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Tenso desde o início, julgamento do mensalão é suspenso e volta amanhã com acusação de Gurgel

Do UOL, em Brasília e em São Paulo*

02/08/2012 19h35Atualizada em 02/08/2012 23h34

O STF (Supremo Tribunal Federal) suspendeu por hoje, por volta de 19h35, o julgamento do mensalão, após o relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, ler o resumo do seu relatório. Por conta da demora na votação que indeferiu o desmembramento do processo, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, decidiu fazer a acusação contra os 38 réus apenas amanhã (3).

A expectativa era de que a acusação fosse feita ainda hoje, mas só a votação do desmembramento consumiu três horas. A previsão é que amanhã (3), a partir de 14h, o procurador-geral gaste as cinco horas a que tem direito fazendo a acusação –se iniciasse a acusação hoje, Gurgel teria que interromper sua exposição no meio. Após o fim da sessão do STF, estava marcada uma sessão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) no mesmo plenário onde o julgamento acontece.

Questionado pela imprensa após o fim da sessão sobre se a questão de ordem atrapalhou o julgamento, Roberto Gurgel afirmou: “Com o relatório apresentado hoje pelo relator e também pelo revisor, conseguimos dar início efetivo ao julgamento. Houve aquela nova tentativa de apresentar uma questão de ordem, mas o presidente indeferiu. Tenho certeza que o presidente e a Corte terão a firmeza necessária para levar adiante o julgamento com o menor atraso possível .” “Foi uma pena que tivéssemos um dia praticamente consumido por uma questão que já tinha sido apreciada e decidida inúmeras vezes”, disse Gurgel.

Bate-boca e desmembramento

O julgamento, previsto para iniciar às 14h, começou por volta 14h25 e foi marcado desde início pela tensão. Após o presidente da Corte, ministro Ayres Britto, abrir a sessão, os ministros votaram o pedido do advogado Márcio Thomaz Bastos --que defende José Roberto Salgado, empresário do Banco Rural --para que o processo fosse desmembrado.

Ministros discutem durante sessão; veja

Os advogados Marcelo Leonardo e Sandra Maria Pires, que defendem, respectivamente, Marcos Valério e José Genoino, reiteraram o pedido. Já Roberto Gurgel, como esperado, se manifestou contra o desmembramento.

Nove dos onze indeferiram o pedido de desmembramento --apenas Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio votaram a favor-- e, assim, todos os 38 acusados serão julgados pelo Supremo.

Se o pedido dos advogados fosse deferido, o STF só julgaria João Paulo Cunha (PT), Valdemar Costa Neto (PR) e Pedro Henry (PP), que atualmente ocupam cargos parlamentares e têm direito a prerrogativa de foro, ou seja, só podem ser julgados pela Corte Suprema. Os processos dos demais réus --inclusive os que eram parlamentares e ministros na época do escândalo-- seriam encaminhados aos tribunais de origem.

A questão gerou bate-boca entre os ministros Joaquim Barbosa, relator do processo, e Lewandowski, o revisor da matéria. Enquanto Barbosa votou pelo indeferimento do pedido, alegando que a Corte já tratou da questão anteriormente e que é “irresponsável voltar a discutir essa questão”, Lewandowski concordou com os advogados e votou pelo desmembramento do processo.

No momento em que argumentava, Lewandowski foi interrompido por Barbosa: “Me causa espécie que tratemos dessa questão agora. Isso é deslealdade”. O revisor retrucou: “me causa espécie que sua excelência queira impedir que eu me manifeste. Acho que é um termo forte que sua excelência está usando", disse Lewandowski.

OS ACUSADOS

  • O STF julga 38 réus acusados de envolvimento no suposto esquema do mensalão; veja quem são

Em seguida, o revisor do processo afirmou que Barbosa "dá indícios de que esse julgamento será tumultuado”. Em seu voto, Lewandowski falou durante mais de uma hora, o que fez com que o ministro Ayres Britto, presidente da Corte, pedisse que os colegas fossem breves na análise da questão para não retardar o julgamento.

Na sequência, Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cezar Peluso e Gilmar Mendes indeferiram o pedido de Thomaz Bastos. Em seu voto, Mendes afirmou que, se não estivesse no Supremo, o processo do mensalão prescreveria. "Esse processo só está chegando a seu termo porque ficou concentrado no Supremo Tribunal Federal", disse. "Se estivesse espalhado por aí, o seu destino era a prescrição."

Também votaram contra o desmembramento Carmem Lúcia, Celso de Mello e Ayres Britto. Ao votar, Toffoli manifestou sua intenção de atuar no julgamento. Existe, entrentanto, a possibilidade remota de o procurador-geral pedir o afastamento de Toffoli. Se isso ocorrer, os ministros terão de votar se Toffoli continua ou não no julgamento.

