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Após mais de 30 anos, casal enterra o filho desaparecido durante ditadura no Peru

Maximo Cueto, 86, e sua esposa Gregoria Gastelu, 88, olham os restos mortais de seu filho Cesareo Gastelu, que foi sequestrado pelos militares em 1984 e assassinado - Ivan Vargas/Peruvian Specialized Forensic Team via AP
Maximo Cueto, 86, e sua esposa Gregoria Gastelu, 88, olham os restos mortais de seu filho Cesareo Gastelu, que foi sequestrado pelos militares em 1984 e assassinado Imagem: Ivan Vargas/Peruvian Specialized Forensic Team via AP

Da Associated Press

Em Huamanga (Peru)

06/09/2018 04h01

Um casal de octogenários recebeu das autoridades peruanas os restos mortais do filho mais de três décadas depois que ele foi levado por soldados durante os dias mais sombrios da luta do país andino com os rebeldes maoístas.

O retorno foi parte de um esforço renovado do Peru para resolver essa questão com as famílias de mais de 20 mil pessoas que desapareceram durante o conflito armado.

Maximo Cueto e sua mulher, Gregoria, gastaram a maior parte de suas economias e da aposentadoria à procura do filho, Cesareo, desde que ele foi retirado à força de seu dormitório universitário em uma noite em 1984. Eles vasculharam locais tão distantes quanto a floresta Amazônica e uma antiga penitenciária em uma ilha ao largo da costa de Lima, usada para manter presos políticos na década de 1980.

Gregoria, de 88 anos, até compôs uma canção na língua nativa quíchua para expressar a tristeza da família por não saber o destino do filho.

"Foi uma obsessão", disse o Élder Chipana, neto do casal e sobrinho de Cesareo.

Entre 2008 e 2012, especialistas forenses escavaram um terreno de 7 hectares ao lado de um quartel militar em Huamanga, palco de um dos mais horríveis crimes cometidos pelos militares no sangrento conflito contra o Sendero Luminoso, rebeldes que aterrorizaram o interior do país nos anos 80 e 90.

Lá, foram encontrados os restos de 109 indivíduos. Muitos dos ossos foram queimados em um fogão usado pelos militares para se desfazer de corpos e esconder qualquer evidência de tortura.

Cruz com o nome de Eusebio Hualla Capuana, desaparecido em 1986, em La Hoyada, um campo que foi usado pelo regimento militar "Los Cabitos" em Huamanga, Peru - Rodrigo Abd/AP - Rodrigo Abd/AP
Cruz com o nome de Eusebio Hualla Capuana, desaparecido em 1986, em La Hoyada, um campo que foi usado pelo regimento militar "Los Cabitos" em Huamanga, Peru
Imagem: Rodrigo Abd/AP

Por duas vezes no passado, a família achou que havia encontrado Cesareo entre as vítimas devido às roupas de aparência familiar que foram encontradas com os restos mortais, mas que os testes de DNA voltaram negativos. Então, em julho, eles descobriram que uma pilha de ossos com arranhões no joelho direito e marcas nos dentes, indicando algum tipo de trabalho dentário passado, estava o filho deles, disse o arqueólogo Luis Rueda, chefe da equipe por trás das escavações.

As autoridades esperam que, no futuro, milhares de famílias peruanas que passaram décadas se perguntando sobre entes queridos que desapareceram durante o conflito não terão de esperar tanto tempo pela resolução do assunto. Neste mês, pela primeira vez, os restos mortais de 14 pessoas foram entregues aos entes queridos por causa de uma nova lei que procura simplificar o longo e penoso processo para identificar os mortos no conflito.

Sob a medida, as autoridades podem entregar os restos descobertos pelos cientistas forenses antes de determinar a causa da morte ou concluir uma investigação. As famílias também não precisam mais registrar primeiro uma queixa no escritório do promotor-chefe.

Para a família Cueto, que perseverou diante dos obstáculos burocráticos, a nova lei é uma mudança bem-vinda.

No último sábado (1º), eles finalmente se despediram de seu filho em um mausoléu de família em Huamanga. Uma pequena banda tocava música andina popular enquanto seu caixão de cor marrom passava em cortejo pela cidade que durante anos foi o cenário de uma batalha solitária que eles esperam que outras famílias nunca precisem repetir.