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Como três gerações de uma família em Cuba veem a revolução de Fidel Castro

Fidel Castro discursa durante o 30º aniversário da Revolução Cubana - Rafael Perez/ AFP
Fidel Castro discursa durante o 30º aniversário da Revolução Cubana Imagem: Rafael Perez/ AFP

Damien Cave

Em Havana (Cuba)

28/11/2016 10h54

Quando Fidel Castro entrou vitorioso em Havana, em 8 de janeiro de 1959, Juan Montes Torre correu até a rua para aplaudir. Um trabalhador pobre e sem instrução, no interior da região leste de Cuba, ele tinha chegado à capital alguns anos antes e, como a maioria de seus vizinhos, mal podia acreditar no que estava acontecendo.

"Foi um choque emocionante", disse Montes. "Aqueles homens barbados, mal vestidos --eles venceram! E em nome das classes inferiores!"

A partir daquele instante, Montes, na época com 25 anos, manteve-se leal a Fidel Castro, que morreu na última sexta-feira (25). A revolução de Castro lhe deu educação, uma casa e um emprego de policial, no qual algumas vezes protegeu o próprio "comandante".

Mas essa fidelidade se atenuou de geração em geração na família Montes, e em Cuba de modo geral. Seu filho, Juan Carlos, mudou de opinião décadas atrás, ao se chocar com as restrições do governo de Castro. Sua neta adolescente, Rocío, passou a maior parte da juventude sentindo-se desanimada com as condições de seu país.

"Há um grande número de cubanos que se levantam a cada dia e lutam e lutam, e é isso", disse ela em uma entrevista. "Meu sonho é ir embora."

A história de fé e desilusão da família Montes é comum. As famílias cubanas vêm discutindo sobre Fidel desde que ele chegou ao poder.

Na vida, ele foi muitas vezes um enigma; na morte, para famílias cubanas como os Montes, é uma colagem de imagens divergentes, do jovem rebelde inspirador ao velho fora de sintonia.

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O pai

Montes ouviu falar pela primeira vez nos rebeldes "barbudos" quando colhia café e frutas nos campos da província de Guantánamo, no leste de Cuba. Foi no início dos anos 1950, e as famílias pobres da região tinham começado a se unir na revolta contra os ricos proprietários de terras. Castro estava entre os muitos líderes que exigiam melhores condições para os trabalhadores.

Em 26 de julho de 1953, Castro realizou seu maior ataque, ao quartel de Moncada, em Santiago de Cuba. Castro foi preso e se defendeu no tribunal três meses depois com um longo discurso que incluiu a frase "A história me absolverá". Montes tinha decidido então mudar-se para Havana --e torcer por Castro e seus guerrilheiros.

"Havia muita injustiça na época", disse Montes. "Golpes, crime. O governo não se importava com o povo."

A economia cubana estava essencialmente emperrada, com uma desigualdade cada vez maior. Nas áreas rurais como aquela onde Montes cresceu, mais de 90% das casas não tinham eletricidade. Em Havana, as ruas eram cheias de uma mistura de Cadillacs rabo-de-peixe com mendigos maltrapilhos.

Depois de tomar o poder, em 1959, Fidel Castro prometeu mudanças radicais. "Lutamos para dar democracia e liberdade ao nosso povo", disse ele dias depois de sua chegada triunfal a Havana. E ele cumpriu, segundo Montes.

Nos meses seguintes, o governo Castro anunciou planos de reforma agrária e de dar propriedades aos pobres, impostos de 80% para carros de alto custo e gastos adicionais do governo para reduzir o desemprego.

Em dezembro daquele ano, Montes foi contratado como policial. Foi seu primeiro emprego fixo desde que chegara a Havana, e incluía escola grátis. Assim ele foi da educação na quarta série a um diploma colegial.

Montes disse que gostaria que os mais jovens em sua família vissem o contexto maior. "Nós éramos uma família pobre e sem educação antes da revolução", disse. "Então houve uma mudança radical, que ainda está amadurecendo."

