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As fileiras de presos políticos engrossam com o enfraquecimento da democracia na Venezuela

11.set.2015 - Lilian Tintori, mulher do oposicionista venezuelano Leopoldo López, que está preso, em Caracas - Meridith Kohut/The New York Times
11.set.2015 - Lilian Tintori, mulher do oposicionista venezuelano Leopoldo López, que está preso, em Caracas Imagem: Meridith Kohut/The New York Times

Nicholas Casey e Ana Vanessa Herrero

05/04/2017 04h01

Para Braulio Jatar, era o maior furo jornalístico dos últimos anos: o presidente da Venezuela sendo perseguido por uma multidão berrando de fome, batendo em panelas e frigideiras.

As fotos e vídeos do presidente Nicolás Maduro logo apareceram no site de notícias de Jatar, o Reporte Confidencial, e se espalharam por todo o país. A turba que cercava Maduro foi um choque para a Venezuela, uma vez que era comum de se ver pessoas raivosas nas filas para comida e até mesmo tumultos, mas nunca ninguém havia emboscado o presidente dessa maneira.

Antes de ir dormir, Jatar disparou uma série de mensagens no Twitter, algumas delas aludindo a depoimentos de testemunhas que ele divulgaria em breve no seu programa de rádio das 9h. Mas ele não teve essa oportunidade, e hoje ele está trancafiado em uma cela, como prisioneiro político, segundo alguns ativistas.

A Venezuela deu esta semana seu maior passo na direção de uma ditadura de Maduro, quando seus legalistas no Supremo Tribunal destruíram a legislatura controlada pela oposição do país, tomando os poderes do único corpo visto como uma oposição à crescente autoridade do presidente.

Mas a manobra foi só parte de um afastamento da democracia que vem ganhando um ímpeto constante no país ao longo do último ano, visto de forma evidente nas celas das prisões, onde as fileiras de prisioneiros políticos vêm engrossando.

Essas celas estão repletas de conhecidos opositores de Maduro, como um ex-prefeito de uma área rica de Caracas que foi condenado a mais de 13 anos de prisão, acusado de incitar violência, acadêmicos que se manifestaram, e jornalistas como Jatar, cuja família diz que ele estava simplesmente fazendo seu trabalho quando foi detido em setembro.

Pelo menos 114 prisioneiros políticos estão atrás das grades na Venezuela, de acordo com a Fórum Penal, uma organização de direitos humanos que monitora prisões políticas no país, um número que no ano passado era de 89. O grupo diz que desde que Maduro assumiu o poder em 2013, o governo deteve 6.893 pessoas e prendeu 433 por motivos políticos.

“A repressão se elevou a um nível brutal”, disse Alfredo Romero, diretor do grupo. “Esse aumento vem da impopularidade de Maduro.”

A situação se tornou urgente para os vizinhos da Venezuela, sendo que 14 deles escreveram uma rara declaração conjunta na semana passada pedindo para que a Venezuela solte os prisioneiros como um passo na direção da restauração das normas democráticas.

Nesta semana, diplomatas da região se encontraram na Organização dos Estados Americanos, um grupo de diplomacia regional, para discutir os passos para possivelmente expulsar o país do grupo por causa de seus prisioneiros políticos, entre outras acusações de violações da carta democrática do bloco.

O presidente Donald Trump também deu sua opinião. Em fevereiro, ele postou no Twitter uma foto de si mesmo e outros oficiais no Salão Oval junto com Lilian Tintori, uma ativista da oposição cujo marido, Leopoldo López, se encontrava preso.

Trump escreveu que López, ex-prefeito de Caracas, deveria ser solto imediatamente.

A detenção de prisioneiros políticos não é algo novo na Venezuela. Foram os números que cresceram no mandato de Maduro, segundo grupos de direitos humanos.

