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Opinião - Memes e eu: a internet permite que todos nós façamos campanha

Surfista Daniela Burza se veste de "Nasty Woman" (Mulher Desagradável), durante competição em Santa Monica, Califórnia - Lucy Nicholson/Reuters
Surfista Daniela Burza se veste de "Nasty Woman" (Mulher Desagradável), durante competição em Santa Monica, Califórnia Imagem: Lucy Nicholson/Reuters

Amanda Hess

07/11/2016 06h02

Em 2016, os americanos deixaram de ser apenas espectadores do circo político. Eles também passaram a se apresentar

A internet elevou os simpatizantes ao papel de representantes, capazes de criar suas próprias mensagens e realizar suas próprias campanhas online em suas postagens nas redes sociais. Memes e outras ferramentas da cultura digital os empoderam a manipular imagens de campanha cuidadosamente orquestradas (ou mesmo as gafes dos candidatos) até assumirem novos significados e tomarem conta do ciclo de notícias.

Como demonstrado abaixo, os eleitores, assim como os próprios candidatos, se tornaram hábeis no uso das armas da era das redes sociais, e seu papel promete apenas crescer nas futuras campanhas eleitorais. Assim, mesmo após Donald Trump e Hillary Clinton encerrarem suas campanhas, as próximas gerações de produtos "Deplorável", das postagens Mulher Desagradável no Twitter e dos memes sobre a saúde de Hillary prosseguirão.

Insultos, apossados

O ato de se apossar de insultos tem uma longa história na política americana. "Yankee" era um apelido pejorativo britânico para os colonos americanos antes dos rebeldes começarem a vencer as batalhas e transformar o insulto (e a cantiga britânica de escárnio "Yankee Doodle") em um emblema de honra.

Em 2012, a alegação de Mitt Romney de que se certificou da contratação de mulheres para sua equipe, e que conseguiu fazer isso folheando "pastas cheias de mulheres", foi amplamente ridicularizada, transformada em meme e, finalmente, apossada. Agora há até mesmo uma conferência profissional de mulheres redatoras chamada Saídas das Pastas.

Mas nunca antes vimos as campanhas se esbaldarem com os insultos de seus oponentes com tamanha satisfação. Depois que Trump, durante o terceiro debate, se aproximou de seu microfone e chamou Hillary de "mulher desagradável", hordas de simpatizantes de Hillary correram para se apossar do título em suas contas do Twitter, criam imagens zombeteiras de Hillary como Janet Jackson (Madame Presidente, se você é desagradável) e venderam camisetas estampadas com a ofensa.

Uma metamorfose semelhante ocorreu semanas antes, quando vazou um áudio de Hillary chamando alguns simpatizantes de Trump de "cesta de deploráveis". Agora, "deplorável" está estampado em camisetas e buttons, misturado aos Minions de "Meu Malvado Favorito".

Os candidatos nas futuras eleições poderão novamente desejar por uma disputa limpa e boa. Mas para seus simpatizantes, um insulto apossado representa uma rara oportunidade de se conectar com uma campanha de uma forma visceral e real.

Slogans de campanha como "Mais Fortes Juntos" de Hillary parecem querer agradar grupos focais. Mas "mulher desagradável" ou "deplorável" parecem prêmios tomados do oponente em combate. E são os artefatos perfeitos de campanha para se colocar em contas no Twitter, onde os usuários querem publicar seu apoio a um candidato, ao mesmo tempo telegrafando seu senso de humor e um senso de si mesmo.

Estética do Escândalo, Triunfante

Sejam bem-vindos à era do excesso de informação. Nessa paisagem saturada e cheia de distrações das redes sociais, um pedacinho de propaganda política pode crescer e sobrepujar o fato real, desde que apresentado em um pacote ominoso o bastante.

O jornalista guerrilheiro de direita James O'Keefe é o mestre da criação de uma estética vagamente escandalosa, produzindo vídeos escuros, borrados, com câmera trêmula (e editados de modo seletivo), buscando insinuar conspirações democratas. Mas agora que a maioria dos americanos carrega no bolso dispositivos de gravação, a produção de escândalos deixou de ser domínio de especialistas e ideólogos. O clima democrático até mesmo torna o conteúdo mais convincente.

Um vídeo por celular gravado por um espectador de Hillary Clinton quase desmaiando em um evento marcando o 11 de Setembro colocou a internet de direita em polvorosa, não apenas por revelá-la em um estado de fraqueza, mas também porque o vídeo não foi registrado por câmeras profissionais da CNN ou MSNBC. O vídeo trêmulo parecia algo que o público supostamente não deveria ver.

E em 2016, os fomentadores de escândalo nem mesmo precisam de gravações secretas ou de um vídeo franco; tudo o que basta para incitar as pessoas em um frenesi político é uma imagem em um e-mail e uma ferramenta marcadora online.

Com a ajuda do WikiLeaks, que publicou a correspondência de campanha ilegalmente hackeada de John Podesta, o diretor de campanha de Hillary, em um banco de dados que pode ser facilmente pesquisado, denunciadores amadores podem facilmente revirar os arquivos e isolar qualquer pedacinho que pareça suculento. O marcador promove o escândalo aos gritos, mesmo que o conteúdo seja banal ou simplesmente errado.

Um simpatizante de Trump marcou e tuitou um e-mail do lote do WikiLeaks alegando que ele provava que "John Podesta diz que o islã é uma ameaça ao nosso futuro". Exceto que o e-mail não tinha sido escrito por Podesta, mas sim enviado para ele. Não importa: o tweet original circulou muito mais do que outro que expunha a mentira.

