Topo

Não há o que celebrar, diz diretor de ONG sobre lugar do Brasil em ranking

Manifestantes levantam faixa dizendo "corrupção não" durante protesto em 2013 - Valter Campanato - 7.set.2013/ABr
Manifestantes levantam faixa dizendo "corrupção não" durante protesto em 2013 Imagem: Valter Campanato - 7.set.2013/ABr

Do UOL, em Brasília

03/12/2014 02h00Atualizada em 03/12/2014 12h13

Alejandro Salas é o diretor para as Américas da ONG Transparência Internacional, com base na Alemanha, e que lança, anualmente, um ranking com base na percepção da corrupção do setor público de quase 200 países.

No levantamento divulgado nesta quarta-feira (3), 175 países e territórios foram avaliados. O Brasil subiu três posições em relação ao ranking do ano anterior e ocupa hoje o 69º lugar. Apesar da aparente melhora, Salas disse em entrevista ao UOL que o fato de o país ainda estar na parte de baixo da tabela é uma "vergonha".

  • 37114
  • true
  • http://noticias.uol.com.br/enquetes/2014/12/03/voce-considera-que-a-corrupcao-no-brasil-diminuiu.js

“Estar na parte de baixo do Índice de Percepção da Corrupção é uma vergonha. O Brasil deveria liderar pelo exemplo e ser uma referência para outros países na América Latina e fora dela”, diz.  Confira a entrevista completa:

UOL - De acordo com o Índice de Percepção da Corrupção de 2014, o Brasil melhorou sua posição no ranking. Isso significa que o Brasil é um país menos corrupto do que era no ano passado? Como explicar essa subida? Temos razões para celebrar?

Alejandro Salas - Você está certo. A nota brasileira subiu um pouco, mas é um crescimento de um ponto e isso é insignificante. Não há razão para celebrar. Pelo contrário, eu gostaria de dizer que o que nós observamos hoje no Brasil é uma imobilidade e para o Brasil isso não é uma boa notícia.

$escape.getH()uolbr_geraModulos('embed-citacoes','/2014/entrevista-com-diretor-da-transparencia-internacional-1417523463427.vm')

Um ano sem uma real ou substancial melhora significa um ano perdido em termos de melhora das condições de vida de milhões de brasileiros e em termos de fortalecimento da governança democrática no país. O Brasil está entre as maiores economias do mundo.

Recentemente, o Brasil tem demandando seu lugar como um poder econômico e geopolítico e estar na parte de baixo do Índice de Percepção da Corrupção é uma vergonha.

O Brasil deveria liderar pelo exemplo e ser uma referência para outros países na América Latina e fora dela. Eu insisto: mais um ano sem real ou substancial melhora é uma perda de tempo é ruim para o Brasil.

$escape.getH()uolbr_geraModulos('embed-lista','/2014/ranking-1417615659579.vm')

UOL - Os BRICs [grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul] respondem por algumas das economias mais importantes do mundo,  mas como explicar que eles sejam tão mal avaliados no quesito corrupção?

Alejandro Salas -É difícil colocar todos esses países no mesmo ‘cesto’ quando se trata de boa governança e corrupção. Isso é possível quando se trata de indicadores econômicos, força de trabalho, populações, etc. Esse é o motivo pelo qual eles são chamados de BRICs. Mas quando se trata de corrupção, as coisas variam muito.

No Brasil, Índia e na África do Sul você tem democracias funcionando, com problemas e limitações, mas pelo menos as eleições livres acontecem, há liberdade de expressão e associação e outros princípios de vida democrática. Na China e na Rússia a história é diferente. Então, as origens e os tipos de corrupção podem ser bem diferentes.

 

UOL - O Brasil está bem atrás de alguns de seus companheiros de América do Sul, como Chile e Uruguai. Quais as principais diferenças entre as percepções sobre corrupção nesses dois países e no Brasil?

Alejandro Salas - Esses dois países [Chile e Uruguai] estão bem na frente dos demais países da América Latina. Isso tem a ver com o fato de que eles têm fortes instituições por lá.

Eu sou do México e lá, assim como no Brasil, na Argentina, na Bolívia e muitos outros lugares, a instituição da ‘polícia’ é severamente infiltrada pelo crime organizado, tem poucos recursos e é normalmente vista como parte do problema e não da solução.

No Chile, isso é muito diferente. Os policiais são respeitados e as pessoas confiam neles. Isso faz uma enorme diferença na medida em que cidadãos estarão menos propensos a subornar um policial no Chile em comparação com o que aconteceria no Brasil ou no México.

