Sucateado, órgão federal contra seca gasta só 22% de orçamento com obras
Criado há mais de um século para atuar no combate aos efeitos de estiagens no Nordeste e norte de Minas Gerais, o Dnocs (Departamento Nacional de Obras Contras as Secas) deixou de ser referência em investimentos hídricos e vive hoje com orçamento capaz apenas de pagar o custeio e a gigantesca folha de pagamento de inativos. Prova disso é que os recursos para obras em 2014 foram de apenas 22% do orçamento da estatal.
O Dnocs é um dos órgãos federais mais antigos no Brasil: foi criado em 1909 e tem sede em Fortaleza, no Ceará.
No século passado, foi a grande referência em obras de combate aos efeitos da seca. "Não existe um só nordestino que não conheça obras feitas pelo Dnocs", disse Evandro Bezerra, aposentado e um dos defensores do órgão.
Mas sem renovação de quadro desde 1967 --quando houve o último concurso--, o órgão viu seus funcionários saindo e hoje gasta metade do seu orçamento somente com o pagamento dos 11.500 aposentados e pensionistas.
Orçamento menor
Segundo o Portal da Transparência, em 2014 o órgão teve orçamento de 1,03 bilhão. Desse total, apenas R$ 222 milhões foram gastos obras. Já o pagamento de pessoal inativo consumiu R$ 491 milhões. A folha de ativos ficou em seus R$ 150 milhões. Também custeia 54 perímetros irrigados no semiárido, que garantem a produção agrícola mesmo em época de seca.
Além de gastar muito com os inativos, o departamento não contratou profissionais de reposição e se mantém hoje com 1.500 pessoas, o que dificulta tocar projetos em grande escala.
Sem pessoal, o orçamento da estatal vem ficando congelado, mesmo com o Nordeste enfrentando a pior seca em 50 anos. Em 2014, o órgão gastou R$ 100 milhões a menos que no ano anterior. Em 2009, o Dnocs teve um orçamento de R$ 1,07, maior o do ano passado, mesmo sem descontar a inflação do período.
Quadro envelhecido
Segundo o presidente do Dnocs, Walter Gomes de Sousa, além de um quadro de funcionários pequeno, a maioria que atua já tem mais de 60 anos e está prestes a se aposentar.
“Em 2019, vamos perder metade desses funcionários. Estamos esperando que saia um concurso neste ano, estamos com o processo já tramitando. Isso é urgente, a tempo de que as pessoas mais velhas possam passar a experiência para os mais novos”, afirmou Sousa, que chefia o Dnocs há sete meses.
Com pouca gente e pouco recurso, o órgão deve ser responsável apenas por duas obras de grande porte em 2014: as barragens de Fronteiras (CE) e Congonhas (MG).
“O dinheiro que recebemos é realmente pouco. Precisaríamos de muito mais recursos. Se não fosse a dedicação dos que aqui estão, o departamento já tinha fechado as portas. Mas acredito que alguma coisa surja este ano, caso se confirme a seca desenhada”, disse.
Denuncia de sucateamento
Para o diretor administrativo da Associação de Funcionários do Dnocs, Clésio Jean Saraiva, o sucateamento do órgão é denunciado há anos pelos servidores que ainda estão no órgão.
"Há quase 50 anos não tem concurso para cá, não temos mais como tocar projetos, como antes. Há três anos, o Ministério do Planejamento fez um para ele e enviou 80 servidores, mas que estão saindo. São jovens quem passam em outros concursos. O Dnocs já foi uma universidade do sertão, e hoje está acabado. Dá pena”, disse.
Diante de um cenário de dificuldade, Saraiva lamentou não ter ajudado mais o Nordeste a conviver de forma melhor com a seca que castiga a região desde de 2012.
“O Dnocs poderia ter ajudado muito mais. E olhe que ainda ajudamos, porque fizemos obras seculares, como a barragem de Castanhão, que faz com Fortaleza não tenha problema hídrico. Mas cadê as novas obras? Temos condição de fazer obras no vazio hídrico no Nordeste todo. O órgão revigorado é uma garantia de água para todos, mas precisa investir”, disse.
Segundo o Ministério da Integração Nacional, a possibilidade de concurso público para o Dnocs ainda está em processo de discussão no governo federal.
Sobre o baixo volume de investimentos, o ministério disse que as obras sob responsabilidade do órgão têm recursos disponibilizados conforme a execução.
"As inciativas do Dnocs representam uma das frentes do Ministério da Integração Nacional para obras e ações de combate à seca", informou, citando ainda que outros órgãos do governo também têm programas na linha de atuação de combate aos efeitos da seca.
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