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Favelas são obstáculo para os grandes planos do Brasil para as Olimpíadas

Simon Romero

The New York Times, no Rio de Janeiro

06/03/2012 06h00

Supostamente deveria ser um momento triunfante para o Brasil.  Nos preparativos para os Jogos Olímpicos de 2016 que serão realizados aqui, as autoridades celebraram os planos para um “Parque Olímpico”, completo com um novo parque à beira da lagoa e vilas para os atletas, os apregoando como “um novo pedaço da cidade”.

Havia apenas um problema: as 4.000 pessoas que já vivem naquela parte do Rio de Janeiro, em uma ocupação ilegal de décadas que a prefeitura deseja remover. Recusando-se a sair facilmente e levando sua luta às ruas e à Justiça, elas têm sido uma pedra no sapato da prefeitura há meses.   

“As autoridades acham que progresso é demolir nossa comunidade, para que possam realizar as Olimpíadas aqui por poucas semanas”, disse Cenira dos Santos, 44 anos, que possui uma casa na favela, conhecida como Vila Autódromo. “Mas nós os assustamos ao resistirmos.”

Para muitos aqui, a realização da Copa do Mundo de futebol de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 em solo brasileiro é a expressão maior da elevação do país ao palco mundial, símbolos perfeitos do novo poder econômico e posição internacional.

Mas algumas das forças que permitiram a ascensão democrática do Brasil como potência regional --a expansão vigorosa da classe média, a independência de sua imprensa e as expectativas cada vez maiores de sua população-- estão infernizando os preparativos para ambos eventos.

Nos canteiros de obras dos estádios, os operários, ávidos em compartilhar da crescente riqueza ao seu redor e recém-empoderados pela taxa de desemprego historicamente baixa do país, estão pressionando agressivamente por aumentos salariais.

Os sindicatos já estão realizando greves em pelo menos oito cidades onde estádios de futebol estão sendo construídos ou reformados, incluindo uma greve em fevereiro de 500 operários na cidade de Fortaleza, no Nordeste, e um movimento nacional de 25 mil operários nas obras da Copa do Mundo tem ameaçado entrar em greve. Os atrasos nas obras estão alimentando problemas com a Fifa. O secretário-geral da entidade, Jerome Valcke, disse no final da semana passada que os organizadores brasileiros estão atrasados, acrescentando: “Vocês precisam de um impulso, é preciso dar um pontapé na bunda e organizar esta Copa”. O ministro dos Esportes do Brasil reagiu no fim de semana, dizendo que os comentários de Valcke foram “ofensivos”.

Enquanto isso, os moradores de algumas favelas que enfrentam despejo, estão se unindo e resistindo, diferente dos preparativos para as Olimpíadas de 2008 em Pequim, onde as autoridades removeram facilmente centenas de milhares de famílias da cidade para os Jogos.

Os moradores estão usando câmeras de vídeo e redes sociais para divulgar sua mensagem. E às vezes recebem ajuda da vibrante imprensa brasileira, de causar inveja a outros países latino-americanos.

Não apenas a imprensa e novos blogs concentram sua atenção nos despejos, como também perseguem as autoridades acusadas de corrupção envolvendo os planos para as Olimpíadas e para a Copa do Mundo.

“Esses eventos deveriam celebrar as realizações do Brasil, mas está acontecendo o oposto”, disse Christopher Gaffney, um professor da Universidade Federal Fluminense. “Nós estamos vendo um padrão insidioso de desrespeito pelos direitos dos pobres e estouros de custo que são um pesadelo.”

A cultura política do Brasil também contribuiu com sua parte para os atrasos, com escândalos de corrupção envolvendo importantes autoridades dos esportes.

Mas a remoção das favelas tem causado um desconforto nas ruas. Uma rede de ativistas em 12 cidades estima que até 170 mil pessoas poderão ser despejadas antes da Copa do Mundo e das Olimpíadas. No Rio, despejos estão ocorrendo em favelas por toda a cidade, incluindo a favela do Metrô, perto do estádio do Maracanã, onde os moradores que se recusaram a sair vivem em meio aos escombros das casas demolidas.

