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Leia a transcrição da entrevista de José Serra ao UOL

Do UOL, em Brasília

27/02/2015 07h30

O senador José Serra (PSDB-SP) participou do Poder e Política, programa do UOL conduzido pelo jornalista Fernando Rodrigues. A gravação ocorreu em 26.fev.2015 no estúdio do UOL, em Brasília.

Narração de abertura [EM OFF]:

José Serra tem 72 anos. É economista, com mestrado e doutorado pela Universidade Cornell, nos Estados Unidos.

José Serra entrou na política pelo movimento estudantil. Aluno de engenharia da Escola Politécnica da USP, presidiu a União Estadual e a União Nacional dos Estudantes.

Durante a ditadura, exilou-se no Chile por 8 anos, onde trabalhou com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Morou também nos Estados Unidos.

De volta ao Brasil, José Serra foi professor da Unicamp e secretário de Planejamento do governo de São Paulo na gestão Franco Montoro, nos anos 80.

José Serra elegeu-se deputado federal do Congresso Constituinte em 1986, pelo PMDB. Dois anos depois, ajudou a fundar o PSDB, partido pelo qual se elegeu depois deputado federal e senador.

José Serra foi Ministro do Planejamento e da Saúde do governo Fernando Henrique Cardoso. Em 2002, candidatou-se a presidente da República... mas perdeu a eleição para Luiz Inácio Lula da Silva.

Dois anos depois, José Serra foi eleito prefeito de São Paulo. Deixou o mandato na metade para eleger-se governador do Estado. Em 2010, candidatou-se novamente a presidente da República... mas perdeu a eleição para Dilma Rousseff.

Em 2014, José Serra derrotou Eduardo Suplicy e venceu a eleição para senador pelo Estado de São Paulo.

UOL: Olá. Bem-vindo ao “Poder e Política - Entrevista”. O programa é uma realização do portal UOL. Esta gravação é realizada no estúdio do UOL, em Brasília. O entrevistado desta edição do “Poder e Política” é o senador José Serra, do PSDB de São Paulo.  Olá, senador, tudo bem?                                                                                                                  
José Serra: Bem. E você, Fernando?

Está para ser entregue ao Supremo Tribunal Federal a famosa lista de políticos envolvidos na Operação Lava Jato. Serão dezenas de nomes. Na sua  opinião, os congressistas, uma vez citados, devem permanecer exercendo plenamente seus mandatos ou devem pedir algum afastamento, talvez para se defender?
Não sei, tem que ver como vai acontecer isso e em que termos. Porque o procurador-geral pode pedir arquivamento, pode pedir investigação ou pode até apresentar denúncia. São três modalidades diferentes com relação aos nomes que aparecerem. Agora, a partir daí vai se poder fazer uma análise. Mas em princípio, quem é acusado, não é culpado até a prova do contrário. Você não sabe quanto tempo vai demorar isso. De forma que não é uma solução simples. Imaginar que alguém possa deixar o mandato de lado pelo simples fato do nome aparecer. Agora, também depende do que for, qual for a acusação em cada caso específico.

Fala-se que haverá dezenas de nomes de congressistas. Em que medida isso vai ter um efeito paralisante no Congresso?
Eu acho que vai perturbar sim o trabalho do Congresso. Não adianta tapar o sol com a peneira. Vai perturbar. É a nossa obrigação procurar minimizar essa perturbação, porque o Congresso precisa continuar trabalhando. Então vai ter que se encontrar uma maneira de que as coisas possam caminhar melhor, apesar da perturbação que vai haver. Eu não sei se você se lembra, você já estava em Brasília, da CPI do Orçamento. Lá no começo o governo Itamar [Franco], naquele período. Eu era líder do PSDB na época, a perturbação foi muito grande. Nós demos um jeito de a coisa continuar sendo tocada. Eu acho que vai ter que fazer isso agora. Não tem jeito.

A impressão que se tem é que a proporção agora, do número de deputados e senadores eventualmente envolvidos, é um pouco maior do que foi naquela época da CPI do Orçamento. Ainda assim, dá pra achar uma forma?
Dá. E depende também da qualidade das acusações. Nada independente do que vier ser posto como motivo para a investigação, motivo para a denúncia, pode ter muitos arquivamentos. Enfim, aí é que nós vamos averiguar.

Eu perguntei sobre o impedimento de congressistas porque há uma discussão agora na Câmara. O senhor é senador, mas na Câmara há uma discussão sobre integrantes da CPI da Petrobras, que está sendo instaurada nessa quinta-feira, 26 de fevereiro, sobre se deputados que receberam doações de empresas citadas na Lava Jato podem fazer parte de uma CPI que vai investigar essas mesmas empresas. O sr. tem alguma opinião?
Eu, se fosse líder desses partidos, não indicaria deputados que receberam contribuição das empresas. O que não significa que eles tenham feito algo ilegal. Porque pode ter sido uma contribuição legal, normal. De acordo com os critérios da Justiça Eleitoral. Não tem problema nenhum. Eu não indicaria exatamente para não abrir esse tipo de controvérsia. Na verdade você tem parlamentares que não receberam. Aí teria sido melhor que tivesse indicado pessoas nessa condição. Porque isso dispersa um pouco, abre um tipo de discussão paralela, que ao meu ver não é muito sólida, mas acontece.

Nessas horas dá a impressão que talvez a oposição poderia ser um pouco mais proativa e se antecipar a esses fatos. A gente não vê essa discussão nos grandes partidos de oposição. Esse questionamento partiu de um pequeno partido, que é o PSOL. Porque o PSDB às vezes não tem esse tipo de idéia, em antecipação, para evitar essa discussão?
Depende de cada caso, mas eu vou dizer pra você com toda sinceridade: não é ilegal. Não tem nada demais, que um deputado que recebeu uma contribuição como candidato legal de uma empresa, participe de qualquer comissão. Eu te digo, se eu fosse líder, eu teria o cuidado de não fazer exatamente para não atrair essa tensão. Mas o PSDB não fez isto e talvez até pudesse ter se antecipado, mas aí são tantas coisas.

Qual é a sua avaliação até agora do Ministério Público e da Polícia Federal no caso da Lava Jato?
Eu acho que estão cumprindo seu papel, sua obrigação. Estão investigando. No caso do Ministério do Público da região do Paraná, com competência. Isso é indiscutível. E no Judiciário, basicamente, o papel maior será agora. Quero dizer, não me refiro ao Judiciário do Paraná. Me refiro às instâncias superiores. E aí é que nós vamos ver. Porque tudo que envolva gente com mandato federal vai caber ao STF. E o que envolver mandatos estaduais, ao STJ. E eu confio que vão atuar corretamente.

