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Em SP, mulher é impedida de registrar queixa em delegacia por estar de bermuda

Cristiane Zambroni, 35, não consegui registrar um boletim de ocorrência em uma delegacia de Ribeirão Preto (SP) porque estava vestindo uma bermuda - Arquivo pessoal
Cristiane Zambroni, 35, não consegui registrar um boletim de ocorrência em uma delegacia de Ribeirão Preto (SP) porque estava vestindo uma bermuda Imagem: Arquivo pessoal

Eduardo Schiavoni

Colaboração para o UOL, em Ribeirão Preto (SP)

24/11/2016 19h53Atualizada em 24/11/2016 20h03

Uma jornalista e empresária de Ribeirão Preto (a 313 km de São Paulo) foi impedida de registrar um boletim de ocorrência em uma delegacia na zona sul da cidade por estar de bermuda. O caso ocorreu na tarde desta quinta-feira (24). Segundo o delegado titular da delegacia, trata-se do cumprimento de uma norma estadual.

Cristiane Zambroni, 35, foi até o 4º DP (Distrito Policial), localizado no Jardim América, área nobre da cidade, para registrar um boletim de ocorrência contra um prestador de serviço que, de acordo com ela, não executou parte do trabalho de elaboração de um site de um comércio virtual. “Eu saí de casa com minha roupa de trabalho, que inclui uma bermuda. Não era curta, nem indecente, era uma roupa normal”, contou. “Não era um short curto. Era uma bermuda que uso para ir à missa, para atender minhas clientes, para sair à rua sem nenhum constrangimento”, acrescentou.

Ao chegar ao local, no entanto, ela percebeu que, mesmo sem atender ninguém, uma funcionária responsável por registrar os BOs não a chamou para que o boletim fosse feito. “Eu achei estranho, mas esperei. Foi quando uma funcionária que cuidava da limpeza me chamou e disse que eu não seria atendida por estar de bermuda”, lembrou.

Indignada, ela foi até o local de atendimento e perguntou a uma funcionária se poderia registrar a ocorrência. A resposta foi negativa. “Questionei se realmente não poderia ser atendida e ela me olhou e disse que não. Depois mandou que eu olhasse a placa na porta e disse que, para ser atendida, precisaria trocar de roupa”, relatou.

Placa em delagacia - Cristiane Zambroni/Arquivo pessoal - Cristiane Zambroni/Arquivo pessoal
Placa informa que é proibido entrar na delegacia do 4º DP (Distrito Policial) de Ribeirão Preto (SP), usando bermudas, chinelos, camisetas regata e boné
Imagem: Cristiane Zambroni/Arquivo pessoal

A jornalista publicou um post sobre o caso em seu perfil no Facebook. A página recebeu centenas de curtidas e dezenas de comentários e compartilhamentos. “Tenho que compartilhar esse absurdo. Quer dizer que, por estar de bermuda, não mereço respeito, não mereço receber atendimento em uma delegacia que procurei por me sentir lesada? É um absurdo”, escreveu.

A empresária pretende registrar uma queixa contra a Polícia Civil. “Meu coração quase saiu pela boca de tanta indignação e nervoso. Respirei e sai de lá dizendo que ia procurar me informar sobre meus direitos porque aquilo era inadmissível. Em 35 anos de vida, 15 anos de jornalismo, nunca ouvi, li ou presenciei tamanha incoerência em um atendimento, seja ele público ou privado”, desabafou.
 

Norma interna

A reportagem do UOL procurou o delegado responsável pelo distrito, Paulo Henrique Martins de Castro. Ele afirmou que a aplicação da norma é válida para qualquer prédio público e que, na delegacia onde comanda, o público é avisado sobre a determinação. "Essa é a determinação que nós cumprimos aqui", disse.

Castro informou ainda que, quando o assunto é urgente, o registro pode ser feito. “Quando é uma coisa que acabou de acontecer, a gente faz. Mas quando é uma coisa que já aconteceu, a gente pede para a pessoa voltar e registrar a ocorrência depois, com a roupa apropriada”, explicou.

A determinação citada pelo delegado é baseada em normas internas da Polícia Civil de São Paulo e sua aplicação fica a cargo do titular de cada delegacia.
 
Segundo o advogado Thiago Coletto, embora esteja dentro da lei, barrar pessoas é uma solução que não é utilizada com frequência. "Inclusive nos fóruns, onde há mais rigidez, essa é uma norma que já tem sido deixada de lado. Em outros ambientes, como Justiça Eleitoral e delegacias, é muito raro ocorrer", disse.