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Promotor pede condenação de réus do caso Celso Daniel por crime político

Guilherme Balza

Do UOL, em Itapecerica da Serra (SP)

10/05/2012 16h10Atualizada em 10/05/2012 18h58

O promotor de Justiça Márcio Friggi pediu ao júri que analisa nesta quinta-feira (10) o caso Celso Daniel, no Fórum de Itapecerica da Serra (Grande São Paulo), que os três réus acusados pela morte sejam condenados por homicídio encomendado mediante pagamento. Friggi sustentou a tese da Promotoria, segundo a qual a morte tem relação com um suposto esquema de corrupção na Prefeitura de Santo André, ou seja, o crime seria político e não comum. 

O ex-prefeito foi morto a tiros em janeiro de 2002, e seu corpo encontrado em uma estrada de terra no município de Juquitiba, vizinho a Itapecerica. As circunstâncias do crime até hoje não foram totalmente esclarecidas.

Segundo o promotor, a quadrilha montou uma versão falsa do crime para sustentar a hipótese de que sequestraram Celso Daniel aleatoriamente, depois de uma tentativa de sequestro contra um empresário do Ceasa ter fracassado. Para comprovar a tese, o promotor mostrou aos jurados extratos das ligações entre os integrantes da quadrilha na noite do sequestro, que desmentem a versão apresentadas pelos acusados –e aceita pela Polícia Civil.

“Essa versão foi montada para que as investigações não chegassem aos mandantes do crime”, disse o promotor, referindo-se a Sérgio Gomes da Silva, o "Sombra", amigo do ex-prefeito e apontado pelo Ministério Público como o mandante da morte.

Friggi citou relatos da família Daniel e da empresária Rosangela Gabrilli sobre o esquema de corrupção em Santo André. De acordo com o promotor, o irmão de Celso João Francisco disse ao MP sobre a existência do esquema e afirmou que o então secretário de governo do município Gilberto Carvalho lhes confessou ter levado R$ 1,2 milhão desviado direto à direção do PT.

ENTENDA O CASO

Celso Daniel foi encontrado morto em 20 de janeiro de 2002, em uma estrada de terra de Juquitiba, após receber 11 tiros. A morte ocorreu dois dias depois de ter sido sequestrado no trajeto entre uma churrascaria na capital e Santo André.

No momento do sequestro, o ex-prefeito estava dentro de seu carro, que era blindado, acompanhado do empresário Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, seu amigo e segurança, que dirigia o veículo. Os sequestradores fecharam o carro de Daniel com outros três veículos e levaram apenas o ex-prefeito, deixando Sombra no local. Antes de matar o ex-prefeito, os sequestradores o mantiveram em cativeiro na favela Pantanal, na divisa entre São Paulo e Diadema.

O caso já foi reaberto duas vezes, investigado pelo Ministério Público, pela Polícia Civil e até pela CPI dos Bingos, em Brasília. Investigação do DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) concluiu que seis pessoas participaram do crime, entre elas um menor. Para a polícia, os acusados sequestraram Daniel por engano, já que estavam planejando o crime contra outra pessoa.

O Ministério Público contraria a versão policial e sustenta que a morte foi encomendada por uma quadrilha que atuava na Prefeitura de Santo André extorquindo empresários com objetivo de arrecadar dinheiro para campanhas eleitorais do PT. Para o MP, a investigação policial foi incompleta e não apurou quem foram os mandantes do crime, que para a promotoria foi Sombra, um dos líderes do esquema.

Segundo o MP, Daniel foi morto ao perceber que o dinheiro desviado pela quadrilha também estava sendo utilizado para o enriquecimento dos integrantes, e não só para fins partidários, e decidir impor limites à atuação da quadrilha.

Pelo menos sete pessoas, entre testemunhas e outros envolvidos no crime, morreram após a morte do ex-prefeito --todas vítimas de homicídio. O único condenado --a 18 anos de prisão-- pela morte de Daniel foi Marcos Bispo dos Santos. O júri de Sombra deve ocorrer ainda este ano. O MP denunciou seis pessoas, entre empresários e secretários de governo, por participação no esquema de corrupção, mas a Justiça rejeitou as denúncias.

O promotor disse que a investigação policial foi incompleta. “A autoria do crime foi muito bem esclarecida, mas as circunstâncias, não.”

O promotor citou duas pessoas que prestaram depoimentos ao MP e teriam visto Dionísio Aquino Severo --suposto sequestrador de Celso Daniel e uma das principais testemunhas no caso que foi morto por uma facção rival antes de ser ouvido sobre o crime-- com Sombra em mais de uma oportunidade. São eles: Adão Neri, que foi advogado de Dionísio e disse que ele trabalhou como segurança pessoal de Sombra, e José Cicoti, ex-vice-prefeito de Santo André, que teria confirmado que o empresário contratou Dionísio para fazer a segurança de eventos da prefeitura.