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, recebeu representantes de uma empreiteira e o encontro não estava na agenda. Qual a gravidade desse episódio ou ele é irrelevante?
Eu não diria que é irrelevante. Mas, sinceramente, eu acho que a capacidade, a possibilidade de um ministro, qualquer que seja, incluindo o da Justiça, interferir no rumo das coisas é muito pequena. Isso já tem uma dinâmica própria. Você tem uma dinâmica aí que ninguém segura. Ninguém vai conseguir moldar. E eu acho, você falou da lista. lembrando o que o [Winston] Churchill [1874-1965] dizia, por ocasião na Segunda Guerra Mundial, nós estamos agora no começo do começo da crise. Mandando a lista, vai ser o fim do começo. E aí é que as coisas vão realmente esquentar. Porque a população, ela presta atenção quando se trata de dirigentes de empresas, empresários, etc. Mas com político, a implicância é muito maior. São pessoas que foram eleitas. A população brasileira vai se comover muito mais. Você não tenha dúvida. Aí é que realmente a crise vai começar.

No meio do episódio, agora a Petrobras teve a sua nota rebaixada por uma agência de análise de risco. O senhor acha que foi uma decisão correta dessa agência?
Você sabe que eu sou crítico dessas agência internacionais. Às vezes elas têm uma capacidade de análise muito inferior daquilo que se pode imaginar daqui. Mas as decisões dela têm grande impacto nos investidores. Agora, nesse caso, eu acho francamente que a agência não exagerou. O caso da Petrobras é gritante demais. Aí qualquer agência, de maior ou de menor qualidade, provavelmente teria feito a mesma coisa. Porque a Petrobras foi vítima primeiro de uma programação de investimentos maluca. Superinvestimentos que ela não tinha como aguentar. Em qualquer circunstância. Mesmo que não tivesse petrolão, estaria em dificuldade. Segundo, a isso se sobrepôs a queda do preço do petróleo e a entrada de outros concorrentes. Enfim, baixou o preço. Coisa que torna inclusive o pré-sal, em algumas circunstâncias, antieconômico pelo preço que é dado. Terceiro, pelas lambanças, pelo caos administrativo. Então, dificilmente poderia escapar disso. Isso já estava, a meu ver, contabilizado como um grande prejuízo. E causa danos sim. Causa dano à Petrobras, porque o dinheiro para ela vai encarecer e vai escassear, e ao Brasil. Essa megalomania, a coisa do método da partilha, que a Petrobras tem que estar em todos os postos. Antes, tinha um método de concessões, que era um método eficiente. A empresa privada ganha, mas o governo cobra uma fortuna de taxação. De royalties, de participação especial e etc. Obrigar a Petrobras a estar em tudo, obrigou também a Petrobras a pegar muito dinheiro, ir além da capacidade administrativa dela. Isso por si já era um elemento de complicação.

O governo tem rebatido dizendo que tomou todas as medidas necessárias depois que eclodiu essa crise. E volta e meia existe também a acusação de que tudo isso nasceu lá atrás, ainda no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Olha, essa coisa do Fernando Henrique é enjoativa. Outro dia me disseram que a culpa da transferência da capital do Rio de Janeiro para Brasília foi do Fernando Henrique também. Embora nessa época ele ainda fosse um jovem professor da Faculdade de Filosofia. Já virou gozação isso. Corrupção você tem em todas as épocas. Outra coisa é corrupção como método de governo. Você pode ter desde o Tomé de Souza. Fulano que armou um negócio, fulano fez aquilo, como fatos isolados, não sistêmicos. Sempre aconteceu. Agora, corrupção como método, lambança como maneira de governar, realmente eu acho a era petista inusitada nesse sentido. Eu olho até o que havia antes 1964, parece uma época de inocência comparativamente ao Brasil da era petista, francamente.

Olhando todas as acusações que pesam no caso da Petrobras e contra o governo também, o “Financial Times” elaborou uma lista de elementos que poderiam sustentar um eventual impeachment da presidente Dilma. Qual sua opinião sobre esse debate a respeito do impeachment?
Olha, primeiro, o debate existe. Não cabe a nós dizer tem que existir ou não tem que existir. Ele surge. Às vezes eu estou andando na rua, em qualquer lugar do Brasil, não é só em São Paulo, você está em algum lugar e o sujeito vem e fala “tem que tirar essa mulher, tem que fazer isso e aquilo”. Há um sentimento de indignação grande. Eu acho que impeachment não é programa de atuação da oposição. A oposição tem que cobrar, criticar, mostrar as vulnerabilidades, apontar aquilo que está acontecendo. Como eu fiz, por exemplo, num artigo nesta semana a respeito da saúde. Mostrando qual é a situação de fato, qual é a origem desse drama existente. E não é uma coisa que veio dos céus, de maldição da natureza. Foi fruto de políticas erradas. Isso é o que nós temos que fazer. Impeachment não é programa de governo. Agora, a lista do “Financial Times”, tanto quanto eu tenha visto, são pontos de fraquezas do governo. Pontos que enfraquecem. Nós estamos hoje, Fernando, com um governo fraco. O Brasil está com um governo muito fraco. E isso independe de questão de impeachment ou não impeachment. É muito importante para qualquer país ter um governo que governe. Eu creio que o governo Dilma já vem fraco desde que nasceu. Desde 2011. Muitos elementos que estão aparecendo agora já estavam embutidos, já estavam visíveis no que vinha. O fato é que nós estamos com um governo fraco. E quando o governo é muito fraco, as especulações prosperam. O que enfraquece mais o governo. É um ciclo vicioso, infelizmente.

Mas esses elementos elencados a respeito do possível impeachment pelo “Financial Times” parecem críveis e enfim, bons argumentos na sua opinião?
Não, veja. Se você tem recessão, queda de empregos, isso e aquilo, evidentemente facilita um clima contra o governo. Tecnicamente, você não pode deduzir daí que vai ter impeachment. É uma situação difícil. Você lembra na época do [José] Sarney, quando ele entregou o governo pro [Fernando] Collor era 90% ao mês a inflação. Nem por isso se defendia impeachment pro Sarney. São medidas que enfraquecem o governo e abrem caminho para essas discussões. Impeachment envolve outras questões de desmoralização pessoal da Presidência que até agora, pelo menos, não estão claramente dadas.

