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Na fronteira com o México, fazendeiros dizem que muro não funcionará: "é besteira"

Proposta de Donald Trump inclui a construção de uma muralha na fronteira com o México - Todd Heisler/The New York Times
Proposta de Donald Trump inclui a construção de uma muralha na fronteira com o México Imagem: Todd Heisler/The New York Times

Dan Barry

Em Naco, Arizona (EUA)

26/07/2016 06h00

John Ladd tem duas caminhonetes velhas que ele usa para percorrer sua fazenda, que se estende por 16 km junto à fronteira do México. Uma delas é uma Chevy vermelha que há pouco tempo carregou o corpo de mais um atravessador de fronteira que morreu em sua propriedade. A outra é uma Dodge azul com suspensão melhor, e é a que ele dirige agora, por uma estrada de terra em um lugar remoto do Arizona chamado Naco.

À direita dele, o gado vaga entre os arbustos e pastos da fazenda de sua família, com 6.400 hectares. À esquerda, uma série de cercas desemparelhadas se estende na distância, uma com 3,50 m de altura, outra com 5,50 m, uma de tela metálica, outra uma grade vertical, inúmeras partes diferentes.

Ladd, 61, tem o aspecto e os modos típicos de um criador de gado, com bigode espesso, olhar apertado e atitude casual, tudo sob um chapéu de caubói manchado de suor. Voltando-se para oeste, ele aponta locais onde a cerca foi entortada como uma lata de refrigerante. Nos últimos quatro anos, diz, mais de 50 veículos passaram por cortes na cerca em sua propriedade.

Muro na fronteira EUA e México - Todd Heisler/The New York Times - Todd Heisler/The New York Times
O fazendeiro John Ladd caminha ao lado do muro que divide o México e o Estado do Arizona
Imagem: Todd Heisler/The New York Times

Qual é o protocolo quando você encontra traficantes de drogas armados dirigindo na sua terra? "Você estaciona o carro e diz 'Adiós'", diz Ladd. "Você não interfere, porque eles o matariam."

Eis um aspecto da vida cotidiana na fronteira sul, onde as demarcações nacionais são eliminadas pela oferta e demanda do que os Estados Unidos continuam desejando: drogas e mão de obra barata. Os prejuízos incluem direitos humanos, direitos de propriedade, o discurso civil e a segurança da soberania.

Mas a Grande Muralha de Trump, como proposta pelo candidato republicano a presidente, será a solução para os problemas de fazendeiros como Ladd? Se um pó mágico pudesse ser borrifado sobre a terra seca para fazer todos os obstáculos desaparecerem, a começar pelo custo de bilhões de dólares, uma divisão de concreto construída conforme a estética ("linda", com "uma grande e bela porta") e as especificações mutáveis (com 7,5 m, 10 m, 16 m de altura!) de Donald Trump serviria a seu objetivo pretendido?

A resposta ouvida diversas vezes de Ladd e de outros ao longo da fronteira é um cansado não. "O muro?", disse Larry Dietrich, um pecuarista local. "Acho uma besteira."

Mas e se esse lindo muro (o termo usado na plataforma republicana) tiver uma fundação suficientemente profunda para desencorajar os túneis? E se os belos painéis de concreto fossem projetados para impedir a escalada ou arremetidas? E se ele se estendesse por centenas de quilômetros, com sua beleza interrompida apenas por terrenos acidentados, virtualmente intransponíveis?

"Não vai funcionar", diz Ladd.

Muro na fronteira Estados Unidos e México - Todd Heisler/The New York Times - Todd Heisler/The New York Times
Detalhe do muro construído pelo Governo dos Estados Unidos
Imagem: Todd Heisler/The New York Times

Ed Ashurst, 65, um fazendeiro comunicativo que administra terras a cerca de 20 quilômetros da fronteira, é mais assertivo, mas precisa tratar de outra coisa primeiro. "Vou falar sinceramente com você", diz ele com um sorriso de desdém. "Se Hillary Clinton for eleita, eu me mudarei para a Austrália."

