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Abordagem nos Jardins tem de ser diferente da periferia, diz novo comandante da Rota

Policial não ganha o suficiente, mas entra sabendo disso

UOL Notícias

Luís Adorno

Do UOL, em São Paulo

24/08/2017 04h00Atualizada em 24/08/2017 11h10

Uma questão de se adaptar aos inimigos diários e ao território pertencente. É desta maneira que o tenente-coronel Ricardo Augusto Nascimento de Mello Araújo, 46, o novo comandante da Rota, a tropa de elite da PM (Polícia Militar) de São Paulo, define a forma de atuação dos policiais nas ruas de todo o mundo. Incluindo os cerca de 700 homens que estão sob suas ordens desde o dia 4 de agosto de 2017.

22.ago.2017 - Tenente coronel Ricardo Augusto Nascimento de Mello Araújo, 46, o novo comandante da Rota - Marcio Komesu/UOL - Marcio Komesu/UOL
"A gente escolheu ser policial para proteger vidas, não o contrário", diz Mello Araújo
Imagem: Marcio Komesu/UOL

Em entrevista exclusiva concedida ao UOL, Mello Araújo afirmou que os PMs que atuam na região nobre e na periferia de São Paulo adotam formas diferentes de abordar e falar com moradores. "É uma outra realidade. São pessoas diferentes que transitam por lá. A forma dele abordar tem que ser diferente. Se ele [policial] for abordar uma pessoa [na periferia], da mesma forma que ele for abordar uma pessoa aqui nos Jardins [região nobre de São Paulo], ele vai ter dificuldade. Ele não vai ser respeitado", disse.

"Da mesma forma, se eu coloco um [policial] da periferia para lidar, falar com a mesma forma, com a mesma linguagem que uma pessoa da periferia fala aqui no Jardins, ele pode estar sendo grosseiro com uma pessoa do Jardins que está ali, andando", complementou. "O policial tem que se adaptar àquele meio que ele está naquele momento", argumentou.

De acordo com Mello Araújo, o mesmo ocorreria na Inglaterra. "Os policiais, tempos atrás, andavam desarmados. Hoje, não estão mais desarmados porque estão numa situação de terrorismo, de atentados. Mas, se a gente voltasse um pouquinho [no tempo], na Inglaterra o policial andava desarmado", afirmou.

"Não é porque o policial inglês é melhor do que a gente. Se eu pegar aquele policial da Inglaterra e botar ele pra trabalhar aqui em São Paulo, ele vai ter que trabalhar armado. E ele vai ter muito mais dificuldade pra trabalhar aqui, do que eu ir trabalhar lá na Inglaterra", complementou.

A polícia britânica pode ser vista carregando armamentos em locais estratégicos quando o governo eleva o nível de alerta contra ações extremistas. O atual estágio do alerta permanece alto (severo), desde os ataques em Westminster e na London Bridge neste ano.

Porém, quando o estado de alerta é mais baixo, a maioria dos policiais britânicos trabalha desarmada. Eles normalmente patrulham em grandes grupos e resolvem a maioria dos casos sem uso de armamentos. Somente quando criminosos armados são identificados é que uma unidade armada da polícia é chamada. Contudo, isso é possível porque o número de armas de fogo ilegais em circulação na Grã-Bretanha é reduzido.

A entrevista aconteceu na terça-feira (22), um dia antes da operação "Tolerância Zero", que colocou os 700 homens do batalhão nas ruas de São Paulo, a fim de combater a criminalidade. Segundo balanço da Rota no fim do dia, 25 pessoas foram presas na ação e três menores foram apreendidos.

"Que eu não perca nenhum homem em combate"

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Mello Araújo vem de uma família de policiais militares. Ele representa a terceira geração de sua linhagem na PM de SP. "Meu pai aposentou como coronel da Polícia Militar - inclusive, comandou o Choque aqui em São Paulo. O meu avô entrou como soldado e saiu como coronel, na época da Força Pública - lutou na Revolução de 1932. Então, eu sou a terceira geração. O ser policial militar é sonho de criança", disse.

Pai de dois pré-adolescentes, o novo comandante da Rota afirma que está na PM "por idealismo". Ele deixou a família no interior, onde comandava um batalhão de oito cidades, para ficar à frente da Rota. Sem residência fixa na capital, ele acaba dormindo no próprio quartel do batalhão, um edifício histórico localizado no bairro da Luz, centro da cidade.

