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Conheça a cidade no Rio onde a água é de graça há 26 anos

Paula Bianchi

Do UOL, no Rio

22/05/2015 06h00

Às margens do rio Paraíba do Sul e vizinha à Serra da Mantiqueira, na região serrana fluminense, a pequena Itatiaia e seus cerca de 30 mil moradores vivem uma situação única: enquanto São Paulo, Rio de Janeiro e outras cidades da região Sudeste sofrem com a crise hídrica, lá a água não apenas é abundante como gratuita.

O município é abastecido por diversos rios e nascentes localizados, em sua maioria, no Parque Nacional do Itatiaia e, desde a sua emancipação, em 1989, aboliu os hidrômetros. A água, distribuída pela prefeitura, recebe apenas cloro antes de chegar até a torneira dos moradores.

Pela cidade é comum cruzar com cenas de desperdício: moradores lavando a calçada com mangueiras, lava-rápidos despreocupados em economizar e até uma fonte instalada dentro de uma farmácia.

“Está é uma má tradição aqui em Itatiaia. Água é um serviço e deve ser cobrado”, admite o secretário de Planejamento da cidade, Ruy Saldanha. “Por ser uma água de alta qualidade, ela tem só uma cloração e, quando muito, uma filtração. Vem tudo por gravidade, o custeio e manutenção do sistema é muito baixo. Por sempre dizerem que a água de Itatiaia vinha da serra, era boa, não precisava de tratamento, não precisava ser cobrada, a população colocou isso na cabeça.”

Sem hidrômetros, a prefeitura não sabe estimar o quanto cada morador consome. Segundo Saldanha, está prevista a construção de uma nova estação de tratamento de água e efluentes, além de um projeto para educar os moradores sobre a necessidade de um consumo consciente, para então se iniciar algum tipo de cobrança, ainda que simbólica.

A medida divide os moradores. Enquanto alguns se dizem satisfeitos com o abastecimento e a gratuidade, muitos levantam dúvidas sobre a qualidade da água. “Não pagar é bom, mas deveria ter uma taxa para que pudéssemos cobrar. Ter uma água boa, de qualidade. A cidade cresceu, tem que ter tratamento”, afirma Ana Lúcia Leite Lemos, dona de autoescola no centro do município. Segundo ela, muitos vizinhos reclamam de doenças referentes à má qualidade da água.

Nelson dos Santos, que trabalha em um açougue, se recusa a beber a água que vem da torneira e não a usa nem para limpar a casa. “A água daqui é mal tratada, suja. Todo mês tem que limpar a caixa, tem barro, folha. Para mim, não serve. Prefiro usar a de uma mina d'água que tenho em casa.”

Já João Paulo de Oliveira, 79, que lutou pelo estabelecimento da gratuidade e que se orgulha de ostentar, no centro de sua farmácia, uma fonte que jorra água ininterruptamente há 22 anos, defende o sistema. Ele lembra que, antes da emancipação, “pagava-se mais de água do que de luz”. “A população não paga água há 25 anos, você coloca isso na ponta do lápis... A água aqui é a melhor água do Estado do Rio de Janeiro. É pura, vem do Pico das Agulhas Negras”, diz.

Apesar de a cidade não depender do Paraíba do Sul, que vive a pior seca de sua história, em tese, a água desperdiçada deixa de ir para o sistema, uma vez que parte das nascentes que abastecem Itatiaia desembocam no rio. “Mesmo nesses tempos de crise, esses municípios não mudaram. Nenhum prefeito quer ser lembrado como o prefeito que passou a cobrar a água, e isso precisa mudar”, afirma Vera Teixeira, vice-presidente do Ceivap (Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Paraíba do Sul), ao citar também Valência e Porto Real, onde é cobrada apenas uma taxa fixa pelo serviço. 

Por enquanto, apenas Penedo, bairro turístico de Itatiaia, sofre com a falta de água. Nas últimas décadas, o distrito viu uma grande quantidade de hotéis, pousadas e restaurantes surgirem, e o sistema, que em mais de 50 anos teve poucos reparos, não acompanhou o crescimento da região. “O sistema é antigo e não consegue atender a todos adequadamente no bairro, há muitas perdas e muitas pousadas que captam água irregularmente”, diz Saldanha. "Você não pode cobrar uma coisa que você não faz adequadamente."