O que diferencia o clima político de hoje do de 1992, que acabou resultando no impeachment de Collor. E onde estão as similitudes?
Era diferente, porque o Collor tinha um partido pequeno, tinha menos sustentação no Congresso. E houve envolvimento até pessoal e familiar nos esquemas de corrupção da época, com muita visibilidade. Tanto, eu não sei se você tem isso presente, na época eu era líder do PSDB. Eu fui o primeiro líder a pedir a renúncia do Collor. Não pedi impeachment, pedi a renúncia. Porque ele não estava com condição mais de governar. O Brasil naquela crise e um presidente desvalorizado até por acusações familiares. Pensando no Brasil, não nesse partido ou naquele. Eu pensava, melhor ele renunciar e abrir caminho para a formação de um novo governo que abra a possibilidade da gente enfrentar a crise. Aliás, essa é a maldição de nós não estarmos num regime parlamentarista. No regime parlamentarista você troca o primeiro-ministro e acabou.

Essa situação não existe hoje em relação à presidente Dilma. Essa acusação pessoal contra ela.
Não, não existe, mas eu não sei o que pode vir a acontecer.

Agora, essa diferença que existe é um dos pontos fundamentais que impede de prosperar aqueles que defendem o impeachment?
Não é que impede. Inibe. Eu acho também que, do ponto de vista da oposição, impeachment não pode ser programa. Mudar o governo tem que ser consequência de um processo. Não é um ponto de partida.

Quando o senhor fala que o governo está fraco, dê algum exemplo prático que as pessoas veem no dia a dia e sentem a fraqueza do governo.
Por exemplo, toda a questão fiscal, que o governo está amarrado. Tem que enfrentar desequilíbrios e não tem muita força pra isso. Até o enfretamento dessa crise dos caminhoneiros. Você imagina um movimento que não tem nem movimento sindical por trás conseguir fazer essa paralisação. E o governo logo começa cedendo, meio perdido. Uma coisa que é muito grave, inclusive pro abastecimento alimentar do país. E que vai jogar a economia mais pra baixo.

Isso só acontece porque eles sentem que o governo é fraco?
É fraco. Sabe o que me lembrou a greve dos caminhoneiros? As greves no Chile na época do Salvador Allende [1908-1973]. Que era um governo que na etapa final estava fraquíssimo, então tinha greve por qualquer motivo e em qualquer área, com as reivindicações às vezes mais absurdas. Isso é típico de um governo fraco.

O governo tem tentado reagir, a presidente passou a falar mais depois de ficar quase dois meses sem falar. Está fazendo algumas viagens, dando entrevistas. Esse tipo de reação é o caminho do governo para tentar sair das cordas?
Não me compete como integrante da oposição dar conselhos ao governo. Mas, puxa, faz esse ajuste fiscal de maneira mais eficiente. Sem ficar pegando no pé necessariamente dos setores mais pobres. Porque parte do ajuste mexe com isso. Tenha posições mais dignas, por exemplo, em matéria internacional. Veja, esse escândalo da Venezuela, você tem um governo que mata pessoas na rua, que caça o mandato de opositores. Põe na prisão opositores. O governo brasileiro dá uma declaração praticamente coonestando com isso. Não custava nada para o governo brasileiro ter uma posição mais digna. Qual era o problema da presidente Dilma chegar e abominar o que está acontecendo na Venezuela? Inclusive não tem custo. E seria uma coisa importante no contexto internacional. Isso dá mais credibilidade. A gente sabe que a política externa no Brasil não é ditada pelos interesses brasileiros. É ditada pelos interesses do PT. O PT se apropriou da política externa. O Brasil tem a política internacional que convém ao PT, não a que convém ao país.

Na política internacional, num país insular como o Brasil, a maioria das pessoas não presta muita atenção no que acontece fora do país. Prestam atenção na economia, nos seus bolsos. Está tendo um problema econômico, o governo anunciou medidas que precisam ser aprovadas pelo Congresso. Por exemplo, benefícios trabalhistas e previdenciário serão modificados. Como o sr. votará quando isso chegar ao Senado? E o que o governo poderia ter feito ou não fez a respeito disso?
Nós vamos examinar caso a caso. Nem tudo que eles propuseram está errado.

Tem alguma coisa que está errado? O sr. já viu?
Por exemplo, a questão do seguro-desemprego merece algumas correções, mas tem exagero, se você levar em conta o caso da classe C, que no fundo termina havendo um suporte importante pra esse pessoal se manter razoavelmente. Inclusive em uma época de crise. Agora, o que eu não me conformo é o seguinte. Você quer fazer um ajuste, o que você tem que fazer? Pega todos os contratos que o governo tem, que são muitos, e manda fazer uma revisão em tudo. Todos os contratos. Eu fiz isso quando fui secretário do [Franco] Montoro [1916-199], quando herdamos o governo [Paulo] Maluf. O caos fiscal, custo alto pra tudo. Depois na Prefeitura de São Paulo, em várias circunstâncias. Você pega, manda renegociar todos os contratos. Tudo tem que baixar de 5% a 10%. E todo mundo vai topar, porque é uma época de crise. Todo mundo está pagando e porque não aqueles que prestam serviço? Todos tem que pagar. Não se trata de romper contratos, isso ou aquilo, se trata de renegociar. Eu garanto que isso daria um dinheirão. Especialmente depois de 12 anos de governos petistas. Porque, convenhamos, se tem algum coisa que o PT menospreza, com relação a comando de política econômicas é custo. Eles não dão a menor importância para custos altos. Você teria uma margem enorme de compressão de despesas. Sem ferir os pobres, sem ferir demasiada atividade econômica e tudo mais. Eu fico surpreso disso não ter sido feito até agora.

Isso é uma medida que não é sua invenção, é algo clássico que existe em governos que enfrentam dificuldade econômicas, por que o sr. acha que o governo federal atual não fez isso?
Não sei. Eu já cheguei a formular, Fernando, as antileis da administração petista. Por exemplo, a menor distância entre dois pontos não é uma linha reta, é sempre uma curva. Toda facilidade deve ser transformada em dificuldade. Toda solução que você encontra, vira problema. Tudo é penoso, tudo é difícil, tudo se complica. Acho realmente uma surpresa que não tenham feito isso. Não estou com isso depreciando nem o Joaquim Levy, nem o [Nelson] Barbosa. São economistas competentes, são pessoas sérias. Não estou menosprezando. Para mim é uma surpresa que não tivessem feito isso até agora.

