Topo

Juiz ameaçado em MS diz que até sonha com escolta que o segue 24 horas por dia

Celso Bejarano

Do UOL, em Campo Grande

11/08/2012 07h49

O juiz federal Odilon de Oliveira, 63, vive sob proteção policial desde 1998, por conta das ameaças de morte recebidas. Nesse período de 14 anos, passou a ser amparado pela escolta até em seus sonhos.

“Desde que sou protegido, até meus sonhos, quando durmo, mudaram. Às vezes, sonho que estou fugindo dos policiais, pulando o muro de minha casa, depois bate um desespero, cadê os policiais? Mesmo quando sonho com outra coisa, vejo, na cena, um policial, é um tormento”, conta o chefe da 3ª Vara Federal de Mato Grosso do Sul.

Pai de dois filhos e uma filha, já adultos, o magistrado é escoltado até dentro de casa, todos os dias, 24 horas por dia. “Os policiais moram numa guarita”, diz. Ao todo, são dez investigadores da Polícia Federal, que vêm de fora do Estado e se revezam no turno de 24 horas. A cada dois meses há troca de agentes.

Os policiais que cuidam da segurança do juiz andam o tempo todo armados com submetralhadoras e pistolas. Já o próprio Oliveira, não usa arma. "Tenho uma, mas não uso porque não sei usar, não saberia me defender. Arma deve ser usada por quem sabe, apenas".

Até 1997, um ano antes de viver sob a proteção da polícia, o juiz e a mulher tinham uma vida social mais intensa e até faziam aulas de dança de salão. Mas a rotina mudou. “Daqui [trabalho] sigo para a casa e, quando saio vou a um salão de beleza, ou na academia de ginástica, somente isso. De 15 em 15 dias reúno amigos, mas em casa”.

Oliveira ingressou na magistratura federal em 1987 e, além de Campo Grande, atuou também em Cuiabá (MT) e Porto Velho (RO). A primeira de uma série de ameaças de morte, ele recebeu em 1998, 11 anos depois de ingressar na carreira. Desde então, a escolta é parte de sua rotina.

As ameaças contra juiz surgiram por meio de telefonemas, depoimentos de presos, cartas e até por e-mail. Houve também situações mais graves.
Certa vez, em Ponta Porã, município no sudoeste de Mato Grosso do Sul, separado do município paraguaio de Pedro Juan Caballero por apenas uma rua, um homem tentou invadir o hotel onde morava o juiz. Armado, o homem trocou tiros com seguranças, e fugiu para o país vizinho.

Em outra ocasião, também em Ponta Porã, três pistoleiros aguardavam o magistrado, que saia para a academia de ginástica. “Por sorte, minha escolta abortou o ataque e mais uma vez os pistoleiros conseguiram escapar”, lembra.

'Juiz não deve temer nada'

O juiz acredita que as ameaças são feitas por pessoas ligadas ao crime organizado. Em suas contas, ele já teria determinado o confisco de cerca de R$ 25 milhões, desde 2006. Dinheiro de réus ligados a crimes de lavagem de dinheiro e, principalmente, tráfico de drogas. Na relação dos bens apreendidos estão 151 imóveis rurais, 883 veículos, 25 aviões e 16 mil cabeças de gado.

“Acho que o juiz não deve temer nada, os criminosos devem ser punidos com rigor e a legislação brasileira, mudar, porque é fraca, favorece o crime organizado”, opina.

Após a morte da juíza Patrícia Acioli, ocorrida no dia 11 de agosto de 2011, no Rio, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) fez uma lista dos magistrados que receberam ameaças em todo o país. O levantamento tem 150 nomes, dos quais 61 contam com escolta armada permanente. No final de julho, a presidente Dilma Rousseff sancionou a chamada lei 'juiz sem rosto'. A nova regra prevê que o juiz poderá decidir pela formação de um colegiado para casos envolvendo organizações criminosas. A ideia é tirar o foco de apenas um juiz em casos polêmicos, tidos de risco ao magistrado.

Oliveira acredita que a nova lei não resolverá o problema. E ainda criará outros. “Em ao menos 70% das 3 mil comarcas brasileiras existem apenas um juiz. Imagine a quantidade de diárias pagas pelo deslocamento de outros juízes até o local do julgamento. Acho, sim, que essa lei vai beneficiar o bandido, que pode protestar e o processo contra ele prescrever devido aos recursos”.

“Creio que as polícias devem ser melhor aparelhadas para produzir inquéritos corretos. Que o programa de proteção as testemunhas seja levado mais a sério e que o juiz haja com rigor, isso basta”, acrescenta Odilon.

Com quase 25 anos de carreira, Oliveira demonstra entusiasmo pelo que faz. A ponto de, mesmo durante as férias –que vão até o fim deste mês—ele cumprir expediente duas vezes por semana, para “por em dia os processos”.

Mas de uma coisa ele não abre mão. Odilon de Oliveira diz que, mesmo quando se aposentar, em 2019, quando tiver 70 anos de idade, ainda vai requisitar a proteção policial.