Era digital pressiona preços e força evolução de modelos de negócio
Oportunidades como as criadas pelo mundo digital se apresentam muito raramente às empresas. O que vemos agora é comparável à Revolução Industrial. A diferença é a escala e a velocidade com que surgem – hoje em ordem de grandeza muito maior que há dois séculos.
Quais são essas oportunidades? Uma é a possibilidade de digitalizar todos os processos internos, criando um salto dramático de eficiência. Ainda maior, entretanto, é a chance de repensar a forma como a companhia conduz suas estratégias para engajar o mercado, interagindo com consumidores ou clientes.
Em Davos, John Chambers, presidente da Cisco, disse que o impacto da tecnologia móvel será entre 5 e 10 vezes maior do que aquele que a internet teve nos anos 1990. Acrescentou, ainda, que 40% das empresas não sobreviverá a esse novo ambiente.
Se você já escutou isso antes, por que agora a situação é diferente? Finalmente dispomos de capacidade de transmissão, armazenamento e processamento de enormes quantidades de dados a custos baixos. Isso dá escala a essas oportunidades, que deixam de ser atividades de nicho. Engana-se, inclusive, quem pensa que isso só vale para mercados desenvolvidos. Isso está acontecendo, aqui no Brasil, com a mesma velocidade que lá fora.
As barreiras tradicionais entre diferentes indústrias continuarão a cair, efeito natural do casamento de novas tecnologias transformadoras – em setores como energia, materiais e tantos outros – com a urbanização sem precedentes, em particular na Ásia, hoje em curso. O resultado serão novos e revigorados competidores para enfrentar os líderes de cada setor. Não por acaso o Alibaba tão rapidamente se tornou uma das 10 companhias mais valiosas do mundo.
Alguns princípios básicos podem nos ajudar a competir na era digital. O primeiro passo é analisar quais são as principais forças em ação que poderiam redefinir a competição. Dessa análise, é possível repensar a estratégia em função das concessões que serão necessárias.
Concorrência
É natural esperar uma enorme pressão em preços e margens. As tecnologias digitais criarão uma transparência quase perfeita, facilitando a comparação de preços, níveis de serviço e desempenho de produtos. Trocar de banco, loja ou provedor de serviços será trabalho de meia dúzia de cliques para os consumidores.
Inevitavelmente, alguns produtos e serviços se tornarão commodities. O próprio papel do intermediador perderá importância, podendo mesmo deixar de existir. Programas e facilitadores online colocarão os consumidores e clientes em contato direto com as empresas.
Outra poderosa força em ação será a entrada de novos competidores, que surgirão dos lugares menos esperados. Provedores de telecomunicações e seguradoras baseados na internet já começam a entrar em mercados sem contar com redes de distribuição ou escritórios com agentes locais. Sua capacidade de garimpar dados online sobre riscos, renda e preferências de consumidores os permite competir diretamente com organizações tradicionais.
Ainda que muitas dessas empresas estejam destinadas a nunca atingir grande escala, podem causar muito incômodo aos líderes. Selecionando subcategorias de produtos e serviços, reduzem seus preços e forçam os grandes a reagir. A competição com centenas de novas organizações se assemelha à luta de um tubarão contra um cardume de piranhas, e exige uma nova forma de pensar.
À medida que os negócios digitais reduzem custos de transação e de pessoal, crescem as vantagens da escala de dados. Em rede, criam uma dinâmica em que o “ganhador leva tudo”. Varejistas online, por exemplo, geram o triplo de receita por funcionário em comparação aos melhores varejistas de descontos.
Start-ups bem sucedidas, conhecidas por seu profundo conhecimento do mundo digital e por sua cultura amigável acabam se tornando imãs para talentos, alimentando um círculo virtuoso. Num ambiente como esse, bancos, seguradoras, mídia, telecomunicações e operadores de turismo são os mais vulneráveis.