Outras instituições consideradas ‘chaves’ e que ajudam a reduzir a percepção sobre a corrupção, quando elas são profissionais e respeitadas, são o Poder Judiciário e órgãos reguladores e controladores.

$escape.getH()uolbr_geraModulos('embed-citacoes','/2014/entrevista-diretor-transparencia-2-1417523818052.vm')

UOL - Como você certamente sabe, o Brasil está enfrentando um dos maiores esquemas de corrupção da sua história e que envolve a Petrobras, sua maior companhia estatal. Como você acha que isso pode influenciar o ranking do ano que vem?

Alejandro Salas - O escândalo da Petrobras é um triste lembrete da corrupção crescente e sistêmica. Nós estamos esperando que as investigações continuem e que não haja interferência no Poder Judiciário então, e que desta forma os corrupto, os ‘grandes caras’ no topo da pirâmide e não apenas os bodes expiatórios, como normalmente acontecem, não escapem se eles forem considerados culpados.

Voltando à questão, eu não posso afirmar com certeza [se o escândalo poderá influenciar o ranking de 2015] porque as percepções sobre corrupção são influenciadas por inúmeros eventos, mas não duvide que um escândalo tão grande terá efeitos na percepção sobre o país.

Entretanto, isso não é necessariamente negativo. Isso vai depender de como as autoridades vão lidar com isso. O que nós vemos como uma história triste hoje, como um caso negativo de abuso, se for administrado da forma apropriada, com liderança e determinação pelos líderes do país, poderá terminar sendo o começo de um novo Brasil.

UOL – O caso da Petrobras está sendo tratado como a primeira vez na história brasileira em que executivos das maiores empresas do país estão indo para a cadeia. Na medida em que a corrupção no setor público existe, em larga medida, porque há corruptores no setor privado, é possível acreditar que esse episódio terá algum caráter pedagógico?

Alejandro Salas - Eu acredito que a comunidade empresarial pode aprender porque eles irão aprender, principalmente se eles virem que existe um custo para eles. Se os chefes de grandes e influentes companhias forem considerados culpados e forem para a prisão, isso vai mandar uma mensagem para todo mundo que faz negócios no Brasil.

Se a reputação da companhia é afetada e isso trouxer custos para a companhia, eles irão aprender. Mas, ao contrário, se ninguém for punido pelos escândalos na Petrobras, então todo mundo vai aprender que no Brasil, o Estado de Direito é uma piada que dinheiro é tudo o que importa no país.

Como eu disse antes, a atitude que líderes no país tomarão será a chave para o futuro do país. Eles têm uma responsabilidade agora que o escândalo da Petrobras está diante deles.

UOL - O julgamento do mensalão teve alguma influência na percepção sobre a corrupção no Brasil? Alguns dos entrevistados mencionou alguma mudança vinda desse caso específico?

Alejandro Salas -Eu, pessoalmente, tive altas expectativas quando o caso apareceu na mídia. Eu tive, por algum tempo, a ilusão e elogiei o Brasil por realizar mudanças estruturais como a Lei da Ficha Limpa, a Lei de Acesso à Informação, a criminalização de companhias corruptas etc, enquanto permitia que a Justiça funcionasse e punisse os poderosos e corruptos.

Entretanto, isso não durou muito. Poucas pessoas passaram muito pouco tempo na cadeia e esse processo perdeu o seu impulso. Eu não acho que eu sou o único que pensou dessa forma.

Com certeza, algumas pessoas podem ainda ver isso como algo positivo para a história do Brasil, enquanto para outras, a ilusão do mensalão já desapareceu. Provavelmente, isso também ajuda a explicar porque o Brasil continua na mesma posição no índice.

UOL - Quais são os principais obstáculos que o Brasil precisa superar para melhorar sua posição nos rankings dos próximos anos?

Alejandro Salas - Existem, obviamente, muitas coisas que precisam acontecer non nível das leis, das regras administrativas, educação, incentivos, punição, etc. Mas se você olhar a questão como um todo, os grandes itens que o Brasil precisa enfrentar são:

Acabar com a tolerância com a impunidade em casos de corrupção, especialmente grandes casos de corrupção relacionados a processos rumorosos, abuso político e outros. Petrobras é a oportunidade e eles precisam agarrá-la.

A credibilidade na política e nos políticos precisa, urgentemente, mudar. A reforma política é necessária. As pessoas precisam confiar nos partidos e nos políticos novamente.

Cidadãos precisam conhecer quem financia os políticos e com quanto. Eles precisam ser capazes de saber para quem eles estão votando e, obviamente, os políticos precisam ser responsáveis por seus eleitores. Isso não é ciência de foguetes. É democracia básica.