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Se o Colégio Eleitoral é odiado por muitos nos EUA, por que ele é mantido?

Carlo Allegri/Reuters
Imagem: Carlo Allegri/Reuters

Jonathan Mahler e Steve Eder

11/11/2016 06h00

Em novembro de 2000, enquanto a recontagem na Flórida prendia a atenção da nação, uma senadora democrata recém-eleita por Nova York fez uma pausa em sua viagem da vitória pelo interior do Estado para tratar da possibilidade de Al Gore vencer no voto popular, mas perder a eleição presidencial.

Ela foi bem clara. "Acredito fortemente que, em uma democracia, deveríamos respeitar a vontade do povo", disse Hillary Clinton, "e, para mim, isso significa que é hora de acabarmos com o Colégio Eleitoral e passarmos a uma eleição direta de nosso presidente".

Dezesseis anos depois, o Colégio Eleitoral permanece e Hillary repetiu Gore, tornando-se a segunda candidata presidencial democrata na história moderna a ser derrotada por um republicano que recebeu menos votos, no caso de Gore por George W. Bush.

Em seu discurso reconhecendo a derrota na quarta-feira, Hillary não mencionou o voto popular, uma omissão que pareceu sinalizar seu desejo de encorajar uma transição tranquila e civilizada de poder, após uma eleição tão divisora. Mas seu companheiro de chapa, o senador Tim Kaine da Virgínia, não perdeu tempo em acentuar sua votação total mais alta que a de Donald Trump ao apresentá-la.

E a disparidade deixou um gosto ruim nas bocas de muitos democratas, cujo partido venceu no voto popular nacional pela terceira eleição consecutiva, mas não mais controla nenhum poder do governo.

"Se realmente defendemos a noção de um 'governo da maioria', então por que negamos à maioria o candidato de sua escolha?" disse Jennifer M. Granholm, uma ex-governadora de Michigan.

O próprio Trump já criticou o Colégio Eleitoral no passado. Às vésperas da eleição de 2012, ele o chamou de um "desastre para a democracia" em uma postagem no Twitter. Agora, após meses atacando o que chamou de uma eleição "manipulada", ele se transformou no beneficiário improvável de um sistema eleitoral que permite a um candidato vencer uma disputa sem conquistar a maioria dos eleitores.

Nenhum dos apoiadores de Hillary chegou a sugerir que o total do voto popular deveria tirar a legitimidade da vitória de Trump, e a margem no voto popular na eleição de terça-feira foi de fato mais estreita do que a que separou Bush e Gore em 2000. Mas os resultados já estão renovando os pedidos por uma reforma eleitoral.

"Pessoalmente, eu gostaria de ver o Colégio Eleitoral eliminado totalmente", disse David Boies, que representou Gore na recontagem na Flórida em 2000. "Acho que é uma anomalia histórica."

Os defensores do sistema argumentam que ele reduz as chances de intimidantes recontagens nacionais em disputas apertadas, um cenário que Gary L. Gregg 2º, um especialista em Colégio Eleitoral da Universidade de Louisville, disse que seria um "pesadelo nacional".

Uma série de fatores levou à criação do Colégio Eleitoral, que atribui um número fixo de votos a diferentes Estados com base no tamanho de suas populações. Os pais fundadores buscaram assegurar que os moradores dos Estados com populações menores não fossem ignorados. E em uma era anterior à mídia de massa e até mesmo aos partidos políticos, eles temiam que os americanos comuns não teriam informação suficiente sobre os candidatos para fazer escolhas inteligentes. Assim, "eleitores" informados os representariam.

Acima de tudo, alguns historiadores apontam para o papel crítico que a escravidão exerceu na formação do sistema. Os delegados sulistas na Convenção Constitucional de 1787, de forma mais proeminente James Madison da Virgínia, temiam que seus eleitores seriam superados em número pelos nortistas. Assim, o Compromisso dos Três Quintos permitiu aos Estados contar cada escravo como 3/5 de uma pessoa, o suficiente, na época, para assegurar ao Sul a maioria nas disputas presidenciais.

Nas redes sociais, alguns faziam conexões entre essa história e o que viam como um desequilíbrio no Colégio Eleitoral que favorece os republicanos.

"O Colégio Eleitoral sempre fará a balança pender para os eleitores rurais/conservadores/brancos/velhos –originalmente uma concessão aos donos de escravos", escreveu a escritora Joyce Carol Oates pelo Twitter.

Para seus críticos, o Colégio Eleitoral é uma relíquia que viola o princípio democrático de uma pessoa, um voto, e distorce a campanha presidencial, ao encorajar os candidatos a fazerem campanha em apenas um número relativamente pequeno de Estados em disputa.

"Acho isso intolerável para a democracia", disse George C. Edwards 3º, um professor de ciência política da Universidade Texas A&M e autor de um livro sobre o Colégio Eleitoral. "Não consigo encontrar nenhuma justificativa para isso e qualquer justificativa oferecida não resiste a uma análise."

Mas os pedidos para mudança do sistema, que exigiria uma emenda constitucional, provavelmente serão ignorados pelos republicanos que controlam ambas as casas do Congresso.

E apesar da existência de um impulso a favor da reforma após a derrota de Gore, ele se dissipou após Bush e Barack Obama terem ambos vencido tanto no voto popular quanto no Colégio Eleitoral em 2004, 2008 e 2012.

Alguns Estados discutiram uma possibilidade que não necessariamente exigiria uma emenda constitucional: descartar o sistema do vencedor leva tudo, no qual um único candidato fica com todos os votos eleitorais do Estado, independente do voto popular, e, em vez disso, os distribuindo de modo a refletir o percentual do voto popular de cada Estado. Dois Estados, Maine e Nebraska, já fazem isso. Mas mesmo essa abordagem poderia ser contestada constitucionalmente por oponentes, disse Laurence H. Tribe, um professor da Escola de Direito de Harvard.

Para os reformistas, a melhor esperança pode estar no chamado Pacto Nacional Interestados pelo Voto Popular, um acordo entre os Estados para conceder todos seus respectivos votos eleitorais ao candidato que vencer no voto popular em uma dada eleição. Até o momento, 10 Estados e o Distrito de Colúmbia se juntaram ao acordo. Mas ele só entrará em vigor quando um número suficiente de Estados assiná-lo, para garantir que o vencedor no voto popular também vença a eleição.

Por ora, ao que parece, quaisquer mudanças permanecem distantes.

"Eu fico revoltado com James Madison", disse o ex-deputado Barney Frank, democrata de Massachusetts. "Mas acho que não há nada que eu possa fazer a respeito."