Topo

"Parecia Mad Max", diz testemunha que flagrou ação de homens armados na ida ao Rock in Rio

23.set.2017 -  Operação conjunta da Polícia Militar e das Forças Armadas na Rocinha - LEONARDO COELHO/ESTADÃO CONTEÚDO
23.set.2017 - Operação conjunta da Polícia Militar e das Forças Armadas na Rocinha Imagem: LEONARDO COELHO/ESTADÃO CONTEÚDO

Carolina Farias

Colaboração para o UOL, no Rio

26/09/2017 04h00Atualizada em 26/09/2017 10h29

O articulador cultural Júlio Barroso estava a caminho do Rock in Rio no início da tarde do último sábado (23) quando se deparou com pelo menos cem homens com armas de calibres variados. Colunista da ANF (Agência de Notícias das Favelas), ele estava acompanhado do motorista Talys Mota.

Barroso, que é morador de Santa Teresa e, resolveu ir para a Cidade do Rock, em Jacarepaguá, pela estrada do Sumaré, via que dá acesso ao Alto da Boa Vista e à Barra, evitando assim a zona sul e possíveis transtornos que poderiam estar ocorrendo com a ocupação das Forças Armadas na Rocinha. A estrada do Sumaré, que corta área de mata e integra o maciço do Parque Nacional da Tijuca, também dá acesso ao Cristo Redentor.

Os confrontos entre facções pelo controle do tráfico de drogas na Rocinha começaram a se intensificar no dia 17 deste mês. De um lado, está o grupo do traficante Rogério 157. De outro, o grupo do traficante Antônio Bonfim Lopes, o Nem, preso em 2011. Rogério sucedeu Nem no comando do tráfico na região.

De dentro do presídio federal onde está preso em Rondônia, Nem determinou a invasão da Rocinha por criminosos da facção ADA (Amigo dos Amigos), que é a segunda maior do Rio. O motivo seria a insatisfação com a atuação de Rogério por ele ter começado a cobrar dos moradores por serviços como água e mototáxi. Rogério teve o reforço de criminosos da facção Comando Vermelho.

“A gente nunca acha que vai acontecer com a gente. Passamos a casa do arcebispo (da Diocese do Rio de Janeiro) e depois tem um platô, um lugar para estacionar onde há uma cabine da PM. Tinha um cara com fuzil ali e ele viu uma viatura parada, vazia. Parecia que ele estava fazendo uma bravata. Atirou umas dez vezes na viatura. Era um AK 47. Demos ré a uns 70 km por hora. De repente desceu uma moto na nossa direção com alguém na garupa. Era o cara do fuzil”, conta Barroso.

46. Vista Chinesa - mirante em estilo chinês localizado no bairro Alto da Boa Vista, dentro da Floresta da Tijuca - Reprodução/Agência Brasil - Reprodução/Agência Brasil
Mirante da Vista Chinesa, dentro da Floresta da Tijuca
Imagem: Reprodução/Agência Brasil
A casa do arcebispo é a Residência Assunção, onde ficou hospedado em 2013 o papa Francisco. Em 1997, o papa João Paulo 2º ficou hospedado no mesmo local. Esse episódio foi abordado pelo filme Tropa de Elite (2007) em que o fictício capitão Nascimento tem de conter a violência do tráfico no morro do Turano, que fica próximo ao local.

Depois de avistarem a moto, para evitar que acontecesse algo com eles, encostaram o carro.

“Ele disse: ‘Estou vendo que vocês não são polícia ou ‘alemão’ [rivais]. Nos perguntou se tinha polícia ‘lá embaixo’, que era a rua Almirante Alexandrino e dissemos que não”, relembra Barroso, que ouviu um pedido para que esperassem no local.

“Ele passou um rádio e em um minuto passou por nós um comboio de carros, picapes, caminhonetes, todos cheios de caras armados. Parecia o [filme] Mad Max: Estrada da Fúria. Fiquei surpreso que eram 14 h de sábado e pela forma ostensiva”, diz ele.

Barroso conta que depois da cena, seguiu em frente, até encontrar mais um grupo. “A impressão é que o ‘bonde’ [grupo] que vimos nos carros fosse do alto escalão, de uma hierarquia maior.” Um pouco mais a frente, havia outro grupo, de cerca de 30 pessoas armadas, e uma delas exibia um fuzil .50, arma de alta precisão e com capacidade de perfurar blindados.

“Eles nos mandaram parar e também perguntaram se tinha alguém lá embaixo. Um deles perguntou ‘eles bancam tiro de .50?’. Dissemos que não e seguimos. Deu medo porque um falou ‘eles podiam levar a gente’ quando já tínhamos arrancado. Fingimos que não ouvimos”, conta.

As vestimentas dos homens chamaram a atenção do articulador cultural. “Tinham caras com idades entre 16 e 50 anos. Estava um sol de rachar e eles a pé. Muitos deles estavam de chinelo, descalços, sem camisa, esfarrapados, desdentados”. Mas quatro deles se destacavam no último bando com quem cruzaram. “Nesses últimos tinham quatro caras com calça paramilitar, camisa preta, cabelos cortados igual militar, óculos escuros botas e colete à prova de balas”, acrescenta Barroso.

 “Depois vi que teve tiroteio na Tijuca (zona norte). Tenho certeza que foi com esses caras”, afirma ele, sobre uma ocorrência no sábado. Além de Turano, pela mata que ladeia a estrada, é possível chegar ao Borel e ao Salgueiro, ambos na Tijuca.

“Quem é carioca e vive em área de risco está anestesiado. O medo bateu depois que processei tudo. Fiquei pensando, por que não roubaram nosso carro?”, diz Barroso, que também relatou o episódio em sua página no Facebook.

22.set.2017 -  Tropas das Forcas Armadas faz inervencao na favela da Rocinha, zona sul do Rio de Janeiro - Eduardo Anizelli/Folhapress - Eduardo Anizelli/Folhapress
22.set.2017 - Tropas das Forcas Armadas faz inervencao na favela da Rocinha
Imagem: Eduardo Anizelli/Folhapress

30 quentinhas no Horto

No sábado outra história que circulou pelos moradores do Rio foi o áudio de um ciclista que viu na área do Jardim Botânico, zona sul do Rio, um grupo de homens armados. Traficantes da Rocinha teriam escapado da favela pela mata e estariam se abrigando no Horto.

O áudio tinha a seguinte descrição: “Tinha uns caras hoje fortemente armados ali na cachoeira e que saíram do mato. Um cara saiu do mato pedindo para comprar 30 quentinhas para ele levar para dentro do mato”, diz o interlocutor, que ainda aconselha os ciclistas a evitarem a região, que é repleta de trilhas usadas por ciclistas e caminhantes.

“Não sabemos o nome de quem é o áudio, mas sabemos que é verdadeiro porque é um grupo grande de ciclistas”, relata Raphael Pazos, da Comissão de Segurança no Ciclismo do Rio. Pazos afirma que ciclistas também ouviram tiros no Horto, Tijuca e Usina no domingo (24).

“A recomendação é não treinar nas trilhas, em nenhuma. Os traficantes sempre usaram as trilhas para ir de uma comunidade a outra”, diz Pazos.