Mulher de quase 60 anos enfrenta ocupação pela quarta vez, em Embu (SP)
Mesmo com dificuldades de andar e com o cansaço expresso no olhar, Anália Pereira Guimarães, 59, enfrenta seu quarto acampamento, ao integrar, desde o dia 2 de março, a ocupação chamada de "Novo Pinheiro", em Embu das Artes, região metropolitana de São Paulo. Mas, desta vez, ela enfrenta a precariedade do local para conseguir uma moradia para sua filha, de 21 anos.
"Passei um ano em uma ocupação no Jardim Cinira, em Itapecerica da Serra [SP], que terminou sem nenhum acordo. Indignados, partirmos andando com todos os nossos pertences por cerca de duas horas para outro terreno, onde permanecemos por mais dois anos", conta. Para ela, o sacrifício que teria lhe rendido uma bolsa-aluguel de R$ 300 até julho deste ano, é motivo de orgulho, mesmo que ela gaste R$ 650 para morar.
Para Anália e seu marido, a conquista do benefício não aplacou a luta por moradia. Em 2011, o casal partiu para outra ocupação, que durou um pouco menos de um ano. "Conseguimos o bolsa-aluguel para meu filho de 25 anos", conta ela, ressaltando que agora fica acampada o tempo que for necessário para ajudar a filha.
Ela não reclama de trocar o conforto de sua casa pelo calor de uma barraca de lona, o desconforto da cama improvisada com capim e lençóis, a falta de banho. "O forno do fogão é mais frio do que isso", disse ela, apontando para sua barraca, talvez a mais humilde do acampamento, que já reúne cerca de 2.200 famílias.
A dona de casa também confessa ter medo dos bichos da região --e também da invasão da polícia--, mas enfatiza que está disposta a enfrentá-los. "É por uma boa causa", diz.
Anália defende que o movimento só faz sentido porque é "muito bem organizado", "estruturado" e "pacífico". "Um apoia o outro e se não fosse essa união seria ainda mais difícil passar por tudo isso", confessa ela, que passa o dia inteiro sozinha no acampamento e só conta com a companhia do marido na parte da noite, quando ele chega do trabalho.
A filha vai visitá-la apenas aos finais de semana. "Ela tem os compromissos dela e não pode estar aqui. Como mãe, faço isso com muito prazer", explica Anália. Para ela, o esforço que faz pela família é o que o governo deveria fazer para todos os brasileiros. "Alimentação e moradia são necessidades básicas e todos deveriam ter. Não queremos nada de graça, apenas melhores condições para conseguirmos nossa casinha. O bolsa-aluguel é apenas um remendo. O que queremos mesmo é uma casa."
Em Embu das Artes, há 9.000 famílias que, assim como a de Anália, sofrem com a falta de moradia digna, segundo estimativa do MTST. Mas o problema de habitação não é exclusivo da região. De acordo com o Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos, no Brasil cerca de 33 milhões de pessoas não possuem moradia.
Novo Pinheirinho
REALIDADE BRASILEIRA
9.000
é o número de famílias que sofrem com
a falta de moradia digna em Embu das Artes, segundo estimativa do MTST33 milhões
de brasileiros não possuem moradia,
de acordo com o Programa das ONU para Assentamentos Humanos
O terreno ocupado em Embu das Artes por cerca de 2.200 famílias desde o último dia 2 de março é de propriedade da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano), que adquiriu o local em 1998 para construir um conjunto habitacional para a população de baixa renda. O projeto previa a manutenção da vegetação local, com a criação de um Parque Ecológico, a construção de 1.200 unidades habitacionais na área desmatada, bem como de um centro esportivo, um centro educacional e outro centro de cultura ambiental, destinados à comunidade.
Mas, a proposta nunca saiu do papel. Em 2006, um grupo de ambientalistas contrários à proposta das moradias populares conseguiu uma liminar do Ministério Público proibindo construções no local.Em nota, a CDHU afirma que o projeto respeita estritamente a legislação ambiental vigente e que pediu à Justiça, no último dia 5 de março, uma nova perícia ambiental na área. A medida visa a revogar a liminar que impede os atos preparatórios para construção do empreendimento.
O MTST –que organiza a ocupação– defende a construção das unidades habitacionais na área desmatada e a preservação da área classificadas como APP (Área de Proteção Permanente), explica Vanessa de Souza, coordenadora do movimento.
Mas, enquanto o impasse judicial não se resolve, a CDHU diz que já vem atendendo às reivindicações do MTST com dois projetos em Taboão da Serra (SP), em parceria com o Programa Minha Casa Minha Vida Entidades, e com a oferta de auxílio-moradia para as famílias indicadas pelo movimento até o atendimento habitacional definitivo.
No dia 6 de março, a comunidade do acampamento Novo Pinheirinho do Embu recebeu uma ordem de despejo emitido por um grupo de ambientalistas autonomeado "pró-parque", sob a liderança da advogada Maria Isabel Hodnik. O MTST, no entanto, disse que tomará as medidas cabíveis para contornar a situação.
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