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Lentidão e cerceamento de defesa marcam 1º dia do julgamento do mensalão, opinam advogados

Guilherme Balza*

Do UOL, em São Paulo

02/08/2012 22h20Atualizada em 03/08/2012 00h42

Os destaques do primeiro dia de julgamento do mensalão no STF (Supremo Tribunal Federal) foram a demora na votação do pedido desmembramento do processo e o cerceamento da defesa para um dos advogados presentes no tribunal. Essa é a avaliação dos advogados criminalistas Sergei Cobra Arbex e Antonio Ruiz Filho.

O julgamento, previsto para iniciar às 14h, começou por volta 14h25 e foi marcado desde início pela tensão. Após o presidente da Corte, ministro Ayres Britto, abrir a sessão, os ministros votaram o pedido do advogado Márcio Thomaz Bastos --que defende José Roberto Salgado, empresário do Banco Rural --para que o processo fosse desmembrado. O pedido foi rejeitado por nove votos a dois.

Lentidão

O debate irritou o relator, ministro Joaquim Barbosa, que afirmou que o assunto já havia sido tratado. Por conta disso, Barbosa bateu-boca com Lewandowski.

O revisor, Ricardo Lewandowski, votou a favor do desmembramento e, em sua sustentação, gastou cerca de 1h30. No total, a votação sobre a questão levantada por Thomaz Bastos consumiu mais de 3h. Por conta da demora, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, decidiu fazer a acusação, que deve durar cinco horas, somente amanhã.

Ministros discutem durante sessão; veja

Para Cobra Arbex, o voto de Lewandowski foi “longo” e “completamente desnecessário”, o que evidencia a incapacidade do Supremo em analisar matérias dessse tipo. “A qualidade dos ministros é da mais alta. Mas, o STF demonstrou hoje que não está talhado para esse tipo de discussão, para fazer o processo na sua essência, que é a primeira instância”, afirmou.

“É reflexo de um certo formalismo, de uma certa lentidão nos procedimentos do STF”, acrescentou o advogado, cuja opinião é de que a Justiça comum trate de matérias como as do mensalão. “Supremo é feito para analisar questões constitucionais. Não deve analisar provas.”

Ruiz afirmou que não esperava tanto tempo de discussão sobre o desmembramento, mas não vê problemas em os ministros aprofundarem nesse debate. “Não me parece que isso prejudique o julgamento. Quanto mais os ministros se aprofundam no exame da causa, mas há garantia de que se faça justiça. Não acho que há pressa exagerada pelo término das coisas. Esse julgamento vai mesmo ser longo, e não vejo que tenhamos perdido o dia de hoje”, disse.

"Culpar defesa por lentidão é inadmissível", diz advogado

Ainda assim, Ruiz achou “curioso” Lewandowski ter trazido a questão do desmembramento para o tribunal hoje. “Se ele vislumbrava a possibilidade de que o Supremo fosse incompetente para julgar o caso, em razão do foro privilegiado não se aplicar à maioria, essa matéria certamente teria sido vista por ele antes.”

Cerceamento de defesa

Antes de o relator Joaquim Barbosa ler o resumo de seu relatório, o advogado Alberto Zacharias Toron que representa o réu deputado João Paulo Cunha (PT-SP), quis apresentar uma nova questão de ordem, mas foi interrompido pelo presidente da Corte, ministro Ayres Britto.

O advogado ficou irritado --ele pedia que o tribunal revisse a decisão tomada na quarta-feira (1), durante sessão administração, que se reconsiderasse o uso de Power Point durante a sua sustentação oral. Britto foi categórico ao indeferir o pedido e passou logo a palavra ao relator do processo.

Para Ruiz e Arbex, Ayres Britto não respeitou o direito de prerrogativa do advogado e cerceou o direito à defesa. “O Ayres Britto normalmente é um homem cordato, afável, afeito às questões que interessam à defesa. Hoje, de maneira surpreendente, indeferiu o pedido do advogado de forma agressiva, contrariando uma prerrogativa do advogado, que tem o direito de ascender à tribuna e fazer os requerimentos que entender cabíveis em favor de seu constituinte”, afirmou Ruiz.

O advogado lamentou ainda que outros advogados presentes não tenham se manifestado nesse momento. “A nota absolutamente lamentável do dia de hoje é que tenha ocorrido uma situação como esta, e os colegas advogados presentes na sessão não tenham, de maneira unida, se rebelado contra isso.”

Agressividade de Ayres Britto surpreendeu, diz advogado

Arbex afirma que “independente de o advogado ter razão ou não, a palavra pela ordem dele é sagrada e por força de lei jamais pode ser cassada”. Ele diz ainda que faltou isonomia no tratamento dado a Toron e Thomaz Bastos. “Além de ofensa às prerrogativas, houve falta de igualdade no tratamento das ilustres defesas.”

