Topo

PM não paga há mais de um ano manutenção de helicóptero que caiu no Rio

Helicóptero da PM-RJ caiu na Cidade de Deus durante operação contra o tráfico - Reprodução/Centro de Operações da Prefeitura do Rio de Janeiro
Helicóptero da PM-RJ caiu na Cidade de Deus durante operação contra o tráfico Imagem: Reprodução/Centro de Operações da Prefeitura do Rio de Janeiro

Paula Bianchi e Vinicius Konchinski

Do UOL, no Rio

23/11/2016 09h39

A PM-RJ (Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro) não paga há mais de um ano a manutenção do helicóptero que caiu no sábado (19), durante operação contra o tráfico de drogas na Cidade de Deus, zona oeste da capital fluminense.

A última transferência de recursos feita pela corporação para a empresa contratada para zelar pelo bom funcionamento da aeronave, a Helibras, foi realizada em 19 de outubro de 2015, segundo dados levantados pelo UOL no Portal da Transparência do governo do Estado do Rio.

A queda do helicóptero do tipo Esquilo, matrícula PRIDR, causou a morte de quatro policiais militares: o capitão Willian de Freitas Schorcht, 37; o major Rogério Melo Costa, 36; o subtenente Camilo Barbosa Carvalho, 39; e o terceiro-sargento Rogério Félix Rainha, 39. Costa e Schorcht eram os pilotos da aeronave. Ambos eram considerados experientes.

O motivo da queda do helicóptero ainda é desconhecido. Nenhum dos tripulantes nem a aeronave foi atingido por tiros, de acordo com perícias preliminares. Apesar da falta de pagamento da manutenção, o helicóptero está em dia com suas vistorias técnicas, segundo a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil).

A aeronave passou por sua última vistoria em dezembro de 2015. De acordo com o RAB (Registro Aeronáutico Brasileiro), até o dia 4 de dezembro de 2016, ela teria que passar por uma nova inspeção para checagem do cumprimento de seu manual de manutenção. Até lá, estava legalmente liberada para voar.

PMs mortos em queda de helicóptero são homenageados

UOL Notícias

Pagamentos paralisados

A empresa Helibras, que também é fabricante do helicóptero da PM que caiu no sábado, foi contratada pela corporação em julho de 2014 para prestar serviços de manutenção da aeronave. O contrato original previa que a companhia zelasse pelo funcionamento de três helicópteros, incluindo o que caiu, por um ano. Receberia por isso cerca de R$ 5,5 milhões.

Esse mesmo contrato recebeu dois aditivos para tivesse sua vigência prorrogada por mais um ano. A última prorrogação foi assinada em julho de 2016. O novo acordo também prevê pagamentos de R$ 5,5 milhões.

Em 2016, entretanto, a Helibras ainda não recebeu qualquer pagamento da PM, de acordo com Portal da Transparência.

Em 2014, a Helibras recebeu mais de R$ 2 milhões da PM em cinco pagamentos. Já em 2015, foram dez transferências bancárias para a Helibras com valor total de R$ 3,7 milhões. A última foi de R$ 345,9 mil.

Desde então, a PM até empenhou (ou seja, admitiu que deve pagar) mais R$ 119 mil à Helibras. Isso foi feito em novembro de 2015. Nenhuma outra transferência bancária destinada à empresa foi realizada (veja abaixo).

Procurada para comentar a situação dos pagamentos e da manutenção dos helicópteros da PM, a Helibras informou que “lamenta profundamente o acidente” e aguarda as investigações sobre a queda para se pronunciar.

A PM também foi procurada para comentar os pagamentos da manutenção, mas não se pronunciou especificamente sobre o assunto. Ao invés disso, enviou por e-mail a nota que vem sendo divulgada desde domingo (20) e que informa que o helicóptero "estava com seus registros de manutenção em dia --a última ocorreu no dia 31 de outubro".

Segundo a PM, as causas da queda estão sendo investigadas pelo Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos). Além disso, o Centro de Criminalística da própria corporação realiza uma investigação paralela sobre o fato.

"A Polícia Militar entende é preciso aguardar o rito técnico dessa apuração. Sendo qualquer tipo de conclusão, prematura", complementou a PM.

Possível falha mecânica

De acordo com o engenheiro e professor da faculdade de Engenharia Aeronáutica da USP (Universidade de São Paulo) São Carlos Fernando Catalano, as imagens do helicóptero, que mostram a aeronave caindo em linha reta e girando, apontariam para uma falha mecânica.

“Aparentemente, pelo que é possível ver no vídeo, foi um problema no motor de cauda, ele caiu girando. Pode ter sido uma falha mecânica”, afirma.

Catalano, no entanto, acha difícil que a empresa, mesmo sem receber, tenha deixado de atender o Estado. “Com certeza a empresa não seria maluca de negligenciar a manutenção. Não acho que iriam correr o risco de se sujeitarem a algum processo por conta de algum problema ou ficarem marcados como uma empresa de má qualidade.”

Segundo ele, para que um helicóptero levante voo, são necessárias uma série de manutenções periódicas, incluindo um check-up diário, e é muito difícil que uma aeronave, mesmo que da polícia, viaje sem elas.

“Não há como um helicóptero operar sem ter as manutenções todas feitas, porque a aeronave não consegue as licenças para operar, mesmo sendo um helicóptero da polícia. É um equipamento que vibra muito, exige muito cuidado”, afirma.

Ele também lembra que esse tipo de manutenção tem um custo alto e que é dever da polícia levar a aeronave até a empresa. “Em geral, tem essa [manutenção] anual, que faz um cheque maior de elementos --caixa de engrenagens, motor principal etc.--, e no dia a dia é feito um cheque. Se vê os componentes, troca de filtros. É muito cara a manutenção, se não tiver recursos, não há como ser feita.”

Calamidade financeira

Em maio de 2015, o telejornal “RJTV”, da Rede Globo, informou que a frota de seis helicópteros da PM estava parada por conta de falta de pagamento de manutenção. Naquela época, a Helibras confirmou ao telejornal um atraso no repasse de recursos por parte do governo, mas não divulgou o valor da dívida.

Desde então, a situação financeira do Estado piorou. Em junho de 2016, o governo do Rio decretou estado de calamidade pública por conta falta de recursos. No início deste mês, envio um pacote de corte de gastos à Alerj (Assembleia Legislativa do Rio) para tentar recompor suas contas e conseguir arcar com pagamentos de seus funcionários.