Nomeado por Luiz Inácio Lula da Silva, Toffoli foi advogado do PT e também advogado-geral da União durante o governo de Lula, o que poderia prejudicar seu julgamento do caso. Amigos do ministro e até sua namorada, a advogada Roberta Rangel, o aconselharam a não votar no processo.

Roberto Gurgel afirmou que não pediu o impedimento de Tóffoli para não adiar o julgamento. “Foi precisamente isso. Na medida em que fizéssemos essa arguição, nós teríamos a imediata suspensão do julgamento e, dessa suspensão poderia decorrer a inviabilização que esse julgamento acontecesse num horizonte de tempo razoável. Não podemos esquecer que estamos em ano de eleições.”

Mais tensão

Por volta das 18h30, após quatro horas do seu início, a sessão foi suspensa pelo presidente do STF, Carlos Ayres Britto, por meia hora. Ao ser retomada, houve novo momento de tensão. O advogado Alberto Zacharias Toron, que representa o réu deputado João Paulo Cunha (PT-SP), quis apresentar uma nova questão de ordem, mas, antes mesmo de falar, Britto disse que não poderia fazê-lo.

O advogado ficou irritado e falou assim mesmo: ele pedia que o tribunal revisse a decisão tomada na quarta-feira (1), durante sessão administração, que se reconsiderasse o uso de Power Point durante a sua sustentação oral. Britto foi categórico ao indeferir o pedido e passou logo a palavra ao relator do processo.

Barbosa, então, fez a leitura do resumo do seu relatório, como previsto. Ele fez um resumo das acusações contra os réus.

Infográfico

  • Arte/UOL

    Relembre o escândalo do mensalão, veja quem são os acusados, como era o esquema (segundo o Ministério Público) e quais são as possíveis penas

Maior julgamento da história do STF

Os 38 réus do caso do mensalão começaram a ser julgados pelo STF 2.615 dias após o escândalo emergir, em uma entrevista do então deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) à "Folha de S.Paulo", publicada no dia 6 de junho de 2005  (veja aqui a cronologia do caso). As acusações sobre um esquema de compra de apoio ao governo federal deram início ao maior escândalo do mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, então em seu primeiro mandato.

O julgamento será o maior da história do Supremo, o órgão máximo do Poder Judiciário no Brasil. O número de réus envolvidos é o maior de um processo já julgado pela Corte. Há ainda a expectativa de que o julgamento venha a ser o mais longo até hoje do STF. Também a complexidade do caso chama a atenção: foram ouvidas mais de 600 testemunhas de acusação e defesa em diversos Estados brasileiros e até no exterior. Os autos da Ação Penal 470 somam mais de 50 mil páginas.

Em 2007, a denúncia contra os 40 réus --incluindo Jefferson-- foi aceita pelo STF. O número caiu para 38 com a exclusão do ex-secretário-geral do PT Silvio Pereira, que fez um acordo na Justiça e prestou serviços comunitários, e com a morte do ex-deputado José Janene (PP), em 2010.

No banco dos réus, aparecem importantes figurões petistas, como o ex-ministro José Dirceu e o ex-deputado José Genoino, e políticos de outros partidos que ajudaram os petistas a chegar ao poder. Também estão na lista o tesoureiro de campanha petista Delúbio Soares e o publicitário Duda Mendonça, além de Marcos Valério, apontado como operador do esquema.

O grupo é acusado de ter mantido um suposto esquema de desvio de verba pública e pagamento de propina a parlamentares em troca de apoio ao governo Lula. O tribunal vai analisar acusações relacionadas a sete crimes diferentes: formação de quadrilha, lavagem ou ocultação de dinheiro, corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, evasão de divisas e gestão fraudulenta.

No seu relatório final, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, pede a condenação de 36 dos 38 réus. Segundo ele, não haveria provas suficientes para condenar o ex-ministro de Comunicação de governo Luiz Gushiken e Antonio Lamas, irmão do ex-tesoureiro do Partido Liberal, Jacinto Lamas.


Entenda como será o julgamento

O julgamento do mensalão está dividido em duas fases. Na primeira, o relator do processo, o ministro Joaquim Barbosa, leu uma síntese do seu relatório, com os argumentos dos 38 réus e da acusação, a Procuradoria Geral da República. Em seguida, será a vez do procurador-geral, Roberto Gurgel, fazer a sua manifestação, nesta sexta, e apresentar provas da existência do esquema.

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Nos dias seguintes, os advogados dos 38 réus terão uma hora cada um para fazer a apresentação da defesa. A previsão é que a primeira fase dure de 2 a  14 de agosto. Com duração de cinco horas, as sessões começarão sempre às 14h.