O tempo dirá se o fazendeiro do Arizona será obrigado a se misturar ao Outback, mas sua avaliação do plano de Trump é igualmente sucinta. "Dizer que você vai construir um muro de Brownville a San Diego?", diz ele. "É a coisa mais idiota que já escutei. E não vai mudar nada."

A solução preferida pelos fazendeiros é permeada de um fatalismo de que nada vai mudar --sendo o governo o governo, e os cartéis sempre um passo à frente--, então por que se preocupar? Mas aqui vai:

Patrulhas intensivas, 24 horas por dia, ao longo da fronteira são necessárias para que uma cerca ou um muro funcionem; de outro modo, os decididos a atravessar sempre encontrarão um modo. Mas, afirmam eles, se você tiver soldados no local não precisará de nada tão lindo quanto a Grande Muralha de Trump.

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É verdade, o número total de migrantes despencou nos últimos 15 anos. Aqui, no que a Patrulha de Fronteira classifica como Setor Tucson --cerca de 233 mil km2, com 419 km de fronteira--, houve 63.397 prisões no ano fiscal de 2015, comparadas com um número dez vezes maior em 2001.

Paul Beeson, o agente-chefe da patrulha no Setor Tucson, atribui a queda ao aumento de policiais e de equipamento tático, à melhora da economia mexicana e à cerca erguida na fronteira há aproximadamente uma década.

Mas Ladd e outros fazendeiros dizem que houve uma troca perturbadora: menos migrantes, mas muito mais traficantes de drogas.

Muro na fronteira Estados Unidos e México - Todd Heisler/The New York Times - Todd Heisler/The New York Times
Para fazendeiros, a medida não deve barrar os imigrantes
Imagem: Todd Heisler/The New York Times

Beeson reconhece a mudança demográfica e o desafio de enfrentar um adversário com inteligência e capacidade de vigilância comparáveis. "Eles não precisam transportar seu produto hoje", diz ele sobre os cartéis. "Podem fazê-lo amanhã. Podem esperar e observar, e fazem isso. Eles nos vigiam enquanto os vigiamos."

Mas ele diz que a Patrulha de Fronteiras continua reforçando sua "infraestrutura tática" --câmeras com maior resolução, por exemplo, e um uso maior de drones. "Para nós é inaceitável que o pessoal na fronteira experimente esse tipo de atividade", diz Beeson. "Fazemos tudo o que podemos."

É revelador, entretanto, que Ladd nunca carregasse uma arma ou um telefone celular. Isso mudou há seis anos, quando seu amigo Robert Krentz Jr., conhecido por ajudar pessoas de qualquer nacionalidade, foi morto a tiros na fazenda de sua família depois de passar um rádio para seu irmão contando que havia encontrado mais um migrante em má situação. Seu assassinato não solucionado causou revolta nacional e levou a uma lei estadual que se destina a reprimir a imigração ilegal. Também levou a mulher de Ladd a exigir que ele carregue um celular e uma Glock.

Mas na verdade o que uma pistola vai fazer?

Rumando a oeste pela estrada esburacada, Ladd aponta à esquerda e diz, referindo-se aos cartéis: "É aqui que eles cortaram o muro para passar os caminhões".

Ele parece um zelador de museu que memorizou a história das exposições permanentes, comentando a mudança de desenho das cercas enquanto dirige, notando a insígnia das unidades militares que instalaram algumas delas em nome do Departamento de Segurança Interna.

A caminhonete para de repente. "Olhe ali", diz Ladd, apontando à direita. "Tem uma cerca cortada." Deus sabe quantas vezes seus bois fugiram por causa disso.

O fazendeiro coloca luvas brancas em suas mãos grossas e apanha uma bola de arame de amarrar fardos de feno. Logo ele conserta a parte rompida, enquanto nuvens pesadas de chuva vêm do leste, das montanhas Huachuca, e o vento assobia na divisão metálica.