A redução dos custos de transação e a consequente desintegração das cadeias tradicionais de negócio abre espaço para que novas empresas criem blocos de produtos e serviços digitais que se conectam entre si, como peças de Lego.
A indústria de turismo já mostra sinais avançados dessa transformação. Novos portais combinam viagens completas, com voos, hotéis e aluguel de carros. Os pacotes são criados em tempo real, com preços dinâmicos que dependem do equilíbrio entre oferta e demanda naquele exato instante. Como resultado, a concorrência se intensifica a cada dia.
Modelos de negócio
Nesse ambiente, há um descompasso de talentos. Por um lado, softwares substituem o trabalho humano em empresas digitais. Dos 700 processos voltados a clientes em bancos, calculamos que cerca de metade pode ser totalmente automatizada. No futuro, máquinas brilhantes, como o Watson, da IBM, poderão substituir centenas de atendentes em call-centers.
Mesmo atividades que exigem intenso conhecimento, como o diagnóstico de pacientes com câncer, estão sujeitas à concorrência com máquinas. A habilidade de equipamentos digitais de guardar enormes quantidades de dados as permite oferecer diagnósticos precisos e em velocidade muito superior a médicos experientes. A dificuldade para as empresas têm sido encontrar talentos com as habilidades corretas. Bons programadores de inteligência artificial, analistas de bases de dados e mesmo outros profissionais que possam desenvolver estratégias digitais e pensar criativamente sobre novos modelos de negócios são raros no mercado.
A isso tudo se soma o fato que tecnologias digitais não conhecem fronteiras. O tráfego na internet é hoje 18 vezes maior que em 2005 e, até 2025, será oito vezes maior que hoje. A digitalização tem profundo impacto sobre fluxos globais pois reduz radicalmente os custos de produção e distribuição de três formas.
A primeira é criando bens puramente digitais, como músicas e filmes. Outra forma é o aumento em fluxos físicos derivado do uso da informação – quando, por exemplo, uma crítica online ajuda a convencer o consumidor a comprar um produto. Por fim, ao criar plataformas que tragam eficiência e velocidade a trocas entre regiões – o que acontece quando um consumidor faz o download de um produto e o imprime numa impressora 3D.
A digitalização força a evolução dos modelos de negócio a velocidades cada vez maiores. O caso da música é notório. O que antes exigia meios físicos – fitas cassetes e, depois, CDs – passou a ser consumido digitalmente – primeiro na forma de arquivos MP3 e, hoje, por assinatura, em provedores como o Spotify. No transporte a situação é a mesma, com o surgimento de modelos como o Uber ou o do próprio Zipcar, que permite usuários alugarem veículos por hora.
Todas essas forças nos levam a importantes questões que levarão à base da estratégia digital. A resposta a cada uma dessas perguntas e a relevância das decisões que a acompanham serão diferentes para cada indústria e empresa:
- Devo comprar ou vender diferentes negócios em meu portfólio?
- Devo liderar ou seguir meus clientes nessa jornada?
- Devo competir, adquirir ou colaborar com novas empresas digitais?
- Devo diversificar minhas iniciativas digitais ou dobrar a aposta nas que já tenho?
- Devo separar meus negócios digitais ou integrá-los aos que já tenho?
- Devo centralizar iniciativas digitais ou deixá-las sob o domínio de cada área?
Normalmente, a criação de valor não está naquilo que é de conhecimento geral – o que não é diferente no mundo digital. Mas sabemos algumas coisas daquelas empresas que têm sido bem sucedidas em sua transformação digital.
Ainda que estejam no início de sua jornada, essas organizações apresentam algumas características em comum. Elas têm líderes que inspiram e estão preparados para pensar diferente. Não têm vergonha de adquirir habilidades que não existam em sua estrutura e têm uma cultura que atrai e retém talentos digitais. São, ainda, empresas que buscam o desafio, são ágeis e obcecadas por seus clientes.
A jornada será longa e estamos apenas em seu início. Os benefícios serão imensos, assim como os riscos. O maior risco, porém, é não pensar no assunto.
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