Seria, então, uma demonstração do governo de que estaria cortando também os gastos internos e não só aplicando efeitos para a população?
Claro. Porque se você vai adotar medidas de sacrifício, o que você precisa passar pra população, e tem que ser verdadeiro, é que todo mundo está pagando um pouco. Eu me lembro quando, num certo momento, tinha uma concorrência feita do rodoanel, quando eu assumi o governo. Nós renegociamos o contrato do rodoanel. Tinha tido frouxidão? De jeito nenhum. É que você começa o mandato, está em uma situação de aperto, chega lá e diz: "Olha, vocês vão ter que descontar aí uns 4% ou 5%". E o pessoal acaba aceitando, porque se a opção é enterrar o contrato, o sujeito vai apertar umas margens e sai tudo direitinho depois. Isso poderia ser feito, Fernando, em todas as áreas. Com todos os investimentos feitos por empresas federais. Na administração direta ou indireta. Evidentemente eu pouparia áreas que já estão arrochadas, tipicamente a questão da saúde. Agora, o que estão acontecendo hoje é que o governo está fazendo isso pelas vias tortas, que é atrasando pagamentos. Você atrasar pagamento para a saúde é criminoso. Porque atrasar pagamento é levar na base da enganação. Você perde o respeito do fornecedor, daquele está prestando serviços, e ele vai ter um comportamento distorcido. Ora, se é para fazer isso, vamos negociar com todo mundo.

A qualidade da equipe do governo federal do PT hoje, da presidente Dilma, é melhor, pior ou igual ao que foi a do presidente Lula?
O Lula estava navegando a favor do vento, céu de brigadeiro e etc. Mas em geral, eu acho que tem uma outra lei, e se ela não fosse vigente, a Dilma emitiria um medida provisória criando. A lei é o seguinte, todos os integrantes, em cada área, têm que saber menos que o presidente. Eu, por exemplo, modestamente sempre procurei me cercar de gente que soubesse mais do que eu em cada área de responsabilidade. Você comanda, coordena. Mas em geral, você põe gente que sabe mais. A Dilma, inconscientemente, trabalha sempre de maneira que quem for assumir sabe menos do que ela. Como ela não sabe muito a respeito de tudo, você tem equipes medíocres. Não é só por isso, tem também o problema dos quadros disponíveis. Uma vez estava conversando com alguém do PT, de uma certa importância, e ele me dizendo: "sua crítica é correta, mas leve em conta o seguinte, não tem quadros no PT, a pobreza é muito grande." Isso pode ser verdadeiro também, ou seja, o partido tem gente fraca. Outra lei interessante da administração petista é a seguinte: o governo não é para você governar, é para você aprender. Você nomeia o sujeito, chega lá e ele começa a aprender quais são os problemas da área. E nisso perde-se um tempo preciosíssimo nessa direção.

Nessas equipes Dilma versus Lula, o sr. acha que houve uma degradação?
Eu acho que a da Dilma é mais fraca, sem dúvidas.

Quanto ao governo fraco. O senhor enxergou nos últimos 15 dias alguma ação do governo que sinalize que ele está reagindo pra sair das cordas?
Não. Sinceramente, até queria que isso acontecesse, porque eu não jogo no quanto pior, melhor. Eu acho que tem uma terreno pra ação da oposição imenso. Você não precisa jogar no quanto pior, melhor, pra poder atuar.

Com o governo fraco, na sua opinião, e não reagindo de maneira correta pra sair dessa fragilidade. Quanto tempo mais aguenta um governo desses com essa fragilidade?
Não sei, aí tem que ser adivinho. Mas eu vou te dar um exemplo em relação ao petróleo. Não vou aqui me pronunciar sobre se a Graça Foster, a então presidente [da Petrobras] era ou não culpada, se fez ou não algo irregular, etc. Mas ela estava na presidência da empresa. O que deveria ter sido feito logo de cara? Afastar toda diretoria. Lembra do Itamar? O Itamar Franco tinha um chefe da Casa Civil, Henrique Hargreaves. Começou a CPI do Orçamento, apareceu o nome do Hargreaves, o Hargreaves pediu demissão da Casa Civil. Se afastou, foi investigado, viu que não tinha nada e voltou. No caso da diretoria da Petrobras, a Dilma perdeu um tempo enorme. Porque era óbvio que aquela diretoria não tinha credibilidade para assinalar um caminho de saída da crise. É óbvio, é uma questão psicológica. No entanto, perderam-se meses com isso. Um desperdício, uma decisão absurda, eu diria imatura e ingênua até.

Se continuar nesse ritmo de reações, como o sr. próprio considera equivocadas, erradas, a presidente termina o mandato?
Olha, aí já é olhar bola de cristal. Como integrante da oposição, eu não quero dar a impressão de que estou torcendo, porque não é verdade, que estou torcendo para quanto pior, melhor. Mas quanto mais o fraco o governo, menos chance tem de terminar o mandato, você não tenha dúvida disso.

Mas dá para medir isso?
Não, essa é uma questão intuitiva até. Você vai sentindo. Está no começo do governo, mas parece que está no final. E tem mais quase quatros anos pela frente. Veja, não terminamos dois meses do novo mandato. Se não houver uma inversão, as coisas podem terminar mal. Isso é indiscutível. Entenda bem, isso é uma coisa, outra é torcer por isso. Quando eu digo que não torço pro quanto pior, melhor, porque isso evidentemente é uma coisa traumática. A gente não pode apostar, o PT fazia isso na oposição. "Quanto pior, melhor. Vamos votar coisas pra arrebentar mais o governo. Vamos fazer isso e aquilo...". A nossa perspectiva de atuação não é essa. Porque nós temos uma responsabilidade com o país acima de tudo. Mas não podemos deixar de constatar aquilo que está acontecendo.

O senhor acha que num eventual impedimento da presidente, as forças que vão estar ali além da sociedade, que vão conduzir um eventual processo, enxergam no atual vice-presidente da República um sucessor confiável para ficar no lugar?
Fernando, você está ótimo no seu papel de jornalista. Fuçando, aprofundando nesse aspecto. Eu prefiro não entrar nessa ordem de considerações, porque aí já pressupõe um pós-processo de saída da Dilma. O que pode dar uma ideia errada a respeito do que a gente deseja que aconteça no país. Porque nós queremos que o país saia dessa crise sem grande traumas institucionais. E isso seria um trauma, sem dúvida nenhuma.

A Câmara aprovou um projeto de lei que dificulta a criação de novos partidos. Fica mais difícil criar um partido, fundir com outro, ganhar tempo de televisão, essas coisas. Esse projeto vai chegar no Senado agora. O sr. é a favor? Como deve votar o seu partido?
Vai votar a favor, provavelmente. O que não significa que a questão partidária no Brasil esteja arrumada. Está toda desarrumada. Por culpa do Congresso. Eu diria pra você, como o Gilmar Mendes reconheceu, inclusive do Judiciário. Quando o STF começa a tomar medidas que afetam a dinâmica do processo partidário eleitoral acaba dando problema. Não é por má intenção. É por não avaliar, às vezes, direito, quais são os desdobramentos.

