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Nova ciclovia cria 'remendos' em rua movimentada na zona sul de SP

Mesmo com ciclovia, ponto de táxi em rua da zona sul de São Paulo ainda funciona - Reinaldo Canato/UOL
Mesmo com ciclovia, ponto de táxi em rua da zona sul de São Paulo ainda funciona Imagem: Reinaldo Canato/UOL

Nathan Lopes

Do UOL, em São Paulo

19/11/2014 10h35

A mais nova ciclovia de São Paulo, instalada na rua Madre Cabrini, na Vila Mariana, zona sul da capital paulista, tem um ponto de táxi à disposição. Sem aviso prévio aos taxistas, a faixa de rolamento próxima ao ponto, que fica na altura do número 450 da via, amanheceu pintada de vermelho há cerca de um mês. “Não teve diálogo. A ciclovia não atrapalharia a gente, mas ninguém foi consultado em nada”, diz o taxista Oracides Galdino, coordenador do ponto, que reclama da solução criada após a instalação da via para bicicletas.

Apesar de a ciclovia ter entrado em operação oficialmente na última segunda-feira (17), o ponto ainda existe e, para que os taxistas continuassem trabalhando, ele ganhou um prolongamento a cerca de 50 metros da parada original. Galdino e seus colegas não gostaram do local para onde foram transferidos. Para os taxistas, a nova parada fica distante do hospital Albert Einstein, de onde vinha a maioria de seus clientes. “Lá não é interessante. A gente pegava muitos idosos que saíam do hospital”, diz o taxista Miguel Teles, que trabalha no ponto há 15 anos.

Os taxistas estimam que o novo posicionamento na rua fez a quantidade de corridas cair cerca de 20% nos últimos dias. “Você precisa ouvir as partes interessadas do local, todos do entorno devem ser ouvidos, senão gera conflitos, cria uma resistência às faixas para bicicletas”, observa o pesquisador de mobilidade urbana e professor do Mackenzie Luiz Vicente de Mello Filho.

Para resolver o problema do "ponto fantasma", os próprios taxistas conversaram com o secretário de Transportes da capital, Jilmar Tatto, que, segundo eles, usa a ciclovia diariamente. “A gente o viu passando e falou que só precisava colocar o ponto do outro lado da rua. Ele concordou e disse que ia resolver”, disse Galdino. A assessoria do secretário não retornou os contatos para confirmar a informação. A CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) diz que recebeu uma solicitação para adequação do ponto sem informar sobre prazos.

Mas não são apenas os taxistas que estão aprendendo a conviver com as novas características da rua. Além de ser um dos acessos do hospital, a Madre Cabrini conta com a movimentação de três colégios e uma universidade e está próxima à saída da estação Vila Mariana, da Linha 1-Azul do Metrô. Só as instituições de ensino administram a entrada e a saída de cerca de 5.000 alunos.

Comunicado

A instalação das ciclovias chegou a ser avisada para colégios da região, porém não houve discussão sobre os efeitos da implementação, afirma a diretora do colégio Madre Cabrini, Neusa Rosa. “No meio da conversa, eles [engenheiros da CET] abriram o projeto e disseram que iriam implantar”, relembra. “O colégio apoia as ciclovias e ciclofaixas, mas, na nossa região, nem fomos consultados, diferentemente do que aconteceu em outras.”

Faixa azul, projeto-piloto da CET na zona sul de São Paulo - Isabella Sprovieri/Colégio Madre Cabrini/Divulgação - Isabella Sprovieri/Colégio Madre Cabrini/Divulgação
Após informar implantação de ciclovia, CET apresentou projeto-piloto para entrada e saída de alunos em escola
Imagem: Isabella Sprovieri/Colégio Madre Cabrini/Divulgação
Na conversa com os agentes, a diretora avisou os engenheiros de que, com a ciclofaixa, os alunos não teriam onde desembarcar de carros e vans. Dias depois, após estudar o caso, a companhia criou um projeto-piloto para a escola: uma faixa azul entre a ciclofaixa e a faixa de rolamento.