Seu antecessor Hugo Chávez prendeu opositores, incluindo um juiz adversário. Mas analistas dizem que Chávez na maioria das vezes procurava evitar divergências direcionando as receitas obtidas com o petróleo do país, às vezes a mais de US$ 100 (R$ 311) o barril, para programas sociais que fortaleciam sua popularidade.

Mas Maduro enfrentou a queda no preço do petróleo e anos de má administração econômica, o que levou à falta de alimentos e medicamentos básicos. Desde outubro, a moeda da Venezuela, o bolívar, tem estado em queda livre, com o dólar no mercado paralelo subindo 350% em seu auge, deixando os alimentos ainda mais fora de alcance e afundando a popularidade do presidente.

Essas condições levaram aos protestos contra Maduro na Ilha de Margarita, onde o jornalista Jatar foi preso.

Sua publicação, a Reporte Confidencial, tinha um longo histórico de registros sobre os altos de baixos da ilha, a leste da costa da Venezuela, tendo começado como um panfleto semanal em 2006. Mais tarde ela se expandiu para o site, onde continuou operando com um orçamento mínimo e uma pequena equipe. Ela se tornou conhecida por suas investigações, inclusive sobre o uso indevido de terras por um juiz e uma sobre um governador de Estado associado a um esquema de corrupção ligado a alimentos subsidiados.

“Se ninguém mais queria publicar, a Reporte Confidencial publicava”, disse Yusnelly Villalobos, assistente de Jatar.

A mulher de Jatar, Silvia Martínez, disse que uma vez ele foi ameaçado pelas autoridades quando ele enviou repórteres para cobrir manifestações contra o governo em 2014. A política invadiu a casa e o escritório deles, levando embora computadores.

Mas isso não os preparou para o que viria a acontecer após a perseguição dos manifestantes a Maduro naquela noite de setembro do ano passado.

O protesto, que logo se espalhou pela internet através de sua hashtag “#cacerolazo”, ou “panelaço”, foi um grande constrangimento para Maduro. Naquela semana a oposição havia reunido um público estimado de 1 milhão de pessoas em Caracas para protestar contra a falta de alimentos e exigir sua saída. O presidente havia voado até a Ilha de Margarita para o que ele esperava ser uma recepção receptiva em uma região onde tanto ele quanto Chávez venceram nas eleições.

Depois de inaugurar um conjunto habitacional popular, Maduro parou seu comboio na cidade de Villa Rosa, para caminhar entre uma multidão do que ele pensava serem seus simpatizantes. Mas eles o perseguiram pelas ruas.

Na manhã seguinte, Jatar saiu para apresentar um programa de rádio, também dirigido por ele, no qual ele planejava continuar sua cobertura dos protestos da noite anterior.

“Sintonizei o rádio para ouvi-lo”, disse Martínez. Mas ele nunca apareceu na estação. Ele já havia sido preso por agentes da inteligência venezuelana.

Nos dias que se seguiram, 30 outras pessoas foram detidas em batidas feitas de casa em casa, de acordo com a Fórum Penal. Elas foram interrogadas antes de ser liberadas, segundo o grupo.

Mas Jatar não foi solto. Ele se encontra em uma cela no Estado de Nueva Esparta, sob acusações de lavagem de dinheiro envolvendo US$ 25 mil (R$ 78 mil), que as autoridades dizem ter encontrado em seu carro. Martínez diz que o dinheiro foi plantado, e que Jatar nunca teria deixado uma quantia tão grande de dinheiro onde pudesse ser facilmente roubado.

“Não fazemos ideia de quem ordenou sua prisão”, disse Martínez.

José Miguel Vivanco, diretor da Human Rights Watch, que também investigou o caso, disse que seu grupo concluiu que as acusações foram fabricadas em uma tentativa de reprimir jornalistas. “Pedir por sua soltura não tem a ver somente com tirar da cadeia mais um prisioneiro político”, ele disse. “Tem a ver com proteger a liberdade de expressão.”