Casal de lavradores da Bahia tenta reaver cinco filhos retirados de casa para adoção
A batalha já dura um ano e três meses. O lavrador Gerôncio Brito de Souza e a dona de casa Silvânia Mota da Silva, pais de cinco crianças, tentam através de órgãos de defesa da criança e do adolescente de Salvador reaver os filhos retirados de casa para adoção, por determinação da Justiça, da cidade baiana de Monte Santo (352 quilômetros de Salvador).
As crianças, uma menina de um ano e três meses e quatro meninos -de sete, cinco, quatro e dois anos-, foram retiradas de casa em junho do ano passado através de uma liminar para adoção e encaminhados a famílias diferentes do Estado de São Paulo.
Onde fica
Monte Santo está a 352 km de Salvador
De acordo com o coordenador do Fórum de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum DCA/Bahia), Edmundo Ribeiro, apesar de o caso ter sido iniciado em 2011, somente há dois meses os órgãos de defesa dos direitos de crianças e adolescentes receberam a denúncia de moradores da cidade.
“Desde a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, a situação de pobreza de uma família não é motivo para retirar as crianças de seus lares”, disse Ribeiro ao UOL. As crianças foram retiradas dos pais em dois momentos.
Primeiro, levaram a caçula recém-nascida, que é filha de outra relação de Silvânia com José Mario de Jesus Silva, mas vivia com o casal. Em uma segunda intervenção, levaram os demais. O filho mais velho do casal ainda tentou fugir, mas foi encontrado e encaminhado para São Paulo.
Pareceres não eram pela adoção
A decisão da Justiça se baseou em laudos sobre a situação da família elaborados pelo Conselho Tutelar e pelo Centro de Referência Especializada da Assistência Social (Creas), ambos de Monte Santo.
Em vez de retirar as crianças, a Justiça e o Estado tinham que dar condições para que os pais vivessem com seus filhos
“Em vez de retirar as crianças, a Justiça e o Estado tinham que dar condições para que os pais vivessem com seus filhos”, afirmou Ribeiro.
Segundo informações do Cedeca (Centro de Defesa da Criança e do Adolescente), o laudo se resumia a apenas metade de uma página e destacava que, na visita, uma criança acordou com fome e que a mãe deu leite. Informava também que o banheiro da casa onde as crianças moravam ficava na parte externa.
Apoio da polícia
“Os pais estão desesperados. Eles são pobres e com baixa escolaridade e estão tendo que enfrentar juízes, advogados, o Estado. As famílias que adotaram as crianças são ricas e têm bons advogados”, afirmou Ribeiro. O coordenador do Fórum disse que as crianças foram retiradas na ausência do pai, com apoio da polícia.”
Ao saber do ocorrido, o pai das crianças foi até o Conselho Tutelar da cidade. “Ele dizia que os filhos dele não eram filhos de urubu para serem levados desta forma. Ele perdeu o controle e assustou as conselheiras, que chamaram a polícia”, disse Ribeiro. “Ele foi preso, e a fiança para ser solto foi de R$ 5.000. A família vendeu a casa dos avós para soltá-lo.”
O pai dizia que os filhos dele não eram filhos de urubu para serem levados desta forma. Ele perdeu o controle e assustou as conselheiras, que chamaram a polícia
Segundo informações do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Yves de Roussan (Cedeca-BA), cujos advogados estão acompanhando o caso, o processo, que corre em segredo de Justiça, estava parado e só teve andamento em junho. Com o processo novamente em curso, os pais e avós já foram ouvidos. No próximo dia 8 de outubro, será realizada uma nova audiência.
O coordenador executivo do Cedeca, Valdemar Oliveira, informou que os irmãos foram separados e divididos entre quatro famílias paulistas. “O Estatuto da Criança e do Adolescente deixa claro que a pobreza não é motivo por si só para se promover a adoção. Eles foram divididos, e isso é irregular, fere a lei da adoção. Estamos tentando reverter o processo. Fizeram o pedido de liminar de guarda provisória sem que os pais fossem citados para se defender. Essa liminar foi legitimada pelo Ministério Público da Bahia”, diz.
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Mulher suspeita
Coordenadores do Cedeca e do Fórum suspeitam de uma mulher conhecida como “Galega”, que frequenta a cidade à procura de pais que queiram entregar seus filhos para a adoção. Ela estaria sempre acompanhada do marido, de nacionalidade alemã. “Essa mulher teve contato com os pais dessas cinco crianças e eles recusaram. Mas desconfiamos que ela de alguma forma ajudou”, disse Oliveira.
A mulher, identificada apenas como Carmen, é apontada como aliciadora e teria casa nas cidades baianas de Pojuca e Lauro de Freitas. Segundo relato da mãe das crianças, em maio de 2011, Carmen a teria procurado, perguntando se não queria encaminhar os filhos para a adoção, mas Silvânia recusou. Em seguida, a mulher teria feito uma denúncia no Conselho Tutelar.
“Eu acho que esse caso pode ser a ponta de um iceberg. Ficamos sabendo que essa mulher já atua há alguns anos assim. Podemos estar diante de um grupo que promove adoção irregular”, disse o coordenador do Cedeca.
Outro lado
Através da assessoria de comunicação, o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJ-BA) informou que “desde o mês de julho de 2012, os processos citados estão sendo acompanhados e reavaliados”.
Tudo o que foi feito está na promotoria, e a gente não pode adiantar nada sem ordem judicial. Nós não temos nada a esconder
A pedido do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca), segundo a assessoria, a Justiça está revendo os casos e ouvindo os pais biológicos das crianças adotadas. Foram solicitados também relatórios sociais aos juízes das Comarcas onde residem as crianças atualmente.
“Os relatórios vão apontar a real situação dos menores nas casas dos pais adotivos e informar se as crianças estão bem tratadas e adaptadas”, informa a assessoria.
Questionada sobre o laudo que facilitou a adoção, Ana Daria Pereira, uma das cinco integrantes do Conselho Tutelar, diz que só poderá falar sobre o caso com autorização da Justiça. “Tudo o que foi feito está na promotoria, e a gente não pode adiantar nada sem ordem judicial. Nós não temos nada a esconder”, disse.
A coordenadora do Creas de Monte Santo e presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente da cidade, Juliana Pinheiro, foi procurada, mas o UOL obteve a informação de que ela está de férias.
A assessoria do Ministério Público da Bahia informa também que, devido ao processo correr em segredo de Justiça, o promotor de Monte Santo, Carlos Augusto Machado de Brito, não comentará o caso.
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