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Homem diz que sofreu racismo em shopping, e reação viraliza: 'Tá na Suíça?'

Lucas Raposo

Colaboração para o UOL, em Manaus (AM)

13/11/2020 19h10

Um vídeo que viralizou ontem nas redes sociais mostra a reação nervosa de um homem que disse ter sido vítima de insultos racistas proferidos por uma mulher, ainda não identificada, enquanto se preparava para lanchar com a família em um shopping de Manaus (AM).

O homem do vídeo é o fisioterapeuta Afonso Celso, de 54 anos. Nascido no estado do Rio de Janeiro, Celso mora em Manaus há 13 anos e é casado com uma amazonense.

Em entrevista ao UOL, ele conta que, na tarde de ontem, estava na praça de alimentação do Amazonas Shopping Center com a esposa e quatro netos, todos pequenos. Ele diz que tudo começou quando caminhava em direção à mesa onde a família o esperava, e acabou esbarrando sem querer com o joelho na bolsa da mulher, que estava pendurada no encosto da cadeira.

Ao perceber a situação, a mulher teria reagido com desconfiança. "Notei que ela pegou a bolsa e conferiu, como se eu tivesse roubado alguma coisa. Até então, não vi nada demais. Mas me dirigi a ela para pedir desculpas, e ela perguntou se eu estava cego", relata.

Foi neste momento que as ofensas aconteceram, segundo o fisioterapeuta. Afonso Celso conta que, ao retornar à mesa onde a família o aguardava, ouviu nitidamente a agressora afirmar que tal atitude era "coisa de preto". Ele afirma que, segundo testemunhas, ela também teria proferido as expressões "tinha que ser preto" e "preto mal-educado".

"Na hora, fingi que não ouvi, mas começou o burburinho nas mesas próximas a nós, com pessoas revoltadas. A mulher estava no telefone com alguém e continuou falando como se o problema não fosse com ela", diz.

Após a mulher se levantar, Afonso, já nervoso com os ataques, respondeu à altura e, chamando-a de racista, rebateu as ofensas.

"Racista! Esse país aqui é meu também. Qual o problema? Tá na Suíça? Racista! Racista! Racista! Quem é você? 'Tinha que ser preto por quê? Filma, filma. Palhaça! Tá no país errado!", reagiu.

Os vídeos que mostram a reação de Celso viralizaram nas redes sociais. "Fui me emocionando muito. Tenho 54 anos e uma vida ilibada. Sempre fui um lutador, um guerreiro. Infelizmente, eu extrapolei. Eu estava muito nervoso, muito preocupado com a minha família, principalmente com meus netos, que estavam chorando, sem entender o que estava acontecendo."

Vítima cobra que shopping identifique agressora

Ainda segundo relato de Celso, inicialmente, a segurança do centro de compras teve uma participação tímida e se preocupou apenas em não deixar ele se aproximar da mulher. Após a situação se acalmar, o shopping pediu desculpas e isentou a vítima do pagamento de estacionamento. Mas ele cobra uma ação mais efetiva do centro comercial para que a agressora possa ser identificada.

"Quero que o shopping identifique esta pessoa. Ao sair do shopping, tive que deixar toda a minha identificação com a segurança. Tudo! Endereço, CEP, número de telefone e cópia da carteira de identidade. Deixei tudo meu. Espero que o mesmo tenha sido feito com ela", cobrou.

Em nota, divulgada ainda na noite de ontem, o Amazonas Shopping disse não compactuar com o ocorrido e se colocou à disposição para prestar apoio ao cliente.

"O centro de compras não compactua com qualquer ato de discriminação ou preconceito. Ressalta ainda que preza por um ambiente de diversidade, acolhedor e boa convivência entre todos que o visitam. A equipe de segurança acompanhou o episódio e se colocou à disposição do cliente para auxílio no registro da ocorrência", diz a nota.

Vídeo mostra homem reagindo a suposto caso de racismo em shopping de Manaus (AM) - Reprodução/Montagem - Reprodução/Montagem
Vídeo mostra homem reagindo a suposto caso de racismo em shopping de Manaus (AM)
Imagem: Reprodução/Montagem

Boletim de Ocorrência

Celso conta que registrou Boletim de Ocorrência na manhã de hoje. A esperança é que a repercussão do caso possa contribuir para a sua resolução. "Quanto maior a divulgação, melhor será para que a gente tenha, pelo menos, uma resposta. Estou sendo cobrado por essa resposta".

Afonso Celso finaliza dizendo que, apesar de nunca ter passado por situação parecida ao longo de seus 54 anos, a agressão sofrida por ele em nada muda a relação de amor que ele tem com o estado do Amazonas e a cidade de Manaus.

"Quando o racismo acontece em um local de lazer, de tranquilidade, onde vamos com a família e com crianças, você ficar sem recursos para debater, é muito triste. Nunca sofri isso. Foi muito desagradável mesmo. Mas este é o estado que sempre me tratou muito bem. Amo o povo do Amazonas e este episódio em nada muda a minha relação com a cidade e com o estado", afirma.

Agressora pode ser enquadrada no crime de racismo, diz OAB-AM

A presidente da Comissão de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Amazonas (OAB-AM), advogada Ana Carolina Amaral, explica que, como a agressora ainda não foi identificada até o momento, não há muito o que fazer judicialmente com relação às agressões.

Mesmo assim, a comissão estuda a possibilidade de encaminhar um ofício ao Amazonas Shopping questionando o motivo pelo qual não houve uma mobilização dos seguranças, ou se há algum tipo de treinamento que oriente como a segurança deve agir na prática de crimes de injúria racial e racismo.

Ana Carolina acredita ainda que, assim que for identificada, a agressora poderá ter sua conduta enquadrada como injúria racial ou crime de racismo. "Entendemos que, ao mesmo tempo que ela o ofende, única e exclusivamente por ele ser negro, ela acaba ofendendo toda a comunidade e a negritude de forma geral. A fala dela é muito agressiva e, infelizmente, não é uma fala incomum", explica.

Ela esclarece ainda que a comissão se coloca à disposição para esclarecer quaisquer dúvidas de pessoas que forem vítimas de casos semelhantes e tiverem dúvidas de como proceder. "Em um primeiro momento, o caso deve ser levado a uma autoridade policial para que os fatos possam ser apurados", orienta.