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É preciso cumprir o ECA antes de querer mudá-lo, diz coordenador do Unicef

Carlos Madeiro

Do UOL, em Maceió

13/07/2015 11h30Atualizada em 13/07/2015 19h04

Participante da discussão que levou à criação do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), o coordenador do programa de cidadania dos adolescentes do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) no Brasil, Mario Volpi, afirma que muitos avanços foram conquistados nos últimos 25 anos, mas é preciso evitar mudanças como a ampliação no tempo internação de jovens, como está sendo debatido no Senado.

Em entrevista ao UOL, ele diz que a “demagogia política” leva a sociedade a discutir o jovem infrator pela ótica da punição, sem levar em conta que várias das medidas socioeducativas previstas no ECA não são aplicadas, como a garantia do estudo aos menores internos. “Como reavaliar antes de fazê-lo cumprir? Temos o desafio de cumprir o que está previsto”, afirma.

Para ele, o estatuto que completa 25 anos nesta segunda-feira (13) trouxe uma série de melhorias à vida das crianças e adolescentes, mas é preciso encarar o desafio da desigualdade social, da evasão escolar de adolescentes e da matança de jovens.

Veja os principais tópicos da entrevista:

A afirmação do ECA em 25 anos

“Hoje, o Brasil é um lugar melhor para uma criança viver. O ECA começou um processo de estabelecer campanhas de saúde, do soro caseiro, da vacinação infantil, que resultaram na redução da mortalidade infantil. O segundo direito está relacionado à educação. Antes, crianças não tinham direito a frequentar uma escola perto de sua casa -- o ECA regulamentou isso. Antes dele, menos de 80% estavam no ensino fundamental, e 97,5% estão hoje. Outro avanço foi a gratuidade certidão de nascimento. Havia mais de 25% das crianças sem certidão, e o ECA definiu a gratuidade da primeira via independentemente da condição, e hoje temos índice de 5%. São exemplos bem claros de que se criou um mecanismo que deu à sociedade um instrumento concreto para demandar seus direitos.”

Três desafios atuais

"O primeiro são as mortes [de jovens]. Nós tínhamos, em 1990, 5.000 assassinatos por ano, hoje são mais de 10 mil por ano. Os governos não desenvolveram nenhum programa. Muito recentemente, foi criado o programa 'Juventude Viva', mas é de pequeno alcance. O segundo ponto é quando você desagrega os dados e olha as crianças indígenas, por exemplo, elas têm duas vezes mais possibilidade de morrer antes de completar um ano. Tem uma população que precisa receber uma atenção especial, de pessoas negras e pobres. E terceiro é o da exclusão no ensino médio. Quase 16,8% dos adolescentes entre 15 e 17 anos estão fora da escola. Como quase 100% está no ensino fundamental, mostra que o Estado mantém a pessoa estudando por um período, mas nada garante que ela progrida e conclua."

Unidades socioeducativas ineficazes

"É preciso rever o conjunto das medidas tomadas para que o regime socioeducativo cumpra o principal papel, que é o de interromper o jovem de praticar o delito. A sociedade pensa muito em medida punitiva, tem uma compreensão de que o que motiva crimes é a certeza de pouca punição. Mas tem outro fator, que é de oportunidade que você vai dar a ele. Porque vai prender por três, seis, oito anos, ele vai, com esse castigo, viver bem na sociedade? É um contrassenso. O que vai mudar é o que ele vai fazer no tempo que ficar privado da liberdade."

Três desafios das unidades socioeducativas

"A maioria [das unidades] não tem escola como centro do projeto pedagógico. Ou seja, se prende e não se obriga a estudar, então não adianta. Se ele sair sem mais oportunidade de emprego, está perdendo o tempo. O primeiro ponto então seria arrumar uma escola para garantir a qualidade de ensino a esses adolescentes. Segundo é o espaço físico: ele precisa estar adequado, fazendo vivência coletivas. Ele não vai aprender a respeitar a sociedade se ele não repeitar os colegas lá dentro. É preciso enfrentar essas contradições e gerar momentos gradativos de convivência. A terceira coisa é a equipe. Ela precisa ter clareza do papel dela. É preciso ter orientações coerentes, não pode ter agente que diz uma coisa, psicólogo que diz outra, professor outra. É preciso formação permanente. Os profissionais têm muita rotatividade, não aguentam a pressão: um acha que vai resolver sendo bonzinho, outro acha que é sendo cruel; então, não há unidade."

Aumentar pena não faz sentido

"É preciso ver o que se quer discutir. O que está previsto no ECA precisa ser aplicado integralmente. Como reavaliar [o estatuto] antes de fazê-lo cumprir? Temos o desafio de cumprir o que está previsto. Uma mudança [no ECA] não pode vir apenas de apelo popular, tem de vir de estudos de profissionais que trabalham nessa área. Se a gente tem algum aprendizado, é que não adianta trabalhar sobre hipótese. A discussão de aumentar pena não faz sentido, não vai dar nenhuma contribuição contra a violência. Se fosse assim, muitos países já teriam aplicado e teríamos evidência. Pelo contrario: países querem aumentar a idade e criar um sistema de justiça de juventude para dar uma segunda chance. Não há nenhuma relação entre aumento de pena e redução de delito em nenhuma faixa de idade. São mitos que se repetem na sociedade, especialmente pelos políticos mais demagogos."