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MP reabre inquérito sobre incêndio na favela do Moinho e investiga versão diferente da polícia

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

25/09/2012 06h00

O segundo incêndio em menos de nove meses fez o MP-SP (Ministério Público de São Paulo) reabrir uma investigação que estava arquivada desde o início do ano sobre a favela do Moinho, localizada na região central da capital paulista.

O incêndio do último dia 17 destruiu 80 moradias e deixou cerca de 300 pessoas desabrigadas; em dezembro do ano passado, uma primeira ocorrência do tipo já havia deixado sem abrigo 407 famílias.

Na portaria que reabriu o caso, a que o UOL teve acesso, a promotora de Habitação e Urbanismo da Capital, Karina Keiko Kamei, afirmou possuir "informações sobre a possível existência de outros focos de incêndio, o que está sendo investigado". Na versão oficial, fornecida pela polícia, o incêndio da semana passada teria começado com um morador que ateara fogo em seu companheiro. A vítima morreu.

Com a reabertura do inquérito, a promotora expediu ofício à Subprefeitura da Sé para que se informe, "detalhada e comprovadamente", quais as providências habitacionais e assistenciais adotadas para atendimento das famílias da favela, sobretudo das que perderam suas moradias. Também são requeridas informações à CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) sobre pretensões de implantar, na região, a estação Bom Retiro --que atenderia as linhas 7, 8 e 11, com possibilidade de desativação da estação Julio Prestes.

Interditado desde o incêndio, o Viaduto Engenheiro Orlando Murgel, localizado na região que queimou, também foi citado na portaria da Promotoria. Sobre a estrutura, a promotora pediu o laudo definitivo de avaliação das estruturas e as medidas necessárias para sua liberação ao tráfego normal.

Sobre o incêndio de dezembro passado, a promotoria questionou soluções apresentadas à época pela Prefeitura de São Paulo, segundo a qual foi apresentado alojamento provisório aos desabrigados e cadastro deles para que recebessem auxílio aluguel ou aluguel social, além de inserção em programa de moradia definitiva.

Segundo as informações nos autos, "o município atenderia as 815 famílias ocupantes da área em local a ser finalizado no último trimestre de 2012. Apenas 135 famílias, porém, conforme a prefeitura, teriam concordado em permanecer no alojamento provisório consistente no Centro Educacional e Esportivo Raul Tabajara. As demais famílias retornaram para o local de risco", aponta a portaria.

"O prefeito teria afirmado que todos os moradores da área serão atendidos em um empreendimento da Cohab com dez prédios na Vila Leopoldina, ao lado da Ponte dos Remédios e que estaria convencendo os ocupantes a aceitarem o auxílio aluguel até o término das obras", diz outro trecho da portaria, que requereu à administração municipal não só o andamento desses prédios, como também se serão garantidas unidades "a todos os moradores da favela do Moinho".

Além desse inquérito, o MP-SP recebeu nesta segunda-feira (24) denúncia de um engenheiro de São Paulo para que não apenas a hipótese de crime seja investigado nesse último incêndio, como também de suposto crime ambiental.

"Sabemos que a prefeitura tem previsão de fazer um parque ali naquela área, por seu Plano Diretor, e há empreendimento imobiliário na região. Isso precisa ser investigado", disse o autor da denúncia, o engenheiro e professor universitário Vinicius Heltai, 27. A assessoria do MP informou que a denúncia seria distribuída ao longo desta semana.

A área onde está a favela do Moinho vem sendo alvo de disputas judiciais entre a prefeitura e os moradores nos últimos anos. Enquanto a administração municipal tenta desapropriar a área e utilizá-la para outros fins, os moradores buscam conquistar o direito de permanecer no local.

Relação de incêndios com interesse imobiliário

Além da favela do Moinho, o MP paulista investiga também se houve crime no incêndio que deixou 1.140 pessoas desabrigadas na favela Sônia Ribeiro --conhecida como favela do Piolho, no último dia 3.

O caso é apurado pelos promotores do Gaeco (Grupo de Apoio Especial de Combate ao Crime Organizado), que apuram se o incêndio foi cometido por algum "grupo criminoso" que represente "interesses de especulação imobiliária" na região, e também pelo promotor de Habitação e Urbanismo da capital, José Carlos de Freitas, que investiga o caso na esfera cível.

A favela do Piolho fica próxima à avenida Roberto Marinho, no Campo Belo, zona sul da capital paulista, e ocupava uma área de 12 mil metros quadrados, dos quais 4,5 mil metros quadrados foram atingidos pelas chamas.

Freitas pediu informações à Prefeitura e ao governo do Estado sobre assistência às famílias do Piolho, mas, até ontem, elas ainda não haviam sido fornecidas, segundo a assessoria do MP.

Em entrevista recente ao UOL, o promotor de Urbanismo afirmara que "chamam atenção" o número e o tipo das ocorrências de incêndio em favelas na cidade --mais de 30, só este ano. O MP apura se os casos estão relacionados a eventual interesse do setor privado ou do setor público em construir nas áreas de entorno dessas comunidades.