Inclusive quando o Supremo derrubou a cláusula de desempenho.
Derrubou, se não me engano, era o governo Fernando Henrique. A cláusula de desempenho, o que era? Partido que não tem acima do mínimo de votos não elege representante. O que permitiria nos livrarmos de muitos micropartidos, legendas de aluguel e tudo mais. E o Supremo derrubou. Eu sei de ministros que votaram pela derrubada e se arrependeram depois. Isso mostra que o Supremo deve ter cautela de entrar nesses assuntos. Acho que a questão partidária ela é ruim, a maneira como funciona a questão de partidos, horário eleitoral e tudo mais. Agora, precisa tomar cuidado pra ela não piorar. E avanços, uma coisa que você defende, eu defendo, que é o fim das coligações proporcionais. Cada partido disputa, não fica apoiado no outro só porque dá um tempinho a mais de televisão. Acho que o programa de televisão tem que mudar. Custa uma fortuna e hoje há uma comércio político para trazer apoio para você ganhar mais tempo de televisão. Temos que tomar medidas que acabem com isso. Enfim, há muita coisa  para fazer nessa área.

Tem um assunto que em breve vai ser debatido na Câmara e vai chegar ao Senado, que é a doação de empresas para campanhas eleitorais. O senhor tem posição firmada sobre o assunto?
Tenho, claro. Em 1993, na Câmara, eu era deputado e liderei a proposta que tornou-se realidade de legalizar as contribuições de empresas. Por quê? Porque antes havia, era proibido, mas havia. Aberta. Nem o Judiciário contestava. Então é melhor legalizar para conhecer. Você, que é um repórter investigador, é melhor para você ter os dados sobre quem contribuiu do que ter contribuição por baixo.

Mas os limites impostos pela lei atual são bons?
Você pode discutir limites, aí é outro departamento. Agora, você não pode é proibir, porque o que você vai fazer é ilegalizar. No caso, a necessidade vai revogar a proibição. E depois tem outra coisa. Suponha que só tenha dinheiro público, dinheiro saído dos impostos. Como é que você vai distribuir isso num partido, numa campanha? É impraticável. Eu sou a favor de colocar limites, mais transparência ainda, mais punição para recursos paralelos. Agora, é melhor ter transparência do que ter algo oculto pela clandestinidade.

Tem algum limite novo que te ocorra a respeito do assunto de doações de empresas para campanhas eleitorais?
Não tenho uma proposta. Estou aberto a examiná-las.

O sr. voltou a ser um congressista. Agora é senador por São Paulo por um mandato de 8 anos e apresentou alguns projetos. Um deles, que me parece ser muito difícil de ser aprovado, é acabar com as mesas diretoras compostas por deputados e senadores. O senhor sabe que é muito difícil de vir a ser aprovado. Para que o senhor apresentou?
Eu apresentei primeiro porque dificuldade não é impossibilidade. Você sabe que eu sou do time que considera que política não é a arte do possível. Política é a arte de ampliar os limites do possível. É difícil, mas não é impossível. Segundo, porque é uma discussão boa no sentido das pessoas terem mais consciência.

Explique isso para as pessoas entenderem do que se trata.
O que é que acontece. A cada dois anos, no Poder Legislativo, você elege o presidente da Casa, os vice-presidentes, depois os secretários disso, aquilo e etc. O sujeito se candidatou para ser legislador, ele vai lá e faz trabalho administrativo da Câmara de Vereadores, da Assembleia, da Câmara Federal ou do Senado. Não tem cabimento. Ele foi eleito para outra coisa. Isso vira objeto de barganha, de negociação política, de impasses e brigas. Custa dinheiro, porque quem é da Mesa, chamemos assim, tem privilégios. O número de assessores, salas. Dependendo de onde seja, motorista, automóvel. Custa dinheiro. Tira o deputado, o parlamentar, do trabalho que ele tem que fazer. Cede para barganhas políticas às vezes impuras. Não tem cabimento. Você vai aos Estados Unidos, vai ao Chile, que tem dois regimes presidencialistas que funcionam melhor que o brasileiro. Lá não tem. Você tem o presidente e o vice. Pode ter até dois vices, mas acabou. O resto, todos são funcionários de carreira dos poderes legislativos que exercem as funções. Pra que um deputado vai entrar para depois organizar concorrência para a comida que a Assembleia ou a Câmara come? Não tem o menor cabimento. Eu acho que as pessoas às vezes não sabem disso. E é importante que saibam o que acontece.

O senhor apresentou o projeto. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), disse alguma coisa se pretende deixar tramitar mais rapidamente?
Quando eu apresentei, eu disse que ia apresentar, o líder do PSDB, Cássio Cunha Lima (PB) falou no plenário apoiando e o Renan, na presidência, também disse que apoiava. Então, nós vamos ver como esse processo caminha. Porque isso tem que passar por todos os partidos, é uma emenda constitucional. Por incrível que pareça, isso está cravado na Constituição Brasileira. Não tem cabimento, então é algo que vai andar. Agora, eu acho que a grande oposição que pode ter é no nível de Brasil, de Câmara de Vereadores, de Assembleias, mas o fato é que quem vai decidir é o Congresso Nacional, Senado e Câmara. Eu acho que aí a chance é maior.

Tem protestos convocados para o dia 15 de março contra o governo da presidente Dilma e com viés de pedir o impeachment da presidente. O sr. tem ouvido falar sobre isso? O que o sr. acha? O sr. acha que está com clima para haver uma adesão grande a esses protestos?
Eu acho que vai haver uma adesão grande na manifestação de insatisfação. Pode variar em relação a impeachment.

O sr. vai participar?
Talvez, não sei, vou ver como as circunstâncias se colocam na época. Mas eu preferia não partidarizar esse movimento. Os movimentos são espontâneos mesmo. Quem diz que tem partido por trás é porque está por fora. Não tem partido por trás disso. É movimentação espontânea, do ponto de vista pelo menos político-partidário. Você vê isso, você nas pessoas como as coisas prosperam na internet. É algo que tem uma taxa de espontaneidade e inquietação imensa. Vai haver e vou dizer a você, é bom que aconteça. Que a população vocalize. Se alguém me perguntar: “devo ir?” Eu digo, vai, se tem vontade, vai.

Deixa eu perguntar um pouco sobre a oposição para o sr. A oposição faz oposição. Critica o governo federal. Não obstante, o governo representado pelo PT ganhou quatro eleições presidenciais seguidas. Não é possível que alguém sempre ganhe a eleição só por mérito próprio. Tem também algum erro da oposição. Houve erro da oposição?
Você olhando a posteriori, você sempre... Ser engenheiro de ponte construída é mais fácil. E eu sou particularmente envolvido nisso, porque duas das quatro eu fui o candidato. E numa delas era favorito, inclusive, no início. De forma que eu me sinto pouco à vontade para fazer essa revisão.

Mas até porque fez parte deve ter uma avaliação a respeito.
Não, tenho, mas envolve coisas muito próximas ainda. Isso já é história.