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O filho

A entrada da casa de Juan Carlos é coberta de parreiras verdes com cachos de uvas amargas. Mais de uma década atrás, ele dirigiu um restaurante particular, ou "paladar", embaixo das vinhas. Ele também alugava quartos para turistas, até que criou uma nova empresa em que usa seu recém-adquirido passaporte espanhol para viajar ao Panamá, onde compra roupas e outros artigos para vender em Havana.

Ele é membro do que se poderia chamar de geração "resolvedora" --os que aprenderam a resolver ou negociar seu modo de vida, contornando a escassez, os regulamentos e as ineficiências do socialismo cubano em suas etapas mais recentes. Se a imagem que seu pai tem de Castro e da revolução foi moldada pelas mudanças nos anos 1950 e 60, as opiniões do filho foram buriladas pela transição dos agitados anos 1980 para os difíceis 1990.

A mudança foi significativa. Quando a União Soviética desmoronou, Cuba perdeu um protetor que havia fornecido cerca de US$ 4 bilhões por ano em créditos e subsídios. A economia encolheu 34% de 1990 a 1993, com escassez crônica de combustível, sabão, alimentos... praticamente tudo.

Em 1993, Castro legalizou o dólar americano e permitiu que os cubanos fossem trabalhadores autônomos em dezenas de setores, especialmente os que atendem aos turistas. Juan Carlos foi um dos muitos que aproveitaram.

Ele tinha 31 anos na época e já estava frustrado com o modo de operação do governo Castro. Com 20 e poucos anos, trabalhava na alfândega de Cuba, como fizera seu pai depois de sair da polícia. O que Juan Carlos viu, segundo ele, foi um sistema antidemocrático que recompensava o silêncio em vez da iniciativa.

Quando Castro legalizou os pequenos restaurantes, Juan Carlos decidiu abrir um com sua mulher, mas havia um problema: ele precisava da autorização do Comitê de Defesa da Revolução, o órgão local do partido, e o grupo não se reunia havia anos. Então ele se nomeou para liderar o grupo e conseguiu que os moradores apoiassem sua candidatura.

"Eu me tornei presidente para que pudesse abrir o restaurante", disse ele.

Os anos 1990 levaram a uma relativa abertura econômica, mas aos trancos, enquanto Castro e seu irmão Raúl, que assumiu a Presidência em 2006, limitavam as mudanças.

Mesmo com a melhora das relações com os EUA, a vida econômica da ilha continua restrita pela lealdade de Cuba ao controle central.

"É como um acordeão --eles abrem um pouco e fecham", disse Juan Carlos. "Mas nunca abrem totalmente."

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A neta

Rocío sonha em ser historiadora da arte. Ela descreveu Cuba com a sofisticação que vem de uma boa educação e muito tempo para pensar nas coisas. A seu ver, Cuba é um purgatório, e mesmo antes de morrer Fidel Castro era um espectro do passado, mais estudado nos livros escolares do que visto.

"Fidel tinha uma visão enorme", disse ela.

E sim, há muitas coisas que ela diz apreciar na Cuba de Castro: a liberdade nas ruas, sem crime e raramente expostas ao tráfico; a ênfase em educação e cultura.

Mas principalmente, conforme ela passou da adolescência à idade adulta, Rocío quis ir embora. A maioria de seus amigos, segundo ela, pretende sair de Cuba assim que possível.

"Minha geração não se preocupa com política ou ideais", afirmou. "Só queremos sair. No estrangeiro se pode conseguir muito mais. Você pode ser reconhecido por seu trabalho, internacionalmente, pelo mundo."

Ela quer a mesma coisa que seu avô e Fidel Castro queriam quando eram jovens: mudança radical e uma oportunidade justa de ganhar a vida em seus próprios termos.

Fidel Castro partiu. "Ele era um homem do século 20", disse Montes, o avô, em uma entrevista no sábado à noite, e sua neta está pronta há muito tempo para seguir em frente.

"Não temos tempo para esperar", disse ela.