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Alto nível de poluição do ar da China desperta a desconfiança da população em seus líderes

Edward Wong

Em Pequim (China)

11/12/2015 06h00

O vermelho é considerado a cor da prosperidade e da boa fortuna na China há séculos, assim como também é a cor do Partido Comunista. Mas nesta semana, a cor adquiriu um significado mais sombrio aqui, já que começou a simbolizar o fracasso do partido em conter a neblina tóxica que coloca regularmente em risco a saúde de centenas de milhões de pessoas no norte do país.

O governo de Pequim soou seu primeiro alerta vermelho de poluição do ar na noite de segunda-feira, levando muitos dos 22 milhões de habitantes da cidade a tomarem precauções até quinta-feira, quando ventos fortes dispersaram a neblina. As medidas de emergência terminaram ao meio-dia.

A declaração foi como um sirene de alerta de guerra: as vendas de máscaras e purificadores de ar foram às alturas e os pais mantiveram seus filhos dentro de casa durante o fechamento obrigatório das escolas.

O comportamento mudou, assim como a mentalidade, em outro dos momentos como os toques que ocorrem regularmente desde 2012, quando o partido começou a relaxar seu controle rígido da informação sobre a qualidade do ar.

De lá para cá, decisões cruciais tomadas a cada intervalo de poucos meses por altas autoridades chinesas ampliaram a conscientização da população sobre a degradação ambiental que aflige a nação, e deram às pessoas mais ferramentas para avaliar os métodos de se protegerem. Mas essas decisões –o alerta vermelho sendo o mais recente– também levantam questões sobre se o partido está à altura do desafio hercúleo de limpar o meio ambiente da China.

Em nenhum outro assunto o presidente Xi Jinping e outros líderes chineses são forçados a caminhar em uma linha tão tênue, entre o controle da informação que tem o potencial de minar sua legitimidade e sua distribuição para cidadãos cada vez mais ansiosos, que consideram essenciais essas revelações. E à medida que cresce a conscientização sobre seu ambiente tóxico, as pessoas estão exigindo soluções fundamentais, não apenas períodos de alerta vermelho que resultam em inconveniências.

Os efeitos temporários que as medidas de emergência buscavam obter não se materializaram: apesar do fechamento de fábricas e do controle rígido do trânsito, a neblina de poluição permaneceu severa em Pequim até que fortes ventos do norte a dispersaram. Por sua vez, isso fez com que milhões ao sul da capital sofressem com ar ainda mais poluído.

"Eu não me importo com o sistema de alerta", disse Kan Tingting, um gerente de café que permaneceu em casa com sua filha de 3 anos na terça-feira. "É sem sentido, se quer saber, porque não resolve nenhum problema real. Nenhum progresso real ocorrerá até que todas as fábricas se mudem e o rodízio de carros se torne permanente."

O rodízio ao qual Kan se referia fazia parte das medidas de emergência e visava manter cerca da metade da frota de 5 milhões de carros de Pequim fora das ruas. Apesar de alguns motoristas terem se queixado e até mesmo violado a regra, outros, como Kan, disseram que desejam que se torne permanente, para reduzir a poluição e desafogar as ruas congestionadas de Pequim.

Acadêmicos e ambientalistas pensam da mesma forma que Kan, dizendo que apesar do progresso do partido em transparência ambiental, algo que beneficia os chineses comuns, o verdadeiro teste é se será capaz de tratar das raízes do problema, que, no caso da poluição do ar, é o uso industrial de carvão, um componente crucial do rápido crescimento econômico do país. As emissões dos veículos são outra grande fonte de poluentes.

"O sistema de alerta é apenas uma medida tampão –dando ao público a capacidade de se proteger da poluição e adotar medidas de emergência para rápida redução da poluição", disse Alex Wang, um professor de Direito da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, que estuda a política ambiental da China. "Mudanças mais extensas no sistema regulatório –algumas já em andamento– são necessárias para corrigir o problema de uma vez por todas."

Wang disse que as medidas positivas por parte das autoridades em relação a transparência e informação dos dados de poluição foram necessárias para a evolução do sistema regulatório.

A China expandiu muito sua divulgação de dados sobre a qualidade do ar há poucos anos, em resposta ao ultraje popular com os níveis extremos de poluição em muitas cidades", ele disse. "Isso aumentou a conscientização popular e transformou 'MP 2,5' em um termo conhecido na China. A longo prazo, dados precisos de monitoramento são a base das mudanças regulatórias necessárias para redução da poluição e proteção da saúde humana."

MP 2,5 se refere a material particulado fino, mortífero, que pode entrar na corrente sanguínea pelos pulmões. Pequim começou a divulgar dados em tempo real sobre MP 2,5 ao público em 2012, após anos de crescente pressão por parte de moradores proeminentes, que usavam plataformas online para fazer exigências.

A qualidade do ar em Pequim na primeira metade deste ano melhorou em comparação ao mesmo período em 2014, com os níveis médios de MP 2,5 caindo em 15%, segundo a agência de notícias estatal "Xinhua".

O alerta vermelho desta semana foi a medida mais recente buscando relaxar a discussão dos riscos ambientais e permitir aos cidadãos expressar suas frustrações. As autoridades de Pequim até mesmo agradeceram aos moradores de Pequim por sua resposta, escrevendo em uma carta aberta na quinta-feira: "A dedicação e pleno apoio da população de Pequim nos tocou profundamente".

As autoridades elevaram o alerta apenas uma semana após serem amplamente criticadas por inação durante um período de vários dias de ar sujo tomar o norte da China, enquanto Xi se reunia com outros líderes em Paris para as negociações da mudança climática.

"Isso mostra que neste momento, finalmente, o governo está pronto para enfrentar o problema", disse Ma Jun, diretor do Instituto de Assuntos Públicos e Ambientais, uma organização não-governamental. "É um passo importante para se chegar a uma solução para esse problema."

As pessoas questionam se o governo em Pequim continuará a elevar o alerta vermelho de acordo com a política de crise do ar anunciada em 2013 e revisada neste ano. A política exige que as autoridades o façam sempre que haja previsão de elevação do índice de qualidade do ar acima de 200 por 72 horas consecutivas. Se as autoridades tivessem declarado código vermelho toda vez desde 2013 em que o índice atendeu a esse critério, elas o teriam feito por oito vezes, em um total de 36 dias, segundo a análise dos dados por autores locais de um popular aplicativo de telefone para qualidade do ar.