Já faz 12 anos da primeira.
Mas ainda é muito recente.

Mas vamos falar da oposição. A oposição fez a oposição que deveria ter feito nesse período?
Não, não.

Então faça uma análise sobre isso.
Vou te dar um exemplo. Acho que foi um equívoco aquela badalação a respeito do governo Lula, no começo, que estava seguindo os parâmetros do governo Fernando Henrique. Eu acho que não. Eu, se tivesse ganho em 2002, eu teria governado diferente. Por quê? Porque a conjuntura era outra, você tinha aumento de preços dos produtos brasileiros, você tinha uma situação externa muito mais folgada, você tinha condições para ter tido outro tipo de política, e o governo Lula não mudou essa política. No segundo mandato do Lula muitos associam a ideia do presidente do Banco Central, [Henrique] Meirelles, como olha aí o lado responsável, etc. e tal. Pois eu acho que talvez, na nossa história, deve ter sido um dos dois ou três maiores erros de condução da política econômica que já aconteceram. E acho que muita gente na oposição ficou meio embevecida por isso. No caso do governo Dilma, acho que a colher de chá dada pela oposição, nos primeiros anos, foi muito grande. Não foi uma colher, foi uma concha de chá. Quando eu acho que, e eu escrevi isso desde o primeiro dia, desde o começo de 2011. O que está acontecendo agora, inclusive de não ter governo e etc., já vinha do começo de 2011. O Brasil precisava ter tido um choque de mudanças naquela época. O problema hoje é mais grave porque não se fez nada nessa primeira parte toda. Isso tudo, acontece o seguinte, quando chega na hora da campanha, você vai fazer oposição, mas você não fez antes, você percebe, oposição não se constrói só no âmbito eleitoral.

Mas senador, parece até que estou falando com alguém que está analisando de fora, como um “scholar”.
Lembra que eu sou também professor universitário. Eu tendo às vezes a fazer uma análise meio de fora.

Mas o sr., senador, é dirigente de seu partido, uma pessoa muito importante e influente no seu partido. Como é que o sr. explica que o seu partido tenha cometido esses erros?
Porque nem sempre as pessoas se comportam como você acha que devem ser comportar. Eu não creio em astrologia, “pero que la hay, la hay”. Tenho um astrólogo que disse: você –falando para mim– você é peixe. Peixes querem que as pessoas se comportem direito do jeito que eles acham que é o correto. Às vezes eles têm razão, mesmo assim as pessoas não vão seguir aquilo que seria melhor para elas. E às vezes é assim, às vezes você vê uma situação, você sugere, você fala, as pessoas não dão bola e a coisa continua. Agora, se você está numa agremiação, num partido de forças que vêm juntas há tanto tempo, você tem também que compor com a maioria.

No momento, o seu partido, o PSDB, e os principais aliados, o Democratas, têm adotado a política de oposição correta, na sua opinião?
Acho que agora, pós-eleição, tem tido, do ponto de vista oposicionístico, uma performance melhor do que antes.

Tem que melhorar alguma área?
Se você pegar o primeiro mandato do Lula, o segundo mandato do Lula e o primeiro mandato da Dilma, o começo de cada um, hoje a atitude da oposição a meu ver é mais apropriada.

E tem algum ajuste que ainda precise ser feito?
Eu acho que isso é normal também. Nós vamos ter que...

Mas o que?
No sentido de você poder pegar as críticas e encorpá-las. Vou te dar um exemplo. A saúde do Brasil está um desastre, nós temos que mostrar isso e temos que apontar quais são as medidas a serem adotadas na área da saúde. A oposição é importante para a qualidade da democracia. Você saber fazer oposição não é apenas você bater, é você mostrar aquilo que tem que ser feito. Não no sentido de colaboracionismo, mas para mostrar para as pessoas que tem saída, porque em geral o governo, quando não consegue fazer algo, ele diz que é porque era impossível, porque é difícil, porque a situação não permite e tudo o mais. Não. Mesmo dentro do atual quadro, por exemplo a saúde poderia estar muito melhor. Estou te dando um exemplo. No caso da educação, quando você vê que as barbaridades feitas pelo período petista, pelo governo petista, terem as consequências que têm hoje, você fica se perguntando: onde estava a oposição naquela época? Com relação ao Fies, esse financiamento escolar, de bolsas para alunos de ensino particular. Hoje se mostrou o absurdo que é. São R$ 13 bilhões inteiramente desvirtuados. Na época não houve a crítica, quando na verdade já se desenhava isso. Aliás é outra das contribuições fenomenais do atual prefeito de São Paulo [Fernando Haddad], que só fez estrago quando foi ministro da Educação. Entre outros, teve essa questão.

O sr. está falando da falta de presença de espírito da oposição em determinados momentos e apontar o que é errado, o que ninguém está vendo.
Apontar e ter políticas setoriais para cada questão.

Deixa eu falar então sobre um aspecto que parece que amedronta muito a oposição sempre. Quando o governo do PT, nas propagandas todas, acusa a oposição de querer vender a Petrobras, privatizar a Petrobras, a reação sempre que a gente vê, de maneira geral é: “não, não é isso, nós não queremos, a Petrobras nunca vai ser privatizada. Agora, num país que seja maduro e adulto o suficiente pode discutir sim, talvez, se precisa ter uma empresa tão grande, se a Petrobras pode vender uma parte que não serve mais, que não é missão do Estado, mas nem isso a oposição faz. Por quê?
Eu acho que tem que fazer.

Por exemplo, o sr. teria coragem de dizer, “olha, a Petrobras tem postos de gasolina, tem distribuidora, tem um monte de coisa. Isso daqui talvez pudesse, daqui a 5, 10 anos, ser preparado para vender”?
Eu defendo isso. Você sabe o que a Petrobras faz hoje? Essa, Fernando, você devia pesquisar isso, a diversidade de coisas. A Petrobras produz fio têxtil, fio têxtil em Pernambuco. A Petrobras, está certo? Qual é a função da Petrobras, básica? Prospecção, extração e produção de petróleo. Isso é o coração da Petrobras, isso deve ser preservado. Você pega a empresa... Qual é a melhor empresa estatal do mundo? A norueguesa. Na Noruega é tudo enxutinho, arrumado e dá certo. Eu não acho incorreto. Eu acho que empresa estatal deve ser a grande produtora de petróleo. Agora, outra coisa é ela fabricar adubo...

O sr. acha que para sempre tem que ser?
Pelo menos no horizonte de tempo das nossas gerações, sim. O que não significa não abrir para mais produção, sob controle, como vinha no método de concessões.

