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Cientistas não têm papel de criar regras para o sexo

Especial para o UOL

07/03/2015 06h00

É fascinante perceber como os que se dedicam ao estudo do comportamento sexual humano têm um olhar muito alerta, capaz de captar a contemporaneidade e as preferências “da hora”, relacionadas às infinitamente diversas atividades “de alcova".

Mais do que isso, pesquisadores e clínicos que atuam nessa área o fazem com a preocupação maior de isenção de julgamento e o cuidado de não normatizar a vida sexual das pessoas. Não afirmo que nunca se equivoquem, por isso se reformulam.

Essa atitude sensata tem se mostrado um diferencial no estudo da sexualidade e no tratamento de suas vicissitudes e seus transtornos. Algo nem sempre fácil de implementar e sustentar, uma vez que as pessoas em geral são tentadas a julgar, aconselhar, recomendar, conduzir, sempre que incitadas pelos que procuram seus serviços profissionais.

Foi essa postura isenta e não normativa que conseguiu, no século passado, excluir a homossexualidade do Manual Diagnóstico da Associação Psiquiátrica Americana e, na sequência, abolir essa condição da última Classificação das Doenças, publicada pela OMS.

Sendo assim, sentir-se atraído por alguém do mesmo sexo deixou de ser avaliado como patológico, para ser entendido como uma característica. O homossexualismo (“ismo” significa doença) foi, então, renomeado como homossexualidade.

Essa mesma postura mais acolhedora que impositiva permitiu, no início do século XXI, que – uma vez consolidada pela sociedade a liberdade sexual da mulher e o seu direito ao prazer - se identificasse uma realidade vivenciada por um grande contingente feminino, mas ainda não publicada nos compêndios de Medicina Sexual: o modelo circular da resposta sexual feminina.

Estou me referindo a uma mudança de paradigma, em que a motivação e a atividade sexual da mulher deixam de ser vistas pela perspectiva do homem e são reconhecidas como diferentes e exclusivas.

Dessa forma, se entende na atualidade que o homem inicie e desenvolva o ato sexual, numa sequencia linear (desejo, excitação/ereção e orgasmo/ejaculação), face ao interesse que brota em seu cérebro, conduzido por fantasias e pensamentos eróticos ou induzido por sensações originadas pela visão (atração sexual), pelo olfato (perfume ou odor estimulante) ou pelo tato (toque excitante).

Já na mulher, o interesse pela relação pode ser deflagrado pelo mesmo desejo, espontâneo como no homem. No entanto, frequentemente acontece em situações não sexuais. Necessidade de intimidade, sedução e contato são algumas dessas situações.

Nesse último caso, ela iniciaria o ato sexual numa atitude neutra, sem a percepção do seu desejo, mas buscando proximidade com o (a) parceiro (a). Portanto, fatores interpessoais seriam mais relevantes.

Estimulado pelas carícias e precedido pela excitação, o desejo feminino (responsivo) seria então desencadeado. Segundo essa nova perspectiva, a ausência de desejo sexual só é tida como uma disfunção a ser tratada quando não há resposta (desejo responsivo) a um estímulo sexual eficiente.

Foi também sem falso moralismo ou miopia acadêmica que a comunidade científica reconsiderou as parafilias (preferência por práticas sexuais não convencionais) e passou a basear o diagnóstico de transtorno parafílico (patológico) na falta de consenso entre os participantes do ato sexual parafílico.

Em outras palavras: não há doença a tratar se os envolvidos decidem – conscientemente, de comum acordo e sem danos mútuos – por essa ou aquela prática sexual, por mais bizarra que ela possa parecer a terceiros. Diagnostica-se e se trata quando esses critérios não são observados.

Os menos flexíveis ou os mais abstêmios poderão se contrapor a essas ideias e clamar por socorro à “negligente e alucinada” comunidade científica, alarmados com o risco de benevolência a uma sociedade sem freios e sem vergonha.

Convido esses ao exercício do bom senso: não cabe ao cientista ou ao profissional de saúde normatizar a vida e os relacionamentos. Cabe pesquisar, constatar, prevenir ou tratar a dor e o sofrimento, sejam eles de cunho físico ou emocional. Cabe não atropelar nem reprimir a liberdade a que as pessoas se permitem, desde que respeitem os limites da interação sem subjugo ao outro ou a si próprios.

Quem hoje se ocupa de condenar a masturbação, como parte do repertorio sexual? Pois bem: ela foi considerada “doença” para a Organização Mundial de Saúde até algumas décadas atrás. Hoje, não mais.

Por outro lado, se uma sociedade pratica, mas nega e não aceita no outro atividades que sirvam ao prazer, até o time de masturbadores confessos corre o risco de ser vestido com camisa de força.

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