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Advogados veem risco de violações com mandados coletivos: "holocausto do Direito"

17.fev.2018 - Tanque militar circulou próximo ao Palácio Guanabara durante reunião de Temer sobre intervenção no RJ - ALESSANDRO BUZAS/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
17.fev.2018 - Tanque militar circulou próximo ao Palácio Guanabara durante reunião de Temer sobre intervenção no RJ Imagem: ALESSANDRO BUZAS/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

Leo Burlá

Do UOL, do Rio de Janeiro*

20/02/2018 04h00

Um possível pedido do governo federal à Justiça por mandados coletivos de busca e apreensão para a atuação das Forças Armadas no Rio de Janeiro não é algo inédito na história recente do Estado, mas não por isso desperta menos discussão.

A medida, encampada nesta segunda-feira (19) pelo ministro da Defesa, Raul Jungmann, pode garantir que as buscas não sejam feitas em endereços específicos, o que contraria o artigo 243 do Código do Processo Penal, segundo especialistas consultados pelo UOL. Jungmann, no entanto, afirmou que isso não significará uma "carta branca" aos militares para atuação fora dos limites.

Em nota oficial divulgada após a declaração de Jungmann, o Ministério da Defesa informou que a ideia de pedir mandados de segurança ao Poder Judiciário, para busca e apreensão em regiões do Rio de Janeiro, durante o período da intervenção, foi uma "possibilidade" discutida na reunião do presidente Michel Temer (MDB) com os integrantes dos conselhos de Defesa Nacional e da República, que participaram do encontro, no Palácio da Alvorada, na manhã de ontem.

A lei afirma que o mandado deve “indicar, o mais precisamente possível, a casa em que será realizada a diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador”, mas o ministro afirmou que a “realidade urbanística” do Rio de Janeiro impede esta interpretação literal.

"Na realidade urbanística do Rio de Janeiro, você muitas vezes sai com a busca numa casa, comunidade, e o bandido se desloca. Então você precisa ter algo que é exatamente o mandado de busca, apreensão e captura coletivo, que já existiu, que já foi feito em outras ocasiões também, e precisa voltar para uma melhor eficácia do trabalho a ser desenvolvido tanto pelos militares quanto pelas polícias", disse Jungmann. Mais tarde, a Defesa esclareceu que os pedidos serão apenas de "busca e apreensão" e não de captura que, pela Constituição só pode ser apresentado de forma individual.

"Mandados genéricos de busca e apreensão domiciliar em favelas e bairros de periferia são ilegais, inconstitucionais e representam grave violação de direitos humanos. Caso um pedido desse seja deferido pelo Poder Judiciário, estaríamos diante do holocausto do Direito, com a casa de pessoas humildes sendo invadidas a esmo. Se isto realmente acontecer, a proteção do cidadão é o habeas corpus, em face do abuso de poder do Estado repressor”, afirmou o advogado criminalista João Francisco Neto.

O também criminalista Daniel Gerber fala em “elasticidade da lei” e afirma que, diante desta possível permissividade da legislação, o que deverá regular a atuação das forças federais deverá ser o "bom senso" dos oficiais das Forças Armadas destacados para a operação.

“Vejo com muita preocupação o fato de você invadir a privacidade do lar de uma pessoa. Embora o intuito seja favorável, constrangimentos podem ser causados, já que qualquer ação genérica irá ofender direitos, a lei e princípios pessoais. É algo arbitrário e ofende o estado democrático de direito. É força excessiva e o abuso do direito do Estado”, completou o advogado Daniel Bialski.

Em outubro de 2011, a Justiça autorizou um mandado de busca e apreensão coletiva no Complexo do Alemão (zona norte), na época, ocupado há um ano pelo Exército, que deixou o local para a implementação de uma UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) em 2012.

Uma semana antes de as Forças Armadas ocuparem o conjunto de favelas da Maré (zona norte), em março de 2014, a mesma medida foi adotada no complexo.  Em novembro de 2016, um novo mandado de busca coletivo foi autorizado na Cidade de Deus, na zona oeste. 

Já em agosto de 2017, a Justiça autorizou a busca coletiva de casas na favela do Jacarezinho (zona norte), logo após o assassinato de um policial civil em uma operação na comunidade.

“Fizeram essas intervenções e não houve prestação de conta alguma. Vejo com muito pessimismo [a possível autorização judicial de mandados coletivos] e posso afirmar que veremos muitos excessos, não observarão as garantias dos pobres de maneira alguma. Não restam dúvidas de que teremos barbárie”, opinou o advogado João Tancredo.

À medida que o debate avança em Brasília, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ) estuda medidas judiciais para acompanhar a situação. Em nota oficial, a entidade informou que "convidará entidades da sociedade civil organizada para a criação de um grupo de acompanhamento da execução da intervenção".

O presidente da República nomeou o general Walter Souza Braga Netto, chefe do CML (Comando Militar do Leste), como o responsável pela intervenção na segurança pública fluminense. Tão logo o Congresso vote o decreto, Braga Netto passa a ser o "governador" desta área específica do Rio de Janeiro. Após análise da Câmara dos Deputados, a expectativa é de que o Senado vote a matéria ainda nesta terça-feira (20).

*Com informações do Estadão Conteúdo

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