E áreas da Petrobras que podem ser preparadas –não é vendar na bacia das almas–, mas prepará-las corretamente, para que o Estado tenha lucro, e repassá-las para a iniciativa privada? Tem alguma que o sr. enxerga, clara?
A Petrobras hoje produz adubo, energia elétrica, tem cabimento? Gás.

A distribuidora deveria existir?
Distribuidora de combustível. Que é lucrativa.

É lucrativa, mas ainda assim...
Tem um dos grupos privados que tem distribuição de gasolina, como é que eles estão ganhando muito dinheiro? Fazendo lojas nos postos, de conveniência, farmácia, isso e aquilo. Você acha que uma empresa estatal vai fazer isso? Eu acho que a Petrobras deveria ser dividida em empresas autônomas, uma holding, e aí cada caso, ou você vende, ou você abre o capital. O Banco do Brasil fez isso, com alguma coisa na área de seguro. E deu certo. Então eu não teria nenhum problema de desfazer, ou conceder, ou associar a Petrobras em áreas diversas, que ela não tem que estar. A meu ver ela não tem que produzir fio têxtil, ela não tem que fazer adubo necessariamente, ela não tem que fazer isso, fazer aquilo. Ela tem que ficar concentrada. Você sabe que a Petrobras tem 300 mil funcionários terceirizados, Fernando. Isso é imanejável. Você criou um monstro, que não dá para governar. Ela tem que ser enxugada para sobreviver.

O sr. está falando isso agora, agora não é eleição. Se o sr. falar isso numa propaganda numa eleição o atual grupo político do governo, o PT, vai dizer assim: “veja, José Serra defende privatizar a Petrobras”.
Eu vou dizer, primeiro é mentira, porque naquilo que é o “core”, que é o coração, não, que é a questão de exploração de petróleo e produção. Segundo, a política de vocês é que levou à destruição da Petrobras, que hoje é clara.

Mas por que isso não foi feito antes, nas outras campanhas?
Eu acho que foi timidez, foi a conjuntura, a circunstância. Por exemplo, em 2010, quando eu fui candidato, você tinha preço das petróleo nas nuvens, tudo parecia dar certo. Eu achava, aliás, aquele método da partilha, que não ia dar para a Petrobras aguentar. Mas isso não estava claro do ponto de vista público. Eles até inventaram... Você sabe que o método da partilha –e isso eu ouvi e um dirigente petista, depois–, eles inventaram aquele método de partilha como opção para as concessões para me encurralar na campanha, para dividir entre privatizante e estatizante. Eles tinham aproveitado e elogiado muito o método das concessões, que foi o que fez subir a produção de petróleo no Brasil. Aí é um estratagema de natureza política enganosa, que aliás custou ao Brasil isso que a gente está vendo agora.

Então deixa eu entender, o sr. prepararia a Petrobras, dividira em áreas, uma holding, e algumas dessas áreas seriam preparadas para eventualmente se desfazer delas, vender ou...
Se desfazer, ou associar com o capital privado...

Quais poderiam se desfazer, por exemplo?
Desde logo, produzir fio têxtil.

Fio têxtil, o que mais?
Energia elétrica, que você pode fazer associação.

Adubos?
Pode ser.

Distribuidora, postos de gasolina, essas coisas?
Eu preferiria aí... A gente tem que pegar cada caso e aprofundar. É difícil, assim, improvisar e já dizer qual é a solução definitiva para cada área. Mas o Banco do Brasil, por exemplo, chegou a fazer associação na área de seguros. Ele participa e deu inclusive controle para a área privada. Isso na gestão do PT.

Mas aí ele continuou no negócio, não é?
Continuou, mas com controle privado. Isso foi feito pelo atual presidente da Petrobras [Aldemir Bendine], quando era presidente do Banco do Brasil.

Mas o sr. acha que tem alguma área que não precise nem ficar participando minoritariamente, pode se desfazer?
Depende. Eu acho que se a área for rentável, sempre convém participar minoritariamente, porque dá dinheiro. E não é mal ter dinheiro para o poder público. Sempre que o critério de administração seja um critério de eficiência.

E algumas específicas, se desfazer, como fio têxtil...
Que não tem cabimento. Agora, eu acho que isso precisa fazer uma malha fina. Eu particularmente estou estudando esse assunto todo. Até para poder fazer, no Senado, daqui um mês mais ou menos, uma proposta a respeito dos rumos da Petrobras. Que eu vou apresentar como contribuição para o debate.

Eu não posso deixar de perguntar sobre o caso de São Paulo, da crise da água, que o Estado enfrenta. Em que medida foi responsabilidade de sucessivos governos do PSDB chegar nessa situação e em que medida é só culpa dos desígnios de São Pedro?
Olha, Fernando, é a maior seca dos últimos 85 anos. A crise da água é porque não chove. Você sempre pode dizer, “mas devia”...

Mas o que poderia fazer? Mais obras?
No último ano em que eu estive no governo, nós tivemos um problema de enchente gravíssimo. Aí eu disse, “é que está chovendo demais”. Aí algum jornalista escreveu: “Serra culpa São Pedro”. Para que? Choveu como nunca tinha chovido. Deu inundação, deu tudo, essa era a problemática. Agora, no meu governo, que foi anterior ao do Alckmin, nós aumentamos a oferta de água bastante, por uma parceria, PPP, uma Parceria Público-Privada, reuso de água industrial, que nós começamos uma experiência pioneira, economia de água desperdiçada, aumentou bem a oferta.

O sr. acha que não houve nenhum erro de planejamento?
Não houve erro de planejamento que explicasse essa situação como fator determinante. O fator determinante é a falta de chuva, não tem conversa. Agora, se o governo disse que ia ter, que não ia ter racionamento, etc., isso depende da circunstância que se estava atravessando. Agora, dissesse o que dissesse, a dificuldade seria a mesma, com toda a franqueza.

Mas, no mínimo, falar no ano passado, ter feito já uma campanha mais explícita a respeito do assunto, que não foi feita, e agora nesse ano está sendo, o sr. não acha que isso foi temerário?
Digamos que tivesse feito, olhando agora, uma campanha impecável, sem erros. O problema estaria igual, praticamente, essa é a verdade. Porque a seca é demais. Agora, acho que eles estão adotando... Por exemplo, todo o programa de investimentos da Sabesp, que tinha uma diretoria competente, e continua. A Dilma Pena, que era presidente [da Sabesp], é muito competente, foi uma das criadoras da Agência Nacional de Águas. Agora o Gérson Kelman, que é dos homens públicos mais preparados no Brasil para a área elétrica e de água, eles estão com um programa correto de aumentar a disponibilidade de água, e acho que isso em 2 ou 3 anos nós vamos estar protegidos de uma outra seca desse tamanho, que é o mais importante que tem. Agora, acho efetivamente que a crise vá acabar tendo uma contribuição importante para o enfrentamento de uma questão, que é a escassez de água. Que é um problema mundial e brasileiro também. Nós vamos ter que mudar os padrões de comportamento dos consumidores. E isso é uma coisa difícil de se fazer a médio e a longo prazo. Mas vai ter que ser feito. Como em relação à energia elétrica. Eu fico espantado com a inércia do governo nessa matéria. Eu digo, o governo nacional.

