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O que fez uma criança negra dizer: "mãe, isso também acontece com brancos?"

A atriz Mônica Henrique Duartes diz que confeitaria em área nobre de SP praticou racismo contra filha - Arquivo pessoal
A atriz Mônica Henrique Duartes diz que confeitaria em área nobre de SP praticou racismo contra filha Imagem: Arquivo pessoal

Janaina Garcia

Colaboração para o UOL, em São Paulo

22/12/2015 17h57

O que seria um passeio agradável de domingo em família se transformou em pesadelo, há dois dias, em um dos shoppings mais movimentados de São Paulo. O caso apareceu no Facebook ao retratar suposta prática de racismo cometida pela atendente de uma unidade da confeitaria Ofner, no shopping Eldorado, em Pinheiros (zona oeste de São Paulo), contra uma menina negra de nove anos.

A mãe, a atriz Mônica Henrique Duartes, 50, desabafou em seu perfil sobre o caso -- até a tarde desta terça-feira (22), quase 10 mil pessoas haviam compartilhado o depoimento. Em entrevista ao UOL, ela afirmou que a filha, Mariane, havia ido escolher os doces no balcão enquanto a mãe e o avô estavam sentados à mesa. Quando a menina voltou para se certificar qual doce a mãe queria, a surpresa: a funcionária da confeitaria teria surgido junto da garota a espantando dali.

"A moça veio atrás da minha filha dizendo: 'Lindinha, você não pode pedir dinheiro aqui!' E isso na minha frente. Ainda repetiu para ela, de novo diante de mim e do meu pai: 'Você não pode incomodar as pessoas aqui dentro'", disse.

A atriz contou que a primeira reação, ao entender o que havia se passado, foi de raiva: gritou com a atendente que abordou a filha -- e que não era a que atendera, minutos antes, os pedidos da família --, mas, segundo ela, "sem ofender" a funcionária. Em seguida, disse, se sentiu "muito mal" com o episódio. "Fiquei muito nervosa, minha filha chorou, e quando fui atrás para saber o nome da moça, ela havia sumido. Nisso, uma colega dela chegou e me disse: 'Ela já pediu desculpas, a senhora quer que ela faça o quê?'"

"Minha vontade era voar na moça que falou aquilo para a minha filha, mas eu me controlei, até por causa da Mariane. Sentei na mesa, eu tremia muito, então liguei para o disque 100 (da Secretaria de Direitos Humanos) e me orientei sobre o que devia fazer", disse.

Segundo a atriz, a orientação foi pelo registro do caso em um boletim de ocorrência. Ela contou que foi ao 78º DP (Distrito Policial), nos Jardins, próximo ao shopping, mas que, ao chegar lá, teria sido informada que o B.O. necessitaria ser feito pela internet, já que a delegacia estava sem energia elétrica.

Ela tem três dias úteis para receber a confirmação do registro do boletim.

Mônica tem a pele clara e adotou Mariane quando ela tinha um ano. Indagada se essa foi a primeira situação em que teria identificado racismo contra a filha, a atriz admitiu que sim. "Já passei por olhares com ela ao meu lado, mas tão explícito, assim, foi a primeira vez. Em um primeiro momento, quando a adotei, cheguei a temer por isso, mas depois pensei que não tinha nada a ver. E minha filha vive em uma bolha -- estuda em um colégio ótimo, temos uma boa condição de vida, graças a Deus, mas, e quem não tem? E quem é mais simples, está cansado de ser pisado desse jeito e não vai atrás? Tem que combater sim, nem que seja fazendo um escândalo, porque os errados não somos nós, são eles", afirmou.

Sobre a menina, a mãe relatou que ela alterna momentos de tristeza com silêncio sobre o caso, junto com perguntas. A que mais chamou a atenção de Mônica teria sido: "Mamãe, isso também acontece com brancos?"

Empresa diz que tomará medidas

A atriz disse que levará o caso à Justiça e avisou que espera uma retratação da Ofner. Procurada, a empresa informou, via assessoria de imprensa, que "não apoia e não aceita qualquer tipo de discriminação".

"Nossos profissionais são constantemente treinados para oferecer os melhores produtos e, principalmente, oferecer a excelência no atendimento aos nossos clientes. Estamos averiguando as informações e já estamos tomando todas as medidas necessárias para continuar com a excelência de sempre", encerrou a nota, publicada também no perfil oficial da rede no Facebook.

Especializada na defesa de direitos das mulheres e da população negra, a ONG Geledés sugere que, em casos de suspeita de racismo, o caso seja levado à polícia -- preferencialmente a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi), mediante apresentação de documentos e, se possível, testemunhas.

Também recentemente, casos de racismo ganharam publicidade por envolverem, como vítimas, figuras públicas como a atriz Taís Araújo e a apresentadora Maju Coutinho, ambas da TV Globo. Os casos foram levados à polícia.