Friggi apresentou laudo necroscópico que mostra que Celso Daniel foi torturado antes da morte em uma tentativa de convencer os jurados de que os sequestradores estavam tentando obter informações do ex-prefeito. Por fim, o promotor citou depoimento em juízo de Elcyd Oliveira Brito –outro réu do processo– que teria confessado, em troca do benefício da delação premiada, que Sombra ordenou a morte de Daniel.

Os três réus que estão sendo julgados hoje serão acusados por homicídio duplamente qualificado --efetuado para recebimento de recompensa e com emprego de recursos que impossibilitaram a defesa da vítima-- e podem pegar entre 12 e 30 anos de prisão. Outros dois réus que seriam julgados hoje tiveram o caso adiado.

O único condenado pelo crime até hoje foi Marcos Bispo dos Santos, que recebeu pena de 18 anos de prisão no Tribunal do Júri em novembro de 2010. Ele foi julgado antes porque não apresentou recursos contra seu pronunciamento. O empresário Sérgio Gomes da Silva deverá ir a júri ainda neste ano. Ele está em liberdade desde 2004, por decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça).

Depoimento dos réus

Os três réus interrogados hoje negaram participação no crime. O primeiro a falar, Ivan Rodrigues da Silva, conhecido como “Monstro” e apontado pela Polícia Civil e pelo Ministério Público (MP) como líder da quadrilha da favela Pantanal, que matou Daniel, negou qualquer participação no sequestro e no homicídio do ex-prefeito de Santo André (SP).

O réu disse que estava no Paraná nos dias do crime. Ivan afirmou também que conhecia os outros integrantes da quadrilha porque “jogava bola [futebol] com eles”. Questionado pelo juiz sobre as confissões feitas em juízo e em depoimentos anteriores à polícia e ao MP, Ivan disse que não teve direito de defesa e sofreu pressão de promotores e delegados para assumir o crime. 

O acusado afirmou ainda que logo após ter sido preso, em junho de 2002, foi levado ao DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), onde teria sofrido pressões do advogado do PT e ex-deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh para assumir o assassinato.

Segundo a falar, o réu José Edison da Silva foi interrogado por cerca de 25 minutos e também negou a participação no crime. Ele afirmou que estava morando na Bahia na época da morte e que confessou o crime sob tortura no DHPP. “Recebi choques na boca, na mão e nos pés”, afirmou. O acusado também disse que Greenhalgh estava acompanhando os interrogatórios no DHPP.

O depoimento de José Edison contradisse o do Ivan: enquanto Ivan disse que conheceu José Edison no Butantã, zona oeste de São Paulo, onde Edison morava, antes da morte de Celso Daniel, Edison afirmou que conheceu o outro réu na cadeia, depois de ser preso pela morte.

O terceiro réu, Rodolfo Rodrigo dos Santos, também disse que foi torturado para confessar o crime. “Assinei vários papéis sem ter lido.” O réu disse ainda que foi pressionado e agredido por Greenhalgh dentro do departamento de homicídios. 

Em nota, Greenhalgh negou as acusações.

Teses

Há duas teses conflitantes para o crime, uma da Polícia Civil e outra do MP: enquanto o DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) concluiu que a morte de Daniel foi um crime comum, fruto de um sequestro mal planejado e mal sucedido --versão apresentada pela própria quadrilha-- a Promotoria sustenta que o ex-prefeito foi morto por encomenda.

Para o MP, o crime tem relação com um esquema de corrupção dentro da Prefeitura de Santo André, montado com o objetivo de arrecadar dinheiro para campanhas eleitorais do PT. O dinheiro viria de fraudes em licitações e da concussão (exigência de dinheiro em razão da função pública) de empresas de transporte, coleta de lixo e obras públicas, que eram coagidas a pagar uma “caixinha” todo mês. Só com as empresas de ônibus a quadrilha teria levantado mais de R$ 100 milhões.

Para o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), a morte do ex-prefeito foi resultado de um “desarranjo” no interior da quadrilha: a tese da Promotoria é que Daniel sabia e participava do esquema de corrupção em Santo André, mas decidiu impor limites ao perceber que os desvios tinham também como finalidade engordar as contas pessoais dos envolvidos, e não só as do partido. O ex-prefeito teria então preparado um dossiê para acabar com os desvios para contas pessoais, o que desagradou parte da quadrilha.

O promotor de Justiça Márcio Augusto Friggi de Carvalho, do Gaeco do ABC, foi designado para o julgamento e afirmou que irá sustentar a tese de crime encomendado, a mesma apresentada pelo promotor Francisco Cembranelli no julgamento de Bispo dos Santos.