Agora que a mais simples e acessível forma de documento, um e-mail, foi transformada em um roteiro para escândalo, podemos esperar apenas mais hackeamentos, vazamentos e outros atos sinistros à frente. Os hackers que expuseram os e-mails de Podesta e do Comitê Nacional Democrata foram recompensados pelo seu risco. E o trabalho dos fomentadores de escândalos fica muito mais fácil quando tudo o que precisam é apenas encontrar um e-mail, independente do que ele diga.

10.out.2016 - Veterano que apoia o candidato republicano Donald Trump mostra adesivo de carro que diz "Eu sou Deplorável" em evento em Wilkes-Barre, Pensilvânia - Dominick Reuter/AFP - Dominick Reuter/AFP
Veterano que apoia o candidato republicano Donald Trump mostra adesivo de carro que diz "Eu sou Deplorável" em evento em Wilkes-Barre, Pensilvânia
Imagem: Dominick Reuter/AFP

Debates, fontes de milhões de memes

Uma imagem da eleição de 2008 fornece um vislumbre do que as eleições do futuro podem nos reservar. Barack Obama e John McCain estão cruzando o palco durante seu terceiro debate. Obama está à frente, andando normalmente. Atrás dele está McCain. Ele é pego como se andasse com dificuldade, com as mãos estendidas rigidamente à frente, a língua de fora. Nasceu um meme. Seu nome: McCain Zumbi.

Em 2016, o debate presidencial se transformou em uma fonte constante de produção de memes, um vídeo viral ameaçando explodir a partir de cada pequeno olhar ou fala. O palco de debate é um cenário ideal para geração de memes, uma massa crítica de pessoas está focada no evento simultaneamente, e os fundos azuis ou pretos são perfeitos para o isolamento e captura dos tiques dos candidatos.

No primeiro debate, as redes sociais se agitaram com as fungadas de Trump e com a vibração exultante de Hillary. O segundo debate produziu uma sucessão rápida de imagens indeléveis que incendiaram a internet: uma imagem de Trump apertando sua cadeira com uma expressão de aparente gratificação sexual; Trump pairando atrás de Hillary, em uma postura de vilão de filme de terror. E um GIF de Trump, pego fazendo careta e rasgando suas anotações ao final do terceiro debate, que foi retuitada quase 10 mil vezes.

Esses memes são mais que apenas gagues, eles são oportunidades de campanha. Richard Dawkins cunhou o termo "meme" em 1976, o definindo como uma "unidade de transmissão cultural" que persiste "saltando de um cérebro a outro". Assim como os memes da direita usaram imagens de Hillary tossindo e tropeçando para insinuar uma crise de saúde de Hillary, esses memes de Trump ajudaram a prolongar a vida das notícias sobre o tratamento de Trump às mulheres.

Não que os memes tenham essa ideia em mente; mais provavelmente eles lidam com a tortura psicológica do ciclo de campanha por meio de alívio cômico ou simplesmente revirando a paisagem política à procura de uma piada que acumulará seguidores e curtidas. Parece provável que em breve a preparação para debates terá que se adaptar para levar os memes em consideração.

É fácil imaginar um candidato em 2020 planejando um "momento de vibração" para o palco. Mas os memes se movem de forma tão rápida e selvagem que também ameaçam sobrepujar o controle da imagem pelas campanhas. Nenhum candidato é capaz de parecer presidencial em cada frame individual.

Vídeo mostra momento em que Hillary Clinton passa mal em evento do 11/9

TV Folha

O Exército das Redes Sociais, Divisão Republicana

Nas duas últimas eleições, a produção de memes era dominada pelos democratas. A base do partido (jovens, pessoas com diploma superior, pessoas de cor, mulheres) combina com a demografia das pessoas que alimentam a cultura da internet. Mas agora a cultura dos memes chegou até os postos avançados do Facebook dos Estados republicanos.

Considere Joe, o Encanador, aquele americano verdadeiro que ganhou proeminência nas eleições de 2008 e desde então se remodelou como líder da mídia conservadora. Role pelas mais de 2.000 fotos na página dele do Facebook e você verá imagens criadas com a estética dos primórdios da cultura dos memes, imagens estáticas engraçadas e grotescas com frases escritas em grandes fontes Impact brancas.

Mas a candidatura de Trump também fez avanços entre uma constelação de subculturas com forte presença online, entre elas, os ativistas de direitos do homem, dos "artistas da pegação" e nacionalistas brancos, todos alimentadores do movimento da "direita alternativa". O próprio espaço de Trump na internet (ele conta com mais de 12 milhões de seguidores no Twitter, mas já era uma força no site antes mesmo de sua candidatura) tem contribuído muito para mobilizar um exército de direita nas redes sociais.

Não atrapalha o fato de Trump ter conduzido sua campanha com o improviso da cultura dos memes, subordinando uma plataforma fixa em prol da divulgação de frases visando provocar risadas ou vivas. E nas mãos de seus simpatizantes, as imagens são manipuladas para refletir a visão de mundo do candidato. Eles aplicaram em Hillary roupas de prisão com Photoshop, interpretaram uma piscadela como um "leve derrame" e rabiscaram humilhantes piadas de Monica Lewinsky no rosto dela. A criação de memes passou a ser oficialmente um ato bipartidário.

Trump, o mestre do picadeiro de 2016, não dominará a imaginação política para sempre. Mas mesmo quando ele se for, seus maiores apoiadores e oponentes ainda estarão presentes online. A cada ciclo eleitoral, os cidadãos parecem acumular cada vez mais ferramentas para torcer a narrativa política online de acordo com sua vontade, ou no mínimo sentir como se estivessem fazendo isso.