Topo

A santa mumificada que não foi canonizada, mas atrai milhares para cidadezinha na Itália

Mariana Veiga/UOL
Imagem: Mariana Veiga/UOL

Edison Veiga

Colaboração para o UOL em Viterbo (Itália)

09/09/2018 04h00

A noite de 3 de setembro é a mais especial para os moradores de Viterbo, localidade medieval localizada na região italiana de Lazio, a 80 quilômetros de Roma. Neste dia, todos os anos, o número de pessoas da cidade salta dos 68 mil habitantes para quase o dobro –são turistas religiosos que chegam para a procissão em honra a Santa Rosa, a "macchina di Santa Rosa".

Um baldaquino de cerca de 30 metros de altura é carregado pelas ruas da cidade, e evoca a memória da santa por um trajeto de pouco mais de 1 quilômetro pelas ruazinhas históricas de Viterbo. A história da santa é relembrada com devoção por viterbenses e está na ponta da língua dos religiosos que cuidam tanto do museu em sua honra, na casa em que ela viveu, no século 13, quanto do mosteiro onde seu corpo –mumificado– é exposto, até hoje, aos visitantes de todo o mundo.

Irmã Tarcisia, a franciscana que conversou com a reportagem do UOL, não só fez questão de contar sobre a história de fé da menina – que viveu entre 1233 a 1251 e, na adolescência, pregava pelas ruas da cidade – como também citou que o corpo da santa foi analisado cientificamente duas vezes ao longo do século 20. "Na primeira vez, em 1921, verificou-se o ótimo estado dos órgãos internos. O coração estava preservado. E havia duas sementinhas de uva em seu estômago, provavelmente resto da última refeição de Santa Rosa. Sob as ordens do papa, o coração e as sementes foram retirados e postos em relicários", contou ela. Os relicários estão expostos na mesma sala onde está o corpo preservado da santa.

Esta análise de 1921 foi realizada a mando do papa Pio 11. Em 1995, uma nova comissão foi formada para estudar os restos mortais da santa: o objetivo era tentar descobrir do que ela havia morrido, afinal, tão jovem. A equipe contou com médicos, biólogos e paleopatologistas italianos. Os exames mostraram que Rosa tinha uma doença rara, chamada de agenesia total do esterno. Trata-se de uma má formação da parede torácica –que resulta em coração desprotegido dentro do organismo.

"Pessoas que nascem assim morrem em poucas semanas", disse Tarcisia. "De forma que a juventude de Rosa é, por si só, um milagre."

Canonização

Um ano depois de sua morte, o papa Inocêncio 4º, impelido pela comoção popular que já decretava a santidade de Rosa, mandou abrir um processo de canonização para a jovem viterbense. Ele mandou então exumar o corpo de Rosa e, para a surpresa de todos, o mesmo estava muito bem conservado, como se tivesse sido enterrado naquele dia.

Seis anos mais tarde, em 4 de setembro de 1258, o papa Alexandre 4º mandou exumar novamente o corpo de Rosa e enterrá-la na igreja onde ela se encontra até hoje –atualmente chamada de Igreja de Santa Rosa. É este trajeto que é relembrado anualmente pela procissão que traz o baldaquino em honra a Santa Rosa –por isso, o evento é realizado na noite do dia 3, e o dia seguinte é dedicado a orações e vigília.

O processo de canonização de Santa Rosa seria continuado por outros papas –Eugênio 4º e Calixto 3º, principalmente. Em 1457, os trâmites foram concluídos. Mas Calixto 3º acabou morrendo –em 1458– antes de promulgar o decreto da canonização. E nunca essa oficialização acabou feita.

"Há muitos casos de canonização equipolente", comentou o teólogo e filósofo Fernando Altemeyer Júnior, professor do Departamento de Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Canonização equipolente é um processo pelo qual a Igreja reconhece alguém santo sem que tenha cumprido todo o rito formal da canonização –ou seja, a devoção é aceita pela Igreja, ainda que o processo de canonização não tenha terminado conforme manda o protocolo.

Igreja de Santa Rosa de Viterbo, onde a mesma fica exposta, na Itália - Mariana Veiga/UOL - Mariana Veiga/UOL
Igreja de Santa Rosa de Viterbo, onde a mesma fica exposta, na Itália
Imagem: Mariana Veiga/UOL

"De qualquer forma, afirmo com segurança que o nome dela consta no Martirológio Romano, que é o livro oficial onde são inscritos todos e todas santos e beatos. Creio que se trata de 'vox populi vox Dei' ou seja, o povo canonizou e, portanto, está canonizada", completa Altemeyer Júnior. Ou seja: pelos trâmites convencionais da Igreja, ela não teve a canonização concluída. Mas a comoção popular justificou a anuência do Vaticano.

Há uma corrente entre religiosos viterbenses, entretanto, que gostaria de ver o processo concluído. No dia da "macchina di Santa Rosa" do ano passado, uma carta foi enviada ao papa Francisco pedindo para que ele conclua os trâmites ainda em seu pontificado. 

Rosa ainda é uma das poucas santas que têm duas festas litúrgicas oficiais: é celebrada tanto no dia 6 de março, o dia de sua morte, como no dia 4 de setembro, por conta da translação do seu corpo para o local onde está hoje.

Biografia

Ela nasceu em uma família pobre de Viterbo e, conforme conta a tradição, desde muito cedo manifestou uma forte espiritualidade cristã. Há relatos de que ela passava horas e horas em silêncio e oração, e também se diz muito sobre as visões que a menina tinha.

Conforme relata a irmã Tarcisia, era comum que essas visões fossem do próprio Jesus Cristo e de Nossa Senhora –lhe pedindo para olhar pelos pobres. Conta-se que Rosa, desde pequena, escondia dos pais parte do pão do dia para doar a quem mais necessitava.

A história mais conhecida a esse respeito, segundo a tradição, foi de um dia que ela foi surpreendida pelo pai com pães escondidos sob o avental. Ela repreendeu e ela respondeu que o que tinha eram rosas recém-colhidas. Quando ele foi verificar, os pães haviam se transformado em rosas.

Na adolescência, Rosa pregava a fé católica pelas ruas e já era chamada de santa por muitos que a viam.

Ela era tida como doente –mesmo que na época não houvesse o diagnóstico para a rara agenesia total do esterno. Era uma menina fraca. Queria entrar para a ordem das irmãs clarissas, mas teve o pedido de admissão rejeitado pela saúde precária. Acabou se tornando franciscana.