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Transexual reage a ofensas verbais e é agredida em rodoviária de Brasília

Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal

Lucas Borges Teixeira

Colaboração para o UOL

02/06/2017 17h43

A matemática transexual Natalha Santos do Nascimento, de 33 anos, foi agredida fisicamente na madrugada do último dia 26 de junho enquanto aguardava um ônibus, em Brasília. Ela levou socos e chutes do funcionário de uma pastelaria na Rodoviária Plano Piloto.

“A agressão verbal já acontecia há uns dias”, lembra a matemática. “Me chamavam de Pablo, eu virava e eles fingiam que não era com eles. Às vezes aparecia alguém para conversar comigo, eles gritavam. Já tinha pedido para parar.”

Ela passava diariamente pela Pastelaria Viçosa para voltar para casa. No dia 26, ela decidiu confrontar os agressores quando ouviu mais uma piada com adjetivos masculinos. “Fui tomar satisfação e ele correu para trás do freezer”, conta Natalha. “Um outro respondeu: ‘Faço piadinhas quantas vezes quiser, viado’. Então eu cuspi nele.”
 
Foi aí que o homem saiu de trás do balcão e deu um soco na professora. Caída, levou vários chutes do agressor até que um morador de rua conhecido interferiu. “Eram uns sete funcionários, se eles quisessem segurar o colega, tinham segurado. O único que me viu como ser humano foi aquele morador de rua”, conta a matemática.

Com as roupas rasgadas, ela confrontou o agressor e ele a ameaçou de morte. “Foi então que enfrentei meu segundo desafio: encara o olhar das pessoas. Eu estava toda suja. Quando eu cheguei em casa, tomei banho e me cabelo caía muito. Não consegui dormir e só saí de casa no dia seguinte à noite. Fiquei dois dias sem trabalhar”, relata.

A jovem fez um boletim de ocorrência contra o funcionário na 5ª Delegacia de Polícia de Brasília dois dias depois do ocorrido. “Inicialmente, eles não souberam lidar. A pessoa que me atendeu fazia perguntas como se eu tivesse cometido o crime”, afirma. “Mas quando eu contei a história ele entendeu e sugeriu que eu fosse ao Instituto Médico Legal (IML) para fazer o exame e ao Ministério Público para conseguir uma indenização.” Ela foi ao IML na última segunda-feira (29) e decidiu não ir ao MP, pois não busca indenização.

Na última quarta-feira (31), Natalha fez a denúncia no Conselho Distrital de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos (CDPDDH), que marcou uma reunião entre a matemática, os responsáveis pela pastelaria e a ONG Estruturação para a apresentação de sete propostas para o estabelecimento. Apenas uma foi negada: um curso de conscientização de 40 horas semanais para os 230 funcionários do negócio.

“Teve muita sugestão legal, anotamos todas”, afirma Sebastião Liaffa, gerente da pastelaria. “Só não pudemos atender a última porque o curso ainda não foi formatado. Mas eles falaram que vão criar a grade e aí vamos analisar.”

Em uma mensagem publicada nas redes sociais na última quarta-feira, a pastelaria informa que o funcionário foi demitido e que repudia “veementemente todo e qualquer tipo de discriminação e preconceito”. “Pedimos desculpas pelo incidente ocorrido e nos colocamos à disposição para qualquer esclarecimento”, conclui a nota.

O conselho e a ONG Estruturação marcaram uma manifestação com a presença de Natalha para amanhã (3) às 15h em frente à pastelaria. Liaffa diz considerar o ato “muito positivo”. “Nós apoiamos qualquer tipo de ação contra o preconceito”, afirma o gerente.

Natalha revela que sofre ofensas diárias por sua situação. “Pessoas te olham na rua, funcionários das empresas de ônibus são despreparados...”, afirma. O preconceito foi, inclusive, o motivo para ela ter largado o posto de professora de matemática da rede pública. “Um aluno de 16 tentou me matar com facadas. Eu fiz a denúncia, mas a secretaria tentou abafar o caso: me afastaram da escola e não me recebem mais”, conta a jovem.