Topo

MPT pede que Shell e Basf depositem R$ 1 bi por danos à saúde de trabalhadores em Paulínia (SP)

Vista de área de terreno da Shell, em Paulínia (SP), que contaminou bairro durante fabricação de pesticida - 28.jun.2004 - Marcos Ribolli/Folhapress
Vista de área de terreno da Shell, em Paulínia (SP), que contaminou bairro durante fabricação de pesticida Imagem: 28.jun.2004 - Marcos Ribolli/Folhapress

Maurício Simionato

do UOL, em Campinas (SP)

28/05/2012 18h32Atualizada em 28/05/2012 19h50

O MPT (Ministério Público do Trabalho) ingressou com uma ação na 2ª Vara do Trabalho de Paulínia (a 117km de São Paulo) na qual pede que as empresas Shell/Raízen e Basf depositem cerca de R$ 1 bilhão pelos supostos danos à saúde de mais de mil pessoas (entre elas ex-trabalhadores das empresas e seus familiares) expostas a riscos de contaminação na unidade de fabricação de agrotóxicos, que funcionou na cidade de 1977 a 2002.

Mais sobre o caso

Dez anos após auditores fiscais do Ministério do Trabalho fecharem uma planta industrial da Shell em Paulínia (SP) –por causa da contaminação do ambiente com produtos cancerígenos–, os trabalhadores da fábrica e moradores locais ainda lutam na Justiça para que a empresa pague o tratamento médico aos que adoeceram.

“A Shell era bem em frente à nossa chácara. Tinha um cheiro muito forte, e eu estava grávida. Meu filho nasceu em 1978 e, com a fumaceira, ele vomitava o dia inteiro. Tudo que punha na boca, vomitava. Ele mamava no peito, e o meu leite ele vomitava”, conta Ciomara Rodrigues, moradora que move ação contra a Shell, ainda em tramitação. "Meu filho mais velho tem o baço aumentado. O que causa isso são os agrotóxicos que tinha lá. E eu tenho problema de fígado, também pela mesma causa”, acrescenta

A Shell iniciou a produção de agrotóxicos em Paulínia em 1977. Em 1994, a Shell vendeu a fábrica para a Cyanamid e, em 2000, a Basf comprou a mesma área e o passivo da Cyanamid. No entanto, a fábrica foi desativada em 2002. Pelo menos mil funcionários passaram pelas empresas no período.

As procuradoras do MPT, Clarissa Ribeiro Schinesctsk e Fabíola Junges Zani, ingressaram com o pedido para que seja depositado em juízo o valor (de mais de R$ 1 bilhão), relativo à indenização por danos morais causados à coletividade.

O valor pedido é refente às condenações de primeira e segunda instâncias no processo contra as duas empresas movido pelo MPT. Com isso, as procuradoras querem garantir o pagamento do montante em caso de manter as condenações das empresas.

Na medida judicial, o Ministério Público pede também a inclusão de ex-empregados, autônomos e terceirizados das empresas Shell (atual Raízen) e Basf, assim como seus filhos, na lista de habilitados a receberem de imediato o custeio prévio de despesas com tratamento integral de saúde.

Até o momento, 786 pessoas detêm esse direito, conforme estabelecido pelo comitê criado para dar andamento à execução provisória da sentença que determina o custeio de saúde. Se a Justiça do Trabalho acatar o pedido do MPT, o número de beneficiados será ampliado pera 1.142 pessoas.

Cerca de 180 famílias que moravam em chácaras ao redor da fábrica foram obrigadas a evacuar a área em 2003.

Em julho de 2008, órgãos públicos de saúde começam um cadastramento sobre o caso e estimaram que pelo menos 6.000 pessoas (incluindo moradores do entorno) tenham sido expostas direta ou indiretamente à contaminação por substâncias tóxicas. Exames realizados em 69 ex-trabalhadores --presentes nos autos do processo-- confirmam doenças como câncer, úlcera, entre outras.

Para entender o processo

Em março de 2007, o Ministério Público do Trabalho ajuizou uma ação civil pública junto com organização dos ex-trabalhadores das empresas Shell e Basf.

Entre outros requerimentos, pediu-se a antecipação da tutela para que fossem contratados planos de saúde vitalícios em benefício dos ex-trabalhadores atingidos e de seus familiares.