Segundo a diretora, a CET explicou que esse espaço serve para o desembarque e o embarque dos alunos. “Antes, a gente colocava o aluno dentro do carro. Agora, não dá mais para fazer isso. O aluno, quando vê o pai, já vai correndo para o carro, não liga para a ciclovia, que, em dias de chuva, fica com o piso escorregadio.”

Em nota ao UOL, a companhia informou que “a sinalização foi adequada para a operação de embarque e desembarque com a implantação de área de segurança para os alunos, o que permitiu a passagem da ciclovia junto ao passeio”. Para o especialista do Mackenzie, a medida da companhia “prejudica o ciclista e as pessoas que frequentam a região”. “Você cria interferência e gera acidentes”, analisa.

Com muitas instituições de ensino na rua, o trânsito ficou ainda mais travado na região, já que os motoristas ficam apenas com uma faixa de rolamento para trafegar. O motorista que consegue passar pelo Madre Cabrini vê o fluxo ser interrompido novamente poucos metros adiante pela saída dos alunos de outro colégio, o Peretz. E a cena se repete quando se passa por Poliedro, UniPaulistana e unidades da Cultura Inglesa.

Para que a situação da ciclofaixa na Madre Cabrini seja avaliada, Rosa diz ter entrado com uma representação na Câmara Municipal. “O que nos preocupa foi a escolha dessa rua”.
A diretora espera que, na região, aconteça o mesmo que se passou em Higienópolis. Após pressão dos comerciantes locais, a ciclovia da região foi apagada pela CET, que estuda um novo traçado para uso das bicicletas.

Nesta semana, a cidade de São Paulo chegou à marca de 180 quilômetros de ciclovias inauguradas justamente com o novo trecho da Madre Cabrini. A meta da prefeitura de São Paulo é chegar a 400 quilômetros até o final de 2015.

O pesquisador Mello vê na busca da administração municipal por atingir esse número a razão para os pontos de discórdia com regiões que recebem ciclovias. “As cidades desenvolvidas estão com 300, 400 quilômetros, mas esse é apenas um número”, analisa o professor do Mackenzie. “Acaba sendo incoerente implantar ciclovias nessa velocidade só para alcançá-lo”.

Corrida

Taxistas precisam correr 50 metros para atender telefone do 'ponto fantasma' - Reinaldo Canato/UOL - Reinaldo Canato/UOL
Taxistas precisam correr 50 metros para atender telefone do 'ponto fantasma'
Imagem: Reinaldo Canato/UOL
Enquanto aguardam um posicionamento da CET e da prefeitura sobre suas reclamações, os frequentadores da Madre Cabrini vão se adaptando como podem ao novo cenário. Os taxistas, por exemplo, agora correm 50 metros toda vez que o telefone toca porque é no ponto antigo que a linha telefônica continua instalada.

A CET disse ao UOL, por meio de nota, que a mudança do ponto foi autorizada pelo DTP (Departamento de Transportes Públicos), mas não informou se a solicitação para adequação da parada será atendida. A situação da ponto de táxi é criticada por Mello. “Quando se cria uma ciclovia, já precisa ter alternativas concretas, uma solução”, diz o pesquisador de mobilidade urbana.

A falta de discussão também é um ponto central na questão da implantação da ciclovia na Madre Cabrini. “Não somos contra, mas ela tem que ser bem aplicada. A indignação foi que não houve um diálogo anterior com a comunidade”, comenta Rosa, do colégio Madre Cabrini. Na tarde de terça (18), a reportagem do UOL viu moradores abordando agentes da CET em busca de informações sobre como passaria a funcionar o trânsito local com as mudanças.

Mello lembra que, quando as ciclovias foram instaladas em Nova York, nos Estados Unidos, “as partes interessadas foram extensivamente ouvidas”. “Isso dá uma adesão às ciclofaixas. Será que não vale a pena conversar antes?”, pontua o professor do Mackenzie.