O jurista Wálter Maierovitch, que acompanhou o julgamento, concorda com Arbex e Ruiz. “O advogado tem a prerrogativa de apresentar questões de ordem, por lei federal. Ainda que o STF tivesse, no dia anterior, indeferido o pedido de uso, na sustentação oral, de recursos visuais, o presidente Britto devia permitir a fala. Em resumo, lamentável a postura do presidente”, afirmou.

Bate-boca

A questão do desmembramento do julgamento gerou bate-boca Barbosa e Lewandowski. Enquanto Barbosa votou pelo indeferimento do pedido, alegando que a Corte já tratou da questão anteriormente e que é “irresponsável voltar a discutir essa questão”, Lewandowski concordou com os advogados e votou pelo desmembramento do processo.

Barbosa passou do limite em discussão, afirma especialista


No momento em que argumentava, Lewandowski foi interrompido por Barbosa: “Me causa espécie que tratemos dessa questão agora. Isso é deslealdade”. O revisor retrucou: “Me causa espécie que vossa excelência queira impedir que eu me manifeste. Acho que é um termo forte que sua excelência está usando", disse Lewandowski.

Ruiz considera discussões como essas comuns, mas avalia que Barbosa passou do ponto: “Passou do limite”. Não há necessidade de falar, por exemplo, que há deslealdade ou irresponsabilidade. É possível discutir ideias jurídicas sem chegar ao ponto de falar palavras tão fortes, que possam ocasionar ofensa pessoal.”

Já Arbex considerou o bate-boca um episódio comum. “Vi uma exaltação do ministro que está próxima da indignação popular. Não vejo nenhum mal nisso. Os ministros têm que discutir.”

Se o pedido fosse deferido, o STF só julgaria João Paulo Cunha (PT), Valdemar Costa Nego (PR) e Pedro Henry (PP), que atualmente ocupam cargos parlamentares e têm direito a prerrogativa de foro, ou seja, só podem ser julgados pela Corte Suprema. Os processos dos demais réus --inclusive os que eram parlamentares e ministros na época do escândalo-- seriam encaminhados aos tribunais de origem.

Infográfico

  • Arte/UOL

    Relembre o escândalo do mensalão, veja quem são os acusados, como era o esquema (segundo o Ministério Público) e quais são as possíveis penas

Maior julgamento da história do STF

Os 38 réus do caso do mensalão começaram a ser julgados pelo STF 2.615 dias após o escândalo emergir, em uma entrevista do então deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) à "Folha de S.Paulo", publicada no dia 6 de junho de 2005  (veja aqui a cronologia do caso). As acusações sobre um esquema de compra de apoio ao governo federal deram início ao maior escândalo do mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, então em seu primeiro mandato.

O julgamento será o maior da história do Supremo, o órgão máximo do Poder Judiciário no Brasil. O número de réus envolvidos é o maior de um processo já julgado pela Corte. Há ainda a expectativa de que o julgamento venha a ser o mais longo até hoje do STF. Também a complexidade do caso chama a atenção: foram ouvidas mais de 600 testemunhas de acusação e defesa em diversos Estados brasileiros e até no exterior. Os autos da Ação Penal 470 somam mais de 50 mil páginas.

Em 2007, a denúncia contra os 40 réus --incluindo Jefferson-- foi aceita pelo STF. O número caiu para 38 com a exclusão do ex-secretário-geral do PT Silvio Pereira, que fez um acordo na Justiça e prestou serviços comunitários, e com a morte do ex-deputado José Janene (PP), em 2010.

No banco dos réus, aparecem importantes figurões petistas, como o ex-ministro José Dirceu e o ex-deputado José Genoino, e políticos de outros partidos que ajudaram os petistas a chegar ao poder. Também estão na lista o tesoureiro de campanha petista Delúbio Soares e o publicitário Duda Mendonça, além de Marcos Valério, apontado como operador do esquema.

O grupo é acusado de ter mantido um suposto esquema de desvio de verba pública e pagamento de propina a parlamentares em troca de apoio ao governo Lula. O tribunal vai analisar acusações relacionadas a sete crimes diferentes: formação de quadrilha, lavagem ou ocultação de dinheiro, corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, evasão de divisas e gestão fraudulenta.

No seu relatório final, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, pede a condenação de 36 dos 38 réus. Segundo ele, não haveria provas suficientes para condenar o ex-ministro de Comunicação de governo Luiz Gushiken e Antonio Lamas, irmão do ex-tesoureiro do Partido Liberal, Jacinto Lamas.

OUÇA TRECHO DA ENTREVISTA À FOLHA DE S.PAULO EM QUE ROBERTO JEFFERSON MENCIONOU A EXISTÊNCIA DO MENSALÃO PELA PRIMEIRA VEZ

 


*Colaboraram Fabrício Calado e Fernanda Calgaro, em Brasília