Topo

PA: gado e grileiros cercam índios isolados em terra mais desmatada do país

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

24/01/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Tribos isoladas são cercadas por ocupação irregular em terra indígena no Pará
  • Ibama identificou grupos criando gado e desmatando áreas de maneira irregular
  • Situação coloca população indígena em risco, segundo procurador

A TI (Terra Indígena) Ituna-Itatá, no sudoeste do Pará, sofre com o avanço de uma ocupação irregular e do desmatamento, que cercam e ameaçam tribos isoladas na Amazônia.

Criada em 2011 como uma contrapartida pela construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, a TI tem área de 142 mil hectares, que está interditada para estudos dessas etnias sem contato com a civilização. A interdição, entretanto, não impede que o desmatamento e a grilagem avancem a passos largos, tornando a área campeã em desmate no país.

Em 2019, a TI Ituna-Itatá teve o maior desmatamento do país, correspondendo a 13% do total de devastação apurado pelo Prodes (Programa de Cálculo do Desflorestamento da Amazônia), do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Foram 11 mil hectares desmatados entre agosto de 2018 e julho de 2019. Só este mês já foram identificados 1.000 hectares de desmatamento.

Segundo levantamento da organização não governamental Greenpeace, produtores registraram no CAR (Cadastro Ambiental Rural) serem donos de 94% da área. Ou seja, mesmo sem permissão, muitos grileiros se intitulam donos da área.

A TI é uma das mais importantes do Pará e habitada por índios isolados nas cabeceiras do igarapé Ipiaçava. Não se sabe exatamente quantos índios e tribos isoladas existem na terra, que são alvo de um estudo aprofundado da Funai (Fundação Nacional do Índio). É com base nesses dados que será definida a área de um futura reserva indígena.

"Há um temor de que os desmatamentos e o exercício da posse na área afetem a vida dos índios isolados", afirma o procurador da República Adriano Lanna ao UOL. "Até porque a previsão de uma restrição de uso na área foi criada justamente com objetivo de protegê-los, enquanto é feito um estudo acerca da possibilidade de demarcar ou não".

Segundo ele, ainda não se verificou nenhum tipo de prejuízo à integridade da vida desses índios. "Mas ainda é muito cedo para se verificar quais são as consequências dos crimes que têm sido praticados lá", diz.

Operações

A situação chamou a atenção do MPF (Ministério Público Federal) e do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis), que iniciaram uma série de investigações e operações na área desde a semana passada.

Com apoio da PM (Polícia Militar) e da Funai, as operações flagraram maquinário e postos clandestinos de combustíveis em uma área de acesso à TI —e que, segundo a investigação, serviriam para abastecimento dos desmatadores.

"Durante as incursões, o Ibama constatou existência de diversas pessoas assentadas ilegalmente, criando gado e desmatando áreas de maneira irregular. Por isso, realizou diversas autuações e destruiu instrumentos do crime. A atuação do Ibama é fundamental para coibir tais crimes", explica o procurador.

Em entrevista coletiva na quarta-feira (22), em Altamira (PA), o coordenador de fiscalização do Ibama na região, Hugo Loss, afirmou que as operações seguem e, até o momento, 5.000 litros de combustível foram apreendidos em dois postos clandestinos que serviriam de rota de entrada para a área indígena e serviam para abastecer os invasores.

"A gente identificou um processo aceleradíssimo [de desmatamento], o que coloca em risco a população indígena que vive na área. Há uma ocupação acelerada no local", explicou Lanna.

17.jan.2020 -  A primeira operação realizada pelo Grupo de Controle de Desmatamento da Amazônia (GCDA) do Ibama em 2020 resultou na apreensão de 5 mil litros de combustível e na aplicação de dois autos de infração, que totalizam R$ 250 mil. As penalidades foram aplicadas a dois postos de abastecimento clandestinos identificados na zona rural do município Senador José Porfírio, no Pará - Divulgação - 17.jan.2020/Ibama - Divulgação - 17.jan.2020/Ibama
O Ibama apreendeu 5 mil litros de combustível
Imagem: Divulgação - 17.jan.2020/Ibama

Senador chama fiscais de bandidos

As operações causaram revolta entre os moradores da Vila Mocotó, povoado que cresceu no entorno da TI e fica na rota dela. Eles chegaram, na terça-feira passada, a proibir a saída das equipes de fiscalização com o combustível apreendido. Eles alegam que, sem os postos, não tem como abastecer maquinário agrícola e veículos. A proibição durou algumas horas, mas foi liberada a passagem no mesmo dia.

Também há pressão política para produção no local. Irritado com as operações na área, o senador Zequinha Marinho (PSC-PA) procurou autoridades locais e nacionais para tentar barrar as operações em curso.

Em um vídeo gravado na quarta-feira, ele acusa servidores do Ibama de atearam fogo em casas e carros, classificando fiscais de "malandros" e "bandidos". Ele defende ainda que a PM não atue mais nessas operações do Ibama.

Em nota enviada à reportagem, o senador confirmou a informação citando que relatos e vídeos confirmam que casas foram queimadas e famílias estão desamparadas. Ainda segundo Zequinha, a crítica é feita pelos excessos que estariam sendo cometidos nas ações do Ibama.

Os vídeos apresentados pelo senador mostram ao menos uma casa destruída, mas não é possível identificar quem botou fogo nem a localização o imóvel.

Em suas redes sociais, Zequinha publicou fotos de encontros, em Brasília, com o presidente do Ibama, Eduardo Bim, e com outras autoridades pedindo para que as ações sejam cessadas.

O UOL procurou a assessoria de imprensa do Ibama, para que se pronunciasse, mas não obteve retorno até o momento.

Em recomendação enviada ao Ibama hoje, o MPF pede a continuidade das operações na TI pela "necessidade de que sejam descaracterizados, destruídos ou inutilizados quaisquer máquinas e instrumentos que estejam sendo utilizados para a prática de crimes ambientais dentro da terra indígena Ituna-Itatá."

Greenpeace vê grilagem clara

Para o Greenpeace, o alto índice de desmatamento na TI é fruto de uma "clara tentativa de promover a grilagem deste território."

"O governo federal declarou algumas vezes sua intenção de rever terras indígenas e de não demarcar novos territórios. Dessa maneira, grileiros estão se antecipando para criar um fato consumado para legalizar esta terra, ainda não demarcada, que deveria estar protegida. O fato é ainda mais grave pelo status de interditada que traz restrições devido a presença de índios isolados", afirmou a entidade em nota.

Em setembro do ano passado, o Greenpeace sobrevoou o local e viu que muitos desmatadores substituem a floresta por capim para se declararem "proprietários". "E a tendência é que o desmatamento e as invasões para grilagem na região continuem a crescer: de acordo com o Deter [sistema de alertas de desmatamento do INPE], de agosto a outubro de 2019, foram registradas alertas de desmatamento em 1.986 hectares", diz a entidade.