No Piauí, detidos em hospital penitenciário sequer têm ficha criminal, diz CNJ
Sete internos do HPVA (Hospital Penitenciário Valter Alencar), localizado em Altos (39 km de Teresina) vivem há mais de duas décadas sem a perspectiva de ganhar a liberdade. O interno mais antigo ingressou na unidade prisional em 1991 e sequer tem ficha criminal ou processo cadastrado no TJ (Tribunal de Justiça) do Piauí.
De acordo com o relatório do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), realizado a partir de vistorias nas unidades prisionais do Estado, os sete presos não possuem condenações ou acusações dos crimes que teriam cometido.
“O relatório indica a permanência no local de vários presos provisórios submetidos a tratamentos psiquiátricos há vários anos, sem decisão judicial que determine sua situação de imputabilidade ou não”, afirmou o juiz Marcelo Menezes Loureiro, que coordenou o Mutirão Carcerário do CNJ no Piauí e visitou o HPVA.
Para o magistrado, a situação desses presos revela “um quadro dramático”, onde existem pessoas privadas da liberdade há anos aguardando uma decisão judicial, sem a perspectiva de sair do HPVA. “Dados processuais e a situação clínica ou de tratamento de saúde não estão disponíveis em rede compartilhada de informações disponíveis aos magistrados”, disse.
Alguns detentos são mantidos no local como “presos provisórios” --estão custodiados desde 1999 sem uma indicação de que estaria a ocorrer uma definição judicial sobre a sua situação processual.
Casos
É o caso de José Manoel de Oliveira, preso em 26 de agosto de 1991. Ele está internado no HPVA desde 15 de janeiro de 1992 e na ficha registra que a ação judicial a que foi submetido tem “última movimentação em 29/10/1993”.
O laudo médico sobre Oliveira traz informações de que ele tem condições de viver fora do hospital desde que frequentando regularmente centro de acompanhamento psicossocial.
O interno Manoel Messias Borges foi preso em 23 de julho de 1997 e está internado no HPVA desde 06 de junho de 2006. Também não há indicação sobre quando ele deve sair.
Segundo o CNJ, o laudo médico psiquiátrico emitido desde 18 de outubro de 2006 indica que ele “tem condições de conviver com familiares sob cuidados médicos ambulatoriais”, mas o interno permanece na unidade prisional sem explicações.
O preso Antonio José da Costa Rocha é outro exemplo de que a unidade informa como situação crítica. Mantido por determinação judicial na unidade desde 2009 e com registro de sua prisão datada de 1996, foi condenado a uma pena de 19 anos de prisão.
Ele não obteve progressão para regime mais brando e está com laudo médico indicando que seu tratamento deve ser ambulatorial, ou seja poderia estar fazendo tratamento no convívio da família.
Outro caso é do preso Jaime de Sousa Viana, que está há 16 anos internado no HPVA --ele teria transtornos mentais, mas sequer teve expedida uma guia de internação.
Também não há registro de processos contra ele. Sem receber visita de familiares desde a reclusão, Viana contou durante a vistoria do CNJ que foi preso acusado de homicídio na cidade de Piripiri (164 km de Teresina).
Os colegas dizem que ele matou a mãe, mas ele vive perguntando em dias de visita se a mãe dele está na triagem para entrar na unidade para visitá-lo.
Marcos Antonio Mendes da Silva Machado está preso entre os internos do HPVA que sofrem doenças psiquiátricas e são infectados pelo vírus da Aids.
Ele foi preso em flagrante acusado de furtar um litro de uísque e 12 maços de cigarro em 08/08/2012 e, desde então, por haver fraturado o pulso, permanece internado no mesmo espaço ocupado também por pacientes psiquiátricos, sejam estes presos provisórios ou decorrentes de medida de segurança judicial aplicada.
Sindicato
O presidente do Sinpoljuspi (Sindicato dos Sindicato dos Agentes Penitenciários e Servidores Administrativos das Secretarias da Justiça e de Segurança Pública do Estado do Piauí), Vilobaldo Carvalho, criticou a gestão do HPVA afirmando que a situação dos presos sem condenações também é de responsabilidade da administração da unidade prisional.
“Se existe preso sem ficha, com problemas de falta de informação de processos, a gestão deveria informar à Sejus [Secretaria de Justiça] para que fosse repassado o problema à Justiça para que o juiz tome conhecimento e as providencias cabíveis sejam aplicadas. O que não pode é deixar esses presos jogados no esquecimento, em condições totalmente antissociais, e ocupando vagas para outros novos internos”, disse Carvalho.
Hospital só no nome
Apesar de o HPVA ser classificado pela Sejus como “hospital”, o HPVA não é credenciado ao SUS porque o prédio não tem as condições de funcionar como hospital, nem também possui equipamentos necessários para ser um hospital credenciado ao SUS (Sistema Único de Saúde) e prestar serviço aos presos doentes.
Em espaços sinalizados como sala de parto, sala cirurgia, consultório médico e terapia ocupacional existem apenas entulhos. De acordo com o presidente do Sinpoljuspi, o único setor que funciona normalmente é o consultório odontológico, mas com problemas frequentes na estufa para esterilização do material usado nos presos.
“A situação é gravíssima porque não existe divisão de pessoas com transtornos mentais de outras que têm outras doenças como AIDS, tuberculose, hanseníase, etc. Essas pessoas com transtornos mentais não estão recebendo o tratamento psicossocial devido. Estão há mais de duas décadas sem que se o Estado tenha dado o devido tratamento”, disse o promotor de Justiça Elói Pereira.
Refeições são servidas em sacos plásticos em presídio do Piauí
Respostas
A Sejus do Piauí informou que produziu relatórios situacionais dos pacientes portadores de transtornos mentais nos anos de 2011 e 2012 e encaminhou os documentos ao TJPI.
Sobre à falta de medicamentos, a Sejus destacou que firmou parceria com a Secretaria Estadual de Saúde para dar assistência farmacêutica dos internos do sistema prisional do Estado. “Há dificuldades de natureza licitatória e nem sempre as empresas cumprem os prazos de entrega. Para sanar o problema, está sendo realizado um novo processo licitatório em caráter de urgência.”
Em relação ao HPVA não ter assistência do SUS, a Sejus disse que está providenciando o credenciamento, mas é necessário fazer algumas “adequações físicas e complementação da equipe de saúde”.
Já em relação o descontrole dos presos no semiaberto na penitenciária de Parnaíba, a Sejus informou que “os problemas acima apontados resultam de decisões judiciais, como a expedição de salvo condutos”.
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