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Papa Francisco torna Igreja mais acolhedora, mas evita temas polêmicos, dizem analistas

Fernanda Calgaro

Do UOL, em Brasília

25/12/2013 06h00

Com o mérito de trazer novos ares à Igreja Católica, o papa Francisco já sinalizou, porém, que a abordagem diante de temas polêmicos, como o aborto e o divórcio, não deve mudar. Por mais que ele proponha uma renovação da Igreja, uma guinada doutrinária é improvável, avaliam teólogos ouvidos pelo UOL.

Condizente com as demonstrações de humildade que tem dado desde que assumiu em março, com a renúncia de Bento 16, Francisco defende uma igreja mais próxima dos pobres. Ele prega também uma “religião da alegria”, amparada em três virtudes básicas: esperança, fé e caridade.

Associadas a isso, a linguagem mais coloquial e as inúmeras ocasiões em quebrou o protocolo, driblando a sua segurança para beijar o público, criaram uma empatia quase que imediata com os fiéis, algo de que seu antecessor não gozava.

No entanto, embora defenda um papel mais acolhedor da Igreja e já tenha dito que não se pode condenar os gays, sua postura, na essência, pouco difere da de Bento 16.

Da renúncia de Bento 16 a visita do papa Francisco ao Brasil

“O divorciado continua cristão, mas se nega a ele o sacramento da comunhão. Será que a Igreja vai sempre vê-lo como um demônio estigmatizado?”, questiona o teólogo Ubirajara Calmon Carvalho, professor aposentado de filosofia da UnB (Universidade de Brasília).

Os discursos do papa têm tratado de questões mais “superficiais” ou, nas palavras de Carvalho, dos “confeites do bolo”, que, no seu conteúdo, permanece intocado.

“Ele faz uma opção por esta alegria da salvação, com o perdão ao próximo, dizendo que ela deve permear a prática pastoral. Mas essa alegria é o confeite de um bolo. É importante, mas o mais importante é a substância do bolo. É preciso fazer uma abordagem mais crítica à teologia”, afirma. “A alegria de ser cristão não basta.”

Entre os temas que Carvalho considera que continuam relegados pela igreja e que mereceriam ser tratados de forma honesta estão o uso da pílula anticoncepcional, o casamento gay e o sacerdócio feminino, sem contar dogmas históricos.

“O próprio papa falou em discutir a partir do Código do Direito Canônico, mas isso nos faz enrubescer de vergonha das situações tão inquisitórias desses temas. Por esse código, protestantes, por exemplo, não são vistos como irmãos separados, mas como heréticos. E a heresia é considerada crime. São discussões históricas que exigem uma reflexão pesada”, diz.

O teólogo Paulo Bosco, professor da Universidade Católica de Brasília, discorda e observa que, antes de tratar dessas questões de fundo, o papa precisa lidar com coisas mais práticas -- por exemplo, reorganizar a Cúria Romana, alvo de escândalos financeiros.

“Discutir esses dogmas não é o primeiro desafio do papa. A minha linha de pensamento é que não se pode começar uma coisa sem resolver a outra. A Cúria dá eficácia à administração da Igreja”, avalia.

Com a missão de tornar os atos da Cúria mais transparentes, o papa promoveu uma dança das cadeiras e implantou rígidos processos contra a lavagem de dinheiro.

“Em linhas gerais, o papa Francisco precisa antes tornar a estrutura menos pesada para ser mais pastor”, diz Bosco, que vê poucas chances de, num futuro próximo, a Igreja mudar sua posição diante de assuntos polêmicos, como aborto e divórcio.

Para ele, o que Francisco traz de inovador é falar diretamente sobre esses tabus para a igreja, mas sem que isso indique nova doutrina.

Igreja mais próxima

Se de um lado o papa já começou a impor seu ritmo na gestão da instituição, de outro, seu esforços pastorais também têm surtido efeito, de acordo com o secretário-geral da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), dom Leonardo Ulrich Steiner.

Segundo ele, a orientação para que as paróquias dialoguem mais com as comunidades tem se refletido em fiéis mais envolvidos na vida da igreja, embora o maior engajamento não implique, necessariamente, em mais seguidores.


“Não sei se podemos falar em aumento no tamanho do rebanho. A questão principal não é essa. Temos percebido mais alegria nas nossas comunidades e famílias. Também um retorno de pessoas à vida evangelizadora e sacramental da Igreja. O que nos encanta é percebermos como o Santo Padre está devolvendo a alegria de ser cristão. (...) Não termos receio de errarmos, sairmos, buscarmos e encontrarmos uma Igreja peregrina.”

Ciente dos desafios da igreja, porém, dom Leonardo lista uma série deles, incluindo a tentativa de estar mais próxima do povo e dos pobres nas periferias. “Uma presença que possa ser identificada, assumida, amada. Uma presença que gere comunidades (...) de tal forma dinamizadas que se sintam parte de uma comunidade maior como a diocese, a prelazia.”

Falar a mesma língua que os fiéis em tempos de redes sociais se mostra como outro item a ser superado.

“[Temos] O desafio da comunicação. Tantos meios à nossa disposição e, a cada dia, mais sofisticados de um lado e mais simples de outro. A comunicação está mudando. Como pode o Evangelho, de um lado, perpassar esses meios e, por outro, como eles podem ser modo de anúncio”, observa o secretário-geral da CNBB.

O mesmo, diz, se aplica à relação da ciência com a religião. “Outro desafio é a realidade da ciência e da técnica. Ciência e técnica são modos de pensar, de se relacionar, construir mundos. A experiência da fé, do homem e da mulher de fé, não está dissociada da ciência, da técnica.”