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Moradores atingidos pelo açude Aracoiaba (CE) também relatam problemas

"A indenização foi muito injusta para as famílias, foi pago R$ 5.000 por casa", afirma Vanderléia Aparecida Maciel da Costa (à esquerda), ao lado da mãe - Ciro Barros/Agência Pública
"A indenização foi muito injusta para as famílias, foi pago R$ 5.000 por casa", afirma Vanderléia Aparecida Maciel da Costa (à esquerda), ao lado da mãe Imagem: Ciro Barros/Agência Pública

Ciro Barros e Giulia Afiune

Da Agência Pública

17/04/2015 06h00

Prosseguindo a viagem pelo sertão do Ceará, constata-se que o caso de Gameleira não é tão “atípico” como disse o ex-funcionário. Os moradores atingidos pelo açude Aracoiaba, cerca de 200 km de Itapipoca, também não foram protegidos pelas salvaguardas do Banco Mundial.

Indenizações baixas, agrovilas incompletas, falta de diálogo eficiente com o poder público: o enredo é o mesmo. E esse açude foi concluído bem antes de Gameleira, em dezembro de 2002, durante a primeira etapa do PROGERIRH (Projeto de Gerenciamento Integrado de Recursos Hídricos do Estado do Ceará), ao custo de cerca de R$ 14 milhões. Ali foram atingidas 608 famílias – 333 moravam no local e perderam todas as suas terras ou parte delas, segundo dados da própria SRH (Secretaria de Recursos Humanos).

A família da agricultora Vanderléia Aparecida Maciel da Costa vivia havia três gerações em um lugar que desapareceu embaixo das águas do açude. “O açude mudou tudo”, lembra. “A indenização foi muito injusta pras famílias, foi pago R$ 5.000 por casa. A casa que a gente construiu depois a gente não conseguiu fazer com esse dinheiro, tivemos que nos desfazer de terras, pés de fruteiras, gado, porque com R$ 5.000 você não faz uma casa.” Os reassentados passaram também por um período de privação de água.

“Eles diziam que o projeto da barragem, do açude Aracoiaba, era para a acumulação de água pra população mesmo. Mas nós passamos cinco anos sem ter essa água na nossa casa. Era só com jumento, carro de mão, para ir buscar onde desse”, conta.

Mas, se as carências desse reassentamento não serviram de alerta nem ao Banco Mundial nem ao governo do Ceará, a mobilização dos assentados de Aracoiaba – amparados pelo Movimento de Atingidos por Barragem (MAB), uma articulação nacional entre as comunidades afetadas – serve de exemplo para os assentados de Gameleira.

Em 2004, após uma marcha de 100 km e uma semana de duração entre a cidade vizinha, Baturité, e a capital Fortaleza, os moradores atingidos pelo açude Aracoiaba começaram a ver suas reivindicações atendidas.

“A partir daí as coisas começaram a andar: saiu a água que a gente não tinha antes, cestas básicas, projetos produtivos para as famílias, como o Projeto São José [que também conta com financiamento do Banco Mundial]… A gente só não esperava que ia ter que lutar tanto pra conseguir as coisas. Eles disseram que iam dar tudo que a gente tinha antes, mas não foi isso que aconteceu durante um bom tempo”, conta Vanderléia.

“Nós só conseguimos os nossos direitos pela luta. Se não fosse a luta, acho que a gente estaria como era no começo. E tem famílias que até hoje lutam na Justiça para receber indenização”, diz.

“Durante um bom tempo, aqui só vinha água de um açude particular de um fazendeiro aqui de cima da agrovila. E a água que vinha para a gente era muito pouca por dia: 300 litros d’água. Era muito pouco. A minha mulher passava dias e dias sem lavar roupa porque não tinha como”, lembra o agricultor aposentado Antônio Pereira de Abreu, 65, ex-presidente da Isca do açude Aracoiaba.

Ele conta que chegou a fazer um “gato” para trazer água até as casas dos moradores. Hoje, porém, as casas da agrovila estão ligadas à rede da Companhia de Água e Esgoto do Estado do Ceará (Cagece), garantindo o abastecimento da comunidade.

Alguns problemas semelhantes aos enfrentados pelos assentados de Gameleira, porém, ainda persistem na comunidade de Aracoiaba. “Aqui já tá com 14 anos que a gente não tem documentação das nossas terras. A gente estando com isso em mãos, a gente pode ter a segurança que é da gente. Ainda hoje a gente espera por isso e não tem”, explica o aposentado.