O valor estimado para a causa chegava aos R$ 620 milhões, considerada a pretensão de reparação dos danos causados a interesses difusos e coletivos, cuja indenização seria revertida ao FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador).

No julgamento do mérito, a Justiça do Trabalho de Paulínia condenou as empresas a custearem o tratamento médico de todos os ex-trabalhadores da unidade de fabricação de agrotóxicos, assim como de seus filhos, e a pagar uma indenização por danos morais no valor total de R$ 1,1 bilhão.

Segundo a sentença da juíza Maria Inês Corrêa de Cerqueira César Targa, da 2ª Vara do Trabalho de Paulínia, a cobertura médica deve abranger consultas, exames e todo o tipo de tratamento médico, nutricional, psicológico, fisioterapêutico e terapêutico, além de internações.

“A contaminação a que se expuseram os trabalhadores não ocorria, apenas, nos momentos em que se encontravam em seus postos de trabalho, mas em todo o período em que se encontravam no Recanto dos Pássaros, local onde foi instalado o parque fabril e hoje isolado”, diz um trecho da sentença.

Entenda o caso

Em 1977, a Shell instalou no bairro Recanto dos Pássaros, em Paulínia, uma fábrica de agrotóxicos usados para pulverização rural. Durante décadas, centenas de trabalhadores manusearam substâncias altamente tóxicas ao organismo humano, com potencial cancerígeno, além de respirarem metais pesados e outros componentes químicos que eram queimados nas caldeiras da fábrica, segundo o Ministério Público do Trabalho.

A área em Paulínia abrigou a Shell até 1995. Naquele ano, parte da área foi vendida para a American Cyanamid CO., que obrigou a Shell a realizar, como condição do negócio de compra e venda, uma auditoria ambiental que, ao final, acusou a contaminação de água e solo locais.

A partir de então, a Shell apresentou a situação à Curadoria do Meio Ambiente de Paulínia, da qual resultou um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta). No documento, a Shell reconheceu a contaminação do solo e das águas subterrâneas por produtos denominados aldrin, endrin e dieldrin.

Após os resultados das análises toxicológicas, a agência ambiental entendeu que a água das proximidades da indústria não poderia mais ser utilizada, o que levou a Shell a adquirir todas as plantações de legumes e verduras das chácaras do entorno e a fornecer água potável para as populações vizinhas. Mesmo nas áreas residenciais no entorno da empresa, foram verificadas concentrações de metais pesados e de pesticidas clorados no solo e em amostras de águas subterrâneas.

Empresas contestam

A Shell informou, por meio de nota, que “não tem informação sobre o pedido de depósito formulado pelo MPT”. “A Shell Brasil Petróleo Ltda., empresa responsável por toda e qualquer obrigação que, por força de decisões judiciais tomadas na Ação Civil Pública Trabalhista, venham a ser impostas à Raízen Combustíveis S. A. (atual denominação da Shell Brasil Ltda. como parte originária no processo), não tem qualquer informação sobre o pedido de depósito formulado pelo Ministério Público do Trabalho”, diz um trecho do comunicado.

A empresa informou ainda que “entende ser descabido qualquer depósito judicial relacionado ao dano coletivo na atual fase do processo, pois o caso ainda se encontra pendente de decisão pelo TST. A questão quanto ao número de habilitados foi discutida no âmbito do Comitê e será objeto de apreciação judicial”.
 
Em outro trecho, a Shell alegou ter ficado “surpesa” com o conteúdo da nota do Ministério Público do Trabalho. “A empresa manifesta sua surpresa com o conteúdo da nota divulgada pelo MPT, que não reflete a conduta que a mesma vem adotando ao longo dos trabalhos do Comitê, liderados pelo próprio MPT. A empresa vem cumprindo a decisão judicial e efetuando as antecipações dos pagamentos relacionados às despesas médicas solicitadas pelas pessoas devidamente habilitadas no processo“, diz a nota oficial da empresa.

A Basf informou, por meio de sua assessoria de imprensa, “que ainda não foi formalmente notificada pela Justiça a respeito dessa solicitação do MPT”.

“Dessa forma, a empresa se posicionará a respeito tão logo receba a notificação oficial”, diz a nota da Basf. A Basf informou ainda que “continua respeitando as decisões da Justiça, sem prejuízo da discussão do tema junto às instâncias superiores”.

Ambas as empresas também negam a relação entre as doenças que atingem os ex-funcionários e o trabalho exercido por eles nas fábricas.