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Moradora "antiga", mãe de jovem morto no Rio desconhecia medo em favela

Maria Aparecida mostra a carteira de trabalho do filho. O jovem havia começado em um emprego novo há 17 dias e sonhava em quitar suas dívidas - Hanrrikson de Andrade/UOL
Maria Aparecida mostra a carteira de trabalho do filho. O jovem havia começado em um emprego novo há 17 dias e sonhava em quitar suas dívidas Imagem: Hanrrikson de Andrade/UOL

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

22/05/2015 16h43

A cuidadora de idosos Maria Aparecida Jesus de Mello, mãe do carregador Wanderson Jesus Martins, 24, um dos dois mortos em uma operação policial no Dendê, na Ilha do Governador (RJ), na terça-feira (19), afirmou que desconhecia o sentimento de insegurança na favela, principalmente por ser uma "moradora antiga".

Maria Aparecida esteve nesta sexta-feira (22) na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro), no centro da capital fluminense, onde foi recebida pela Comissão de Direitos Humanos da Casa. A mãe do jovem morto no Dendê disse que a vida na favela era "tranquila", pois estava em um local onde "todo mundo se conhecia".

"A gente sempre comenta em casa sobre o que está acontecendo. Mas eu sou nascida e criada lá, há 42 anos, e não imaginava que isso aconteceria logo com o meu filho", declarou. "A gente conhece todo mundo na comunidade. É um lugar onde ninguém mexe com ninguém."

O filho de Maria Aparecida morreu depois de ser baleado em uma ação da Coinpol (Corregedoria da Polícia Civil), que esteve na última terça em quatro favelas da Ilha do Governador. Durante a operação, o estudante Gilson da Silva dos Santos, 13, também foi morto. Ele foi atingido quando se dirigia à padaria para comprar pão.

A mãe do adolescente, Eliane da Silva Simplício, também esteve na Alerj nesta sexta. Segundo ela, Gilson era um "menino brincalhão", que sonhava em conhecer os Estados Unidos. "Ele falava: 'Mãe, quero conhecer os Estados Unidos quando eu crescer'. Esse era o sonho dele", disse. Eliane declarou ainda só ter descoberto o quanto filho "era querido pelos amigos" no dia do enterro. "Todo mundo gostava dele, mas eu não tinha ideia de que ele era tão querido. Teve gente que alugou ônibus para formar grupos", lembrou.

Na quarta-feira (20), em depoimento à DH (Divisão de Homicídios da Polícia Civil), um agente da Coinpol --cuja identidade não foi divulgada-- afirmou ter sido ele o autor dos disparos que mataram os dois. De acordo com a investigação, as vítimas ainda tentaram se esconder em uma casa para fugir do tiroteio. O policial relatou ainda ter encontrado uma pistola com Wanderson, o que é negado pela família.

"Tinha 17 dias que meu filho trabalhava como carregador de combustíveis. A maior preocupação dele era juntar dinheiro para pagar as dívidas que ele tinha acumulado. Eu tenho aqui a carteira de trabalho dele com todas as anotações", afirmou a mãe. "Ele sempre foi um trabalhador. Com 11 anos, ele já estava no mar pescando para ajudar em casa."

Maria Aparecida contou que o sonho do filho era trabalhar como pedreiro e "construir a própria casa". "Ele chegou a trabalhar como ajudante de pedreiro, mas o sonho dele mesmo era ser pedreiro e construir a própria casa para ele e para o filho. Ele queria dar uma vida digna ao filho", disse. Segundo ela, o neto, um menino de quatro anos, ainda não compreende bem a morte do pai. "Na escola, ele perguntou e responderam que o pai 'estava com papai do céu'. Se ele perguntar pra gente, vamos responder que o Wanderson está sentado do lado direito de Deus", afirmou.

Silêncio

Além da Comissão de Direitos Humanos da Alerj, as famílias de Wanderson e Gilson receberão assistência psicológica da Secretaria de Estado de Direitos Humanos e apoio jurídico da Defensoria Pública do Estado. Segundo Maria Aparecida, até o momento, não houve um pedido de desculpas formal ou um posicionamento oficial por parte do governador do Estado, Luiz Fernando Pezão (PMDB).

Na mesma terça-feira, do outro lado da cidade, o médico e ciclista Jaime Gold, 56, foi assassinado a golpes de faca por dois ladrões, na Lagoa Rodrigo de Freitas, bairro nobre da zona sul. No dia seguinte, Pezão publicou uma mensagem em sua página no Facebook lamentando o caso. "É lamentável o que aconteceu com o ciclista na ‎Lagoa. Sentimos cada morte, cada bala perdida em qualquer lugar do nosso Estado", escreveu.

Maria Aparecida afirmou ao UOL que quer que o Estado seja responsabilizado. "Eu espero ter uma resposta definitiva para a morte dele. Que eles [a polícia e o Estado] possam resolver isso da forma mais rápida possível, pois o sofrimento é grande."

Na próxima quarta-feira (27), segundo o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alerj, Marcelo Freixo (PSOL), as duas famílias terão uma reunião com o delegado titular da Divisão de Homicídios, Rivaldo Barbosa, sobre o andamento das investigações. As testemunhas do caso já foram ouvidas. A DH fará, em data ainda não definida, a reconstituição das duas mortes.