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Como salvar os leões na África? Caçando, dizem conservacionistas

Grupos acreditam que a caça de leões faz parte de uma economia complexa que até agora tem provado ser o método mais eficaz de conservação - Paula French/AP
Grupos acreditam que a caça de leões faz parte de uma economia complexa que até agora tem provado ser o método mais eficaz de conservação Imagem: Paula French/AP

Norimitsu Onishi

Em Olifantsvlei (África do Sul)

15/08/2015 06h00

Antes de os dois caçadores de Texas tomarem café da manhã, Stewart Dorrington atravessou sua fazenda de caça de 4,8 mil hectares. Enquanto o sol do começo da manhã lançava um brilho suave sobre a paisagem, transformada num marrom pálido de inverno, búfalos vagavam pela grama alta, e girafas apareciam junto às árvores.

Dorrington continuou dirigindo, apontando para um anteparo atrás do qual seus clientes norte-americanos esperariam por um alvo para disparar seus arcos. Ele seguiu em frente, passando por uma casa reconstruída depois de um incêndio, quando sua mãe era criança, e por uma represa construída por seu avô, memória e saudade misturadas na região da savana sul-africana.

Em seguida, antílopes cudus atravessaram correndo uma clareira. Dorrington logo passou a falar dos negócios. "O preço do meu troféu de caça é US$ 2.500" para um antílopes, mais de dez vezes o preço pelo qual ele venderia um dos animais pela carne, disse.

"Se proibirem a caça esportiva por troféus, o mercado vai mudar totalmente; ele vai girar em torno do valor da carne, na verdade", menos de US$ 1,50 por quilo, acrescentou. "Então isso vai privar os parques nacionais e parques provinciais de boa parte de seu orçamento."

Muitos cientistas concordam com ele.

Apesar dos pedidos crescentes para proibir ou restringir a caça esportiva na África depois da morte de um leão Cecil, símbolo do Zimbábue, a maioria dos grupos de conservação, especialistas em gestão da vida selvagem e governos africanos apoia a prática como uma forma de conservar a vida selvagem. A caça, eles afirmam, faz parte de uma economia complexa que até agora tem provado ser o método mais eficaz de conservação, não só na África, mas em todo o mundo.

Embora a caça seja proibida nos parques públicos da África do Sul, os animais que estão dentro de suas fronteiras costumam ser vendidos para as fazendas de caça quando suas populações são consideradas excessivas, gerando dinheiro para manter os habitats e combater caçadores ilegais.

Como a caça esportiva é permitida nas reservas privadas de caça, os animais acabam sendo vendidos por preços mais altos do que seriam se fossem mortos pela carne ou outros motivos, argumentam os conservacionistas. A caça de leões, uma das mais lucrativas, gera entre US$ 24 mil e US$ 71 mil por saída, em média, em toda a África, de acordo com um estudo de 2012. No sul da África, o surgimento de um setor regulamentado de caça esportiva em fazendas privadas na década de 1960 ajudou a recuperar vastas extensões de habitats degradados e recuperar certas espécies, como o rinoceronte branco do sul, que tinham sido caçadas quase até a extinção, dizem os conservacionistas.

Uma mudança semelhante aconteceu nos Estados Unidos décadas antes, quando a Lei Pittman-Robertson, de 1937, destinou os recursos obtidos com a caça para a recuperação de terras e animais, eles argumentam.

"Há apenas dois lugares na Terra onde a vida selvagem de fato aumentou em grande escala no século 20, e esses são a América do Norte e a África do Sul", disse Rosie Cooney, zoóloga que é presidente do Grupo Especializado em Uso Sustentável e Modos de Vida da União Internacional para a Conservação da Natureza. "Ambos os modelos de conservação foram construídos em torno de caça."

A oposição à caça esportiva por parte de grupos de defesa dos animais cresceu depois que Cecil, o leão do Zimbábue que tinha um colar de identificação e era monitorado pelos pesquisadores há anos, foi assassinado por um dentista americano de Minnesota.