Investigações conflitantes

As investigações do DHPP foram reabertas duas vezes, a pedido do Gaeco, mas confirmaram a primeira versão, de que o grupo de criminosos estaria em busca de um empresário e sequestrou Daniel por engano.

Quando perceberam, o chefe da quadrilha teria ordenado a soltura, mas um dos integrantes se confundiu e determinou que um menor o matasse. A PF também chegou a investigar o caso e confirmou a versão do DHPP.

Para o MP, a investigação policial foi incompleta. Promotores do Gaeco apontam supostas inconsistências na versão da quadrilha admitida pela polícia.

O MP questiona a não utilização da perícia necroscópica feita no corpo de Celso Daniel, que apontaria que o prefeito foi torturado antes de ser morto, provavelmente para que a quadrilha obtivesse alguma informação sigilosa.

Outro ponto questionado pela promotoria é o fato de Sombra não ter sido levado no sequestro e o carro de Daniel, que era blindado, ter sido aberto sem emprego da força por parte dos criminosos.

O MP aponta ainda que uma testemunha trouxe provas à delegada Elisabete Sato, do DHPP, de que o ex-prefeito estava guardando sacos de dinheiro dentro do seu apartamento, o que reforçaria a tese de crime encomendado.

Após a morte de Celso Daniel, pelo menos seis testemunhas ou envolvidos no crime foram mortos em circunstâncias não esclarecidas.

TESTEMUNHAS MORTAS

Dionísio Aquino Severo - Suposto sequestrador de Celso Daniel e uma das principais testemunhas no caso, foi morto por uma facção rival antes de ser ouvido sobre o crime
Sergio 'Orelha' - Teria escondido Dionísio após o sequestro. Foi fuzilado em novembro de 2002
Otávio Mercier - Investigador da Polícia Civil que telefonou para Severo na véspera da morte de Daniel, foi morto a tiros em sua casa
Antonio Palácio de Oliveira - O garçom que serviu Celso Daniel na noite do crime morreu em fevereiro de 2003 após ser perseguido em sua moto
Paulo Henrique Brito - Testemunhou a morte do garçom e foi morto com um tiro nas costas, 20 dias depois
Iran Moraes Redua - O agente funerário foi o primeiro a identificar o corpo de Daniel e chamou a polícia. Morreu com dois tiros em novembro de 2004
Carlos Alberto Delmonte Printes - Médico-legista que constatou indícios de tortura ao examinar o corpo de Daniel

Esquema de corrupção

Além da ação criminal, o MP moveu uma ação por improbidade administrativa contra Sombra, o atual secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho --amigo do ex-prefeito e secretário de governo na gestão de Celso Daniel--, o então secretário de Serviços Municipais Klinger Luiz de Oliveira, os empresários Ronan Maria Pinto, Luiz Marcondes Júnior e Humberto Tarcísio de Castro. Até hoje eles não foram julgados pelas denúncias.

Empresários de Santo André confirmaram ao MP a existência do esquema, o que o PT sempre negou. José Dirceu, na época presidente da sigla, não foi investigado pelo MP por força de uma decisão temporária do STF (Supremo Tribunal Federal), em 2004, na qual o ex-ministro Nelson Jobim considerou que a Promotoria não pode realizar investigações criminais.

Também no STF, a defesa de Sombra alega que todos os atos de investigação dos promotores paulistas devem ser considerados nulos. Por isso, pede o arquivamento da ação penal. Para os advogados do empresário, o promotor não pode ser imparcial ao investigar, porque é parte da ação penal. Isso provoca, para a defesa, uma “absoluta insegurança jurídica”.

A reportagem do UOL procurou José Dirceu, Gilberto Carvalho e o atual presidente do PT, Rui Falcão, mas nenhum deles quis falar sobre o caso.

OS ENVOLVIDOS NO ESQUEMA DE SANTO ANDRÉ SEGUNDO O MP

Sérgio Gomes da Silva, o “Sombra”
Empresário e amigo de Celso Daniel; é acusado pelo MP de ser o mandante da morte do ex-prefeito e de ser um dos líderes do esquema de corrupção em Santo André
Klinger Luiz de Oliveira
Secretário de Serviços Públicos da gestão Celso Daniel; apontado pelo MP como líder do esquema de corrupção no município
Ronan Maria Pinto
Empresário do ramo de comunicações e transporte; apontado pelo MP como outro líder do esquema de corrupção no município
Gilberto Carvalho
Foi secretário do governo da gestão Celso Daniel e amigo do ex-prefeito, hoje é secretário-geral da presidência da República; segundo o MP, participou do esquema de corrupção
José Dirceu
Era presidente nacional do PT na época da morte de Celso Daniel; os irmãos de Celso Daniel dizem que Gilberto Carvalho lhes confidenciou que Dirceu recebeu dinheiro do esquema de corrupção em Santo André