Os despejos estão trazendo de volta fantasmas em uma cidade com um longo histórico de remoções de favelas inteiras, como nos anos 60 e 70 durante a ditadura militar do Brasil. Milhares de famílias foram deslocadas das favelas em áreas litorâneas nobres para a distante Cidade de Deus, a favela retratada no filme homônimo de 2002.

À medida que o Rio se recupera de um longo declínio, alguns novos projetos são altamente bem-vindos, como um elevador para uma favela em um morro em Ipanema, ou os novos bondinhos nas favelas do Complexo do Alemão. As autoridades também insistem que os despejos, quando considerados necessários, seguem a lei, com as famílias recebendo indenização e uma nova moradia.

“Ninguém é despejado a não ser por um motivo importante”, disse Jorge Bittar, o secretário de Habitação do Rio.

Mas alguns moradores de favela acusam as autoridades de contribuir para desigualdades já consideráveis. O boom econômico do Brasil provocou despejos por todo o país, às vezes independente dos Jogos. Em várias cidades, os favelados frequentemente só descobrem que suas casas podem ser demolidas quando literalmente são marcadas para remoção.

Em Manaus, a maior cidade do Amazonas, os moradores encontraram as iniciais BRT, uma referência ao novo sistema de transporte, pichadas nas casas que seriam demolidas. Em São José dos Campos, uma cidade industrial, uma remoção violenta em janeiro de mais de 6.000 pessoas prendeu a atenção do país, quando tropas de choque invadiram, entrando em choque com ocupadores armados com bastões de madeira.

No Rio, muitas pessoas que enfrentam despejo moram nos bairros no oeste da cidade, onde grande parte dos espaços olímpicos está localizada e as favelas persistem em uma área vasta de condomínios margeados por palmeiras e shopping centers.

“A lei brasileira está se adaptando para a realização dos Jogos, não os Jogos estão se adaptando à lei”, disse Alex Magalhães, um professor de direito da Universidade Federal do Rio.

Organizações formadas pelos favelados também estão usando a lei e as redes sociais, em um país com o segundo maior número de usuários do Twitter, atrás apenas dos Estados Unidos.

Uma das disputas mais duras gira em torno da Vila Autódromo, uma favela marcada para remoção para abrir espaço para o Parque Olímpico.

“A Vila Autódromo não tem nenhuma infraestrutura”, disse o secretário Bittar. “As ruas são de terra. A rede de esgoto vai direto para a lagoa; é uma área absolutamente precária.”

Muitos na Vila Autódromo veem as coisas de modo diferente. Alguns têm casas espaçosas construídas por eles mesmos. Goiabeiras fazem sombra nos quintais. Algumas ruas têm carros estacionados, um sinal da expansão da classe média baixa do Brasil.

Os moradores levaram sua luta para a Internet, postando vídeos de discussões com as autoridades. Eles começaram a trabalhar com a Defensoria Pública buscando a paralisação da remoção, apesar de terem perdido em uma decisão chave recentemente.

A imprensa noticiou que a prefeitura do Rio pagou R$ 19,9 milhões para duas construtoras pelo terreno para assentamento dos moradores da Vila Autódromo; as duas empresas doaram fundos para a campanha de Eduardo Paes, o prefeito do Rio. Paes negou qualquer ação imprópria, mas cancelou prontamente a compra do terreno.

Ainda assim, as autoridades dizem que planejam remover a favela para abrir caminho para avenidas em torno do Parque Olímpico, levando os moradores a buscar novas estratégias para resistir ao despejo. “Nós somos vítimas de um evento que não queremos”, disse Inalva Mendes Brito, uma professora na Vila Autódromo. “Mas quem sabe se o Brasil aprender a respeitar nossa escolha de permanecer em nossas casas, as Olimpíadas venham a ser algo para ser celebrado no final.” (Erika O’Conor e Taylor Barnes contribuíram com reportagem)