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"Eu desisti do Rio": preços surreais levam moradores a deixarem a cidade

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

28/02/2015 06h00

No período mais recente de seus 450 anos, o Rio de Janeiro vem assustando seus moradores com preços muito acima do normal. Na terra do "Rio surreal" --como sugere o nome de uma página criada nas redes sociais para satirizar a onda inflacionária--, o valor do aluguel subiu 140% nos últimos sete anos, de acordo com o índice FipeZap. O metro quadrado é o mais caro do país: R$ 10.617, em média. Em São Paulo, o preço do m² é de R$ 8.446.

O custo alto vai além da moradia: atividades como comer fora, sair à noite e ir à praia também pesam no bolso. Segundo a última pesquisa da plataforma colaborativa Expatistan, divulgada há dois meses, a capital fluminense é a cidade mais cara do país para se viver. O ranking é feito a partir de seis categorias: moradia, alimentação, transporte, cuidados pessoais, vestuário e entretenimento.

O cenário de preços exorbitantes e aperto financeiro já fez com que algumas pessoas desistissem de morar na cidade. É o caso do escritor carioca Victor Heringer, que se mudou para São Paulo, em 2013, e da atriz paulista Priscila Ferracciú, que morou um ano no Rio, entre 2011 e 2012, mas acabou voltando para a casa dos pais, em Piracicaba (SP).

Victor Heringer - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Segundo Victor Heringer, o alto custo de vida torna o Rio uma cidade inviável para se morar
Imagem: Reprodução/Facebook

Ao UOL, ambos afirmaram que deixaram o Rio de Janeiro porque não tinham mais condições de se manter. "Só tenho dois olhos na cara e viver no Rio em média custa uns cinco ou seis", disse Heringer. "Todas as minhas amigas que eu tinha no Rio, na época, estavam voltando para a casa dos pais porque o Rio ficou muito caro. Eu não achava um apartamento que eu pudesse pagar. Isso foi me desanimando", relatou Priscila.

Heringer, 26, nasceu no Rio Comprido, bairro da zona norte do Rio, mas morou no Flamengo, na zona sul, antes de se mudar para São Paulo. O jovem escritor afirmou ter planos de voltar à capital fluminense, mas não agora. O motivo? Segundo ele, o preço do aluguel e as limitações do mercado editorial na cidade. "Cidades mais caras do mundo raramente têm espaço para escritores, que, em geral, são seres economicamente inviáveis", declarou.

"Nunca cogitei a possibilidade de não voltar ao Rio, então é mera questão de tempo. Mas seria muito bom se a cidade não virasse um parque temático para turistas e que as tradições cariocas, como a rua, a festa, o afeto e a troca, fossem minimamente respeitadas", completou.

O carioca disse ainda sentir falta da boemia da praça São Salvador, ponto de encontro de jovens localizado no bairro de Laranjeiras, zona sul da cidade. "A pracinha, como a chamamos, é o lugar onde os artistas da cidade costumam se encontrar. (...) Sinto falta da troca com os artistas da cidade, uma relação mais afetiva do que aqui em São Paulo, por exemplo, onde até mesmo os artistas são profissionais", afirmou.

Priscila Ferracciú - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Priscila Ferracciú alimenta o sonho de voltar a morar no Rio de Janeiro
Imagem: Reprodução/Facebook

Já Priscila, 31, chegou ao Rio em 2011 para estudar na famosa escola de teatro CAL (Casa das Artes de Laranjeiras), à época com 28 anos. Um ano depois, o sonho de morar na cidade terminou para ela, pois o salário que ganhava com pequenos trabalhos no teatro não eram suficientes para pagar todas as contas, principalmente o aluguel de um apartamento em Copacabana, na zona sul.

"Meu sonho era morar no Rio, um lugar que eu amo, mas que tem um custo de vida realmente alto. Na época, eu coloquei as coisas na balança e vi que estava vivendo um mundo de ilusão. Optei, até pela idade, por voltar a Piracicaba e desistir da carreira de atriz", relatou a jovem paulista.

Atualmente, Priscila está desempregada, mas tem planos de, ainda em 2015, fazer um curso de guia de turismo para que, futuramente, possa voltar ao Rio de Janeiro e trabalhar na área. "Sinto muita falta do Rio e é lá que eu quero morar. Vale a pena morar no Rio mesmo com todas as dificuldades. É o meu grande sonho no momento", declarou.

Crônicas de uma despedida

No dia 5 de janeiro, o escritor João Paulo Cuenca escreveu na Folha de S.Paulo sobre a sua recente mudança para a capital paulista. Em sua coluna, Cuenca fez críticas aos governos municipal e estadual e explicou os motivos pelos quais deixou o Rio de Janeiro: "Venho a São Paulo em busca de oxigênio. Não é o paraíso, mas ao menos é um novo purgatório". Para o colunista, a postura equivocada e a corrupção entranhada no poder público selam para o Rio um "destino melancólico para um lugar que poderia ser a capital cultural do Brasil e do hemisfério sul do planeta".

Segundo Cuenca, o alto custo de vida na capital fluminense está relacionado com a política de "transformar todos os habitantes da cidade em turistas, priorizando a grana e o lobby de projetos marqueteiros e excludentes". "Esse é o principal problema em nascer num cartão-postal careado: acaba-se pagando muito caro, e todos os dias, por algo que não corresponde à fotografia", escreveu ele.

Em fevereiro do ano passado, a também escritora Alexandra Lucas Coelho relatou a sua despedida do Rio em artigo publicado no jornal "O Globo". A jornalista e cronista portuguesa, correspondente do jornal "Público", explicou a sua decisão de forma objetiva: "Eu não tenho dinheiro para um apartamento no Rio agora, ou para ter esse dinheiro teria de passar todo o tempo a tentar arrumá-lo, e não quero morar numa cidade em que todo o tempo seja gasto tentando arrumar dinheiro para morar lá."