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Homem que furtou para comer pode ser absolvido; entenda o "furto famélico"

Jéssica Nascimento

Do UOL, em Brasília

15/05/2015 12h51

O eletricista Mário Ferreira Lima, 47 anos, pode ser absolvido do crime que cometeu na última quarta-feira (13), segundo especialistas ouvidos pelo UOL. Ele furtou dois quilos de carne em um supermercado localizado em Santa Maria (DF) e teve a fiança paga por policiais civis. O delito pode ser considerado "furto famélico", quando a subtração é feita para garantir necessidades vitais e urgentes, muitas vezes de ordem fisiológica, como a fome.

O "furto famélico" não é uma lei em si. Porém, dependendo do crime, o réu pode ser beneficiado com a chamada "exclusão de ilicitude", encontrada nos artigos 23 e 24 do Código Penal . Atos como estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular de direito se enquadram nestes casos.

A advogada criminal Suelen de Souza explica que o ato de furtar constitui crime sujeito a punição. Entretanto, caso o autor alegue que tenha cometido o crime para apenas saciar sua fome e da família, a violação da lei pode ser justificada perante ao juiz.

"Primeiramente deve ser observado que o furto famélico não deve ser confundido com roubo ou assalto, pois não há grave ameaça e o valor do alimento furtado foi pequeno. Utilizando essas premissas, o réu pode ser beneficiado com a excludente de ilicitude, ou seja, a desconsideração do crime", explica o advogado Degir Miranda.

Os dois especialistas acreditam que Ferreira Lima possa ser absolvido. "Creio que o juiz extinguirá o processo de Mário. Ele não dispunha de recursos econômicos para comprar a carne e furtou por extrema necessidade, para se manter vivo. O crime não foi cometido para conseguir algum lucro", explica Souza.

Para Miranda, o caso do eletricista atende a todos os requisitos para ser considerado furto famélico. "Ele quis apenas comer e alimentar o filho. Seu real estado de necessidade foi comprovado pelas testemunhas e pela imprensa."

Casos de furto famélico não são novidade no DF

Em julho de 2011, uma mulher furtou da casa do irmão R$ 230 que estavam dentro de um cofre em forma de porco. Após o roubo, a mulher levou o cofre até a sua residência, retirou o dinheiro por meio de uma das patas do porquinho que havia sido quebrada e, em seguida, a colou. Após a reparação do objeto, devolveu o objeto à casa do irmão.

O caso foi considerado furto famélico, pois ela estava desempregada e tinha cinco filhos. Em seu depoimento, ela alegou que, se quisesse levar todo o dinheiro, teria desaparecido com o cofre, mas apenas queria uma quantia para alimentar os filhos.

O irmão da ré, vítima do furto, confirmou que ela realmente não estava trabalhando e que os seus filhos passavam necessidade.

Já em abril de 2009, dois homens roubaram de um supermercado em Samambaia (DF) duas peças de carne, totalizando aproximadamente 15 quilos de carne bovina. Ambos foram presos em flagrante.

No processo, o desembargador Edson Alfredo Smaniotto relatou que um dos réus se encontrava em estado de necessidade, sem trabalhar e com três filhos. "Em seu interrogatório, o réu ainda confirmou que não tinha dinheiro para pagar carne. Neste contexto, vê-se que os objetos subtraídos tinham por fim a satisfação da privação inadiável e que padecia o réu e seus dependentes."