Caso um dos filhos, ou os dois filhos, sejam a quarta geração de policiais dos Mello Araújo, o novo comandante da Rota diz que vai apoiar. Mas que não coloca isso como pressão para os jovens. "Eu digo para eles que quero que escolham uma profissão para ser felizes. Uma profissão correta e digna. O que quero é que sejam felizes", afirmou.

No entanto, o comandante diz que teria medo. "Que pai não tem medo? Meu pai, policial militar aposentado, tem medo até hoje. Eu teria medo, porque sei que tem gente que quer matar policial militar. Mas é preciso confiar na felicidade deles [os filhos] e lá em cima [em Deus]", complementou.

Terceira geração da família na polícia

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Guerra urbana

A Rota é chamada para o enfrentamento. Quando o crime é grave. Segundo o novo comandante, o batalhão encara a facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) diariamente. "Muitas das ocorrências que a Rota pega, envolvem o PCC. São membros da facção. Isso aí é um combate diário. E precisamos do apoio, não só da polícia, mas do Ministério Público, do Judiciário, da Polícia Federal e da população para esse enfrentamento", disse.

Para isso, Mello Araújo afirmou que a Rota é "uma tropa com policiais bem treinados, bem preparados, selecionados". Ele afirmou que a PM já realiza uma seleção prévia. "Nós fazemos ainda uma outra seleção. Então, a gente pode afirmar que a Rota é a tropa de elite da polícia paulista", disse. Segundo o novo comandante, "a Rota trabalha mais com repressão. Ela acaba fazendo o trabalho preventivo, mas trabalha muito com repressão".

Nos primeiros 20 dias à frente do batalhão, o novo comandante afirmou estar "à vontade e realizado". "Para quem sonha ser policial, a Rota é o sonho de consumo. É onde a gente tem liberdade, a tropa mais especializada. E a gente vai atuar nas ocorrências mais graves. A adrenalina é maior aqui na Rota. E isso é uma coisa que o ser humano procura", disse.

"Hoje a gente vê, às vezes, fazendo um parênteses aí, a pessoa quer saltar de paraquedas, ela quer mergulhar, vai surfar, que que é isso aí? É a adrenalina. Parque de diversão, que é aquela emoção. Só que o pessoal paga, né? Aqui a gente ganha para essa emoção. Só que é uma emoção de risco. E a gente tem que trabalhar com o risco controlado", afirmou.

Em meio à adrenalina, Mello Araújo afirma que aprendeu a conviver diariamente com o medo. "O medo existe. Se eu não tiver medo, eu morro. Então, a gente tem esse medo, mas ele deve ser controlado", afirmou.

E, segundo ele, esse medo não é repassado à população. "A população de São Paulo confia na Rota. Aplaude a Rota. Passamos confiança à população e medo aos bandidos. E queremos continuar passando medo aos bandidos. Eles têm que nos temer mesmo. Já o cidadão de bem, esse confia e não tem medo da Rota. Estamos aqui para assegurar que nada acontece ao cidadão de bem", disse.

O policial disse que já sentiu uma diferença nas ruas durante os primeiros 20 dias de seu comando. "No interior, no carro normal da polícia, as pessoas não davam a mínima. Com a viatura da Rota, no farol, a população para, acena positivamente, aplaude. É o mesmo policial. A mesma pessoa. Só que um está na Rota, e outro, na PM de base", disse.

"Salvar e proteger vidas"

Para ele, a diferença no tratamento tem como base a imprensa. "São cerca de 90 mil policiais militares. Se 1%, ou seja 900, erra, a imprensa não pode colocar a culpa na PM", disse. Segundo o Tribunal de Justiça Militar, há cerca de 200 policiais no Presídio Militar Romão Gomes.

"A população deve confiar na gente, porque a gente escolheu ser policial para salvar e proteger vidas, não o contrário", disse.

Mello Araújo diz querer terminar a carreira no comando da Rota. "Não sei quanto tempo vou ficar. Tem quem ficou mais de um ano, tem quem não ficou sete meses. A minha ideia é ficar aqui para fechar minha carreira com chave de ouro. Daqui, vou para casa".