A última fase será destinada à leitura do voto de cada um dos 11 ministros do STF, que irão revelar se absolvem ou condenam os réus. Nesta etapa, as sessões devem ocorrer nos dias 15, 16, 20, 23, 27 e 30 de agosto, a partir das 14h, mas sem horário para terminar.

O primeiro a votar será o relator, seguido do revisor do processo, o ministro Ricardo Lewandowski. A partir daí, a votação segue por ordem inversa de antiguidade, da ministra Rosa Weber, a mais nova na Corte, até o ministro decano, Celso de Mello. O último a votar será o presidente do STF, ministro Ayres Britto. Depois disso, o resultado será anunciado.

Se o julgamento precisar se estender no setembro, as datas das novas sessões deverão ser publicadas no Diário da Justiça.

Segundo o Supremo, as pessoas que acompanharão o julgamento receberão 470 instruções sobre o comportamento indicado para o local. O objetivo das regras --adotadas pelo STF em todas as sessões de julgamento--é garantir o bom andamento dos trabalhos e preservar o ambiente de concentração necessário ao trabalho dos advogados e dos ministros da Corte.

As orientações incluem a proibição de qualquer tipo de manifestação ou conversa e a utilização do telefone celular, que deve ser mantido no modo silencioso. Também não é permitido entrar com alimentos e bebidas. O plenário conta com 243 assentos, mas serão colocadas cadeiras extras. Cada um dos 38 réus tem direito a um lugar para ele e outros três para advogados.

OUÇA TRECHO DA ENTREVISTA À FOLHA DE S.PAULO EM QUE ROBERTO JEFFERSON MENCIONOU A EXISTÊNCIA DO MENSALÃO PELA PRIMEIRA VEZ

Paradigma

“Esse julgamento será um paradigma, um marco no país. Se absolver em massa, o Judiciário corre o risco de ter a sua credibilidade manchada. Por outro lado, se condenar ex-funcionários do alto escalão do governo, o tribunal estará dando um recado histórico contra a impunidade”, analisa Paulo César Nascimento, professor do Instituto de Ciência Política da UnB (Universidade de Brasília).

O cientista político David Fleischer, também da UnB, concorda: “Esse julgamento será um divisor de águas. Independentemente do resultado, já mostra à sociedade que a corrupção não passa mais em branco. Não acredito que vá evitar que surjam novos casos, mas certamente servirá de exemplo para inibir a ação de corruptos.” 

Polêmicas

O julgamento ocorre em meio a críticas de governistas, que consideram que o tribunal deveria aguardar a realização das eleições municipais de outubro sob o risco de haver influência política na decisão dos ministros e vice-versa: o desenrolar do julgamento pode impactar no resultado dos pleitos municipais.

Seis advogados, três deles ligados ao PT, chegaram a entrar no dia 25 de julho com uma representação no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) solicitando à chefe da Corte, Cármen Lúcia, ministra no STF, que conversasse com seus pares sobre o adiamento do julgamento. O pedido foi negado.

Esse assunto já havia sido alvo de polêmica em maio passado. Na época, o ministro Gilmar Mendes acusou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de pressioná-lo para que a apreciação do mensalão fosse adiada para depois das eleições. Em troca, segundo Mendes, Lula teria oferecido blindagem na CPI do Cachoeira, caso Mendes fosse citado. O ex-presidente negou ter tratado disso com Mendes ou outros ministros.

A oposição também tem se manifestado. O presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), disse no último dia 17 de julho que as denúncias mais recentes contra o governador Marconi Perillo (GO) são uma tentativa do PT de usar a CPI do Cachoeira para desviar o foco do mensalão.

Outro ponto que tem sido foco de preocupação é a aposentadoria do ministro Cezar Peluso, que completará a idade limite de 70 anos no começo de setembro, quando o julgamento ainda poderá estar em curso.

Diante disso, há a possibilidade de Peluso passar à frente de quatro ministros para proferir o seu voto. Os advogados dos réus, contrários a essa mudança, justificam que Peluso deixaria de ouvir os argumentos de sete colegas. No STF, como um ministro pode rever seu voto até o final, a defesa alega que o contraditório ficaria prejudicado.

Também há controvérsia em torno da participação do ministro José Antonio Dias Toffoli. Como ele foi advogado-geral da União e defendeu o PT e José Dirceu, críticos sustentam que há conflito de interesse em julgar o mensalão, no qual Dirceu é um dos réus. Caso o procurador-geral da República alegue a suspeição do ministro no julgamento, a defesa pretende recorrer, com base no Código de Processo Penal e na jurisprudência, afirmando que o prazo para fazer isso acabou nas alegações finais.


*Colaboraram Fabrício Calado e Fernanda Calgaro, em Brasília