O caçador profissional do Zimbábue que organizou a caça deve comparecer ao tribunal no mês que vem. O governo do Zimbábue, que há muito tempo tem relações antagônicas com o Ocidente, pediu a extradição do caçador norte-americano, e esta semana o presidente Robert Mugabe culpou os "vândalos" estrangeiros pela morte do leão.

À medida que a condenação se espalhou pelas mídias sociais, várias companhias aéreas anunciaram que parariam de transportar partes de certos animais mortos em caçadas. Entre as companhias estão a Delta, American e United, com sede nos Estados Unidos, de longe o país que mais envia caçadores esportivos para a África.

Os governos da África do Sul e Namíbia, um país considerado como um modelo para os programas de caça que beneficiam as comunidades locais, censuraram a atitude.

"Este será o fim da conservação ambiental na Namíbia", disse o ministro do meio-ambiente e do turismo, Pohamba Shifeta, na semana passada, de acordo com a Agência de Notícias da Namíbia.

Grupos de defesa dos direitos dos animais dizem que é simplesmente antiético matar animais em nome da conservação. Eles alegam –e a maioria dos conservacionistas concorda– que existem problemas com a caça esportiva. Os lucros da caça nem sempre são destinados aos esforços de conservação. Ao contrário da Namíbia, os programas de caça em outros lugares, inclusive um de longa data no Zimbábue, não trazem benefícios para as populações locais.

A caça esportiva é permitida em mais de 20 nações africanas embora as regras variem muito. Em muitos lugares, são vendidas licenças para caçar animais específicos, normalmente aqueles que já passaram da idade de reprodução. As quotas são definidas para manter as populações de determinadas espécies, enquanto a caça de animais ameaçados de extinção, como o rinoceronte preto, é ilegal ou bastante restrita.

Na África do Sul, que abriga o maior setor de caça no continente, é permitido caçar a maioria dos grandes animais dentro de fazendas privadas, entre eles os Big Five (Cinco Grandes): leões, rinocerontes brancos, elefantes, leopardos e búfalos.

A caça excessiva diminuiu o número de leões em algumas áreas, especialmente na Tanzânia, de acordo com um estudo de 2012 feito por pesquisadores vinculados a universidades e ao Panthera, um grupo de proteção de felinos selvagens com sede em Nova York. Ainda assim, os pesquisadores concluíram que a caça excessiva era um risco menor do que uma proibição total.

Um dos autores do estudo, Vernon Booth, especialista que vive no Zimbábue e que trabalhou com gestão da vida selvagem por 30 anos na África, disse que os leões estavam agora protegidos por causa do alto valor atribuído a eles como troféus. Os moradores locais os toleram por causa da renda que eles geram. Sem o dinheiro do troféu de caça, os moradores envenenariam cada vez mais leões, que são considerados perigosos para as pessoas e os animais de criação, disse ele.

"Se houver uma proibição total da caça ao leão, os níveis de tolerância em relação aos leões só vão despencar", disse Booth. "E nas áreas selvagens fora das áreas protegidas, os leões seriam exterminados, e muito rápido." "Mesmo que a caça possa parecer intragável para muita gente no mundo todo, ela é realmente muito, muito necessária", ele acrescentou.

Dorrington passa alguns meses por ano fazendo propaganda nos EUA, de onde vem 95% de sua renda. Seus clientes gastam uma média de US$ 7 mil por viagem e matam entre 120 e 140 animais por ano, disse ele. Depois dos antílopes, os animais mais populares são os impalas e javalis, pelos quais ele cobra US$ 400 e US$ 350 por animal.

Todos os três animais são populares porque produzem troféus atraentes, disse ele, explicando por que a proibição das companhias aéreas podem prejudicar seu negócio.

"Está vendo aquele topi?", diz disse, apontando para um animal parecido com um antílope cujo troféu vale US$ 2.200. “Ele não é um animal muito bonito, mas é raro. Temos muitos deles. Se eu encontrar um caçador que queira um, fico muito feliz.”