coletivo a imagem de que ela é, entre outras coisas, feia e desleixada, o que se constitui também como uma forma de violência simbólica”, disse a deputada.

Nesta sexta-feira (23), o UOL Notícias entrou em contato com a coordenação de comunicação da prefeitura de Camaçari, que informou que apenas o secretário de Cultura do município, Vital Sampaio, poderia falar sobre assunto. Porém, o secretário não atendeu as ligações e, em seguida, desligou o telefone celular.

Cantor revoltado com "censura"

A decisão de cortar o cachê como punição pela execução da música que consagrou Luiz Caldas revoltou o artista. Segundo o porta-voz do cantor, César Rasec, o a punição foi "arbitrária" e "totalitária." “Ninguém disse que ele não podia cantar 'Fricote'. A música tem mais de 25 anos e inicia o axé music na Bahia. Em nenhum momento afirmaram que ele não deveria cantar a música. Foi o povo que pediu, porque é uma música que todo mundo gosta. É uma canção lúdica, e não chula. E isso não é diferenciado por ignorância. No caso do cachê, juridicamente não cabe cortar, porque não tinha no contrato e, mesmo que tivesse, a cláusula estaria nula, pois não cabe impedir o artista de cantar sua obra”, disse, sem revelar o valor do cachê por se tratar de uma “coisa pessoal”.

Apesar do corte do cachê, Rasec informou que o cantor não pretende ir à Justiça pedir a diferença do valor acordado, já que a questão se tornou secundária diante da "gravidade" do fato.

“A partir desse episódio, independente de cortar cachê, a nossa luta agora é para impedir que esse tipo de parlamentar ganhe espaço, cerceando a liberdade. Qual será a próxima vítima? Ninguém pode proibir o artista de cantar. Então, estamos conclamando outros artistas para combater todo tipo de cerceamento ideológico e musical. Isso se levantou uma bandeira de luta,que já está sendo apoiado por muita gente. Não caberá mais ao Brasil voltar a censura. Essa deputada tem um projeto inconstitucional, e ela está criando um factoide para ganhar os holofotes da mídia”, afirmou.