Senador, como será o processo, no PSDB, para escolha do candidato a presidente da República em 2018 e de candidato a prefeito, já no ano que vem, de São Paulo?
São duas coisas diferentes, mas é muito cedo, no caso de presidente da República, ainda vai acontecer muita coisa, não é um debate bom agora.

E no caso de prefeito de São Paulo, que é daqui 1 ano e meio, aproximadamente?
No caso de prefeito de São Paulo, 1 ano e meio é a eleição. Daqui 1 ano vai que estar praticamente definido, caminhando para definir. Aí eu acho que o partido lá vai ter que ver.

Quais são os nomes do PSDB paulistano?
Eu defendo que haja eleição direta dentro do partido, com todos os militantes, que o PSDB incorpore tanta gente que quer entrar no partido, que tem muita gente querendo entrar, gente inclusive que participa dessas manifestações, que quer atuar mais na política. E que haja uma eleição direta, de todos os militantes, para que seja um candidato bem forte.

O sr. tem algum candidato ou o sr. pretende disputar essa indicação?
Não, não, eu não, pelo amor de Deus, posso te garantir que não há a menor possibilidade. Eu não vou me afastar do Senado não.

De o sr. postular a Prefeitura de São Paulo?
Eu não vou me afastar do Senado.

O sr. tem alguns nomes dentro do partido que enxerga como possíveis candidatos a ocuparem essa vaga?
Quem tem manifestado isso mais abertamente é o Andrea Matarazzo, que a meu ver é um bom candidato, mas haverá outros também que vão se colocar.

O sr. votaria em Andrea Matarazzo?
Até agora, sim. Depende do tipo de plantel que se apresentar. Hoje, de quem se apresenta, o Andrea sem dúvida é uma pessoa muito qualificada. Conhece bem a cidade.

Para 2018, o senso comum manda dizer que o ex-candidato, ainda senador, Aécio Neves, seria novamente possível candidato ou o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que terminaria seu mandato, não poderia concorrer à reeleição. São 2 nomes. Qual é a sua avaliação sobre isso?
Olha, são nomes, como você diz, plausíveis como próximos candidatos, sem dúvida nenhuma. Como eu te disse, é muito cedo ainda para começar esse tipo de debate, de especulação. Muito cedo. Em geral, ele é preferido, ele é objeto de interesse dos jornalistas, não tanto dos políticos.

Dos políticos também.
Mas se é, é íntimo, não é no debate.

Pois é, os jornalistas são mais francos. O PSDB nunca repetiu candidatos em duas eleições seguidas. Já o PT tem uma tradição diferente, disputou várias com o candidato Lula até ganhar e depois com Dilma.
O Lula foi 4 vezes.

Isso. É mais que o [ex-presidente da França François] Mitterrand [1916-1996]. E no caso do PSDB isso nunca acontece, sempre é um, depois outro, podem ser alternados, como foi o seu caso. A tática do PT foi melhor?
Acho que depende de cada partido e cada candidato. O PT, no caso, só tinha o Lula também. Veja a retrospectiva, não tinha muita saída. Agora, eu não tinha pensado nisso, nessa alternância, é uma observação curiosa.

Pela lógica petista, teria que ser o Aécio Neves de novo, tentar, tentar, tentar até ganhar. Pela lógica do PSDB haverá uma alternância. Será alguém, pode até ser o Alckmin, repetir, ou o sr. novamente. O sr. cogita essa hipótese de ser candidato pela terceira vez?
Você sabe o que eu cogito? Ter um bom desempenho no Senado, eu não estou com eleição na cabeça, para nada, eu quero concentrar no meu mandato agora. Aprovar coisas.

Se o sr. tivesse uma lei, um projeto, que gostaria muito que fosse aprovado, só um, qual seria ele?
Agora, a curto prazo, o voto distrital nas cidades grandes, de mais de 200 mil eleitores. É projeto de lei, não precisa mexer na Constituição, pode valer para 2016, vai inocular no organismo político brasileiro um vírus benigno, que barateia a campanha eleitoral, o voto distrital, sem dúvida nenhuma. E aumenta a representatividade dos eleitos. Quem sabe pode frutificar até para outros níveis. Acho que isso representará uma mudança concreta. Estou vendo, Fernando, apesar de que muito gente, talvez você entre essas pessoas, é cética a respeito, eu vejo boa chance de aprovar. Não vejo grandes resistências. E isso representará uma mudança crucial na política brasileira. Não é sozinho também, precisa outras coisas. Mas estou confiante que isso possa acontecer. Só para você ter uma ideia. A eleição distrital nas cidades grandes, que são 80 no Brasil, de mais de 200 mil eleitores, pega mais ou menos 40 milhões, 38 milhões de eleitores. Só isso permitira economizar de gastos de campanha R$ 5 bilhões. Por quê? No caso de São Paulo, você tem em geral 1.200 candidatos a vereador. Cada candidato disputa voto junto a 9 milhões de eleitores, é uma loucura. Você vai dividir a cidade em 55 distritos, de 150 a 160 mil eleitores, vai escolher entre sete ou oito candidatos, vai controlar o desempenho daquele que for eleito, você sabe perfeitamente que se você fizer pesquisa dois anos depois da eleição, 70% não sabem nem em quem votou. Isso tudo mudaria. Para a democracia brasileira seria um ganho extraordinário. Eu estou concentradíssimo agora nesse projeto, o que não me impede de apresentar coisas em outras áreas, por exemplo eu tenho um projeto que eu tenho certeza que vai ser aprovado, esse eu tenho certeza, que é por limites de endividamento para o governo federal. Porque a Lei de Responsabilidade Fiscal introduziu limites de endividamento para Estados, para municípios, e não para o governo federal, o que é um absurdo. E eu tenho certeza que minha posição vai prevalecer no caso.

Sem querer me estender muito, no caso dos distritos, para as cidades com mais de 200 mil eleitores, uma resposta curta sua, não temos muito tempo, quem vai dividir os distritos?
O Tribunal Regional Eleitoral. Vai dar briga? Vai. Você imagina o seguinte, no processo político da história, toda vez que você resolve um problema, aparecem dois. Você tem razão. Nós estávamos conversando antes do programa sobre isso, o Fernando tem a preocupação sobre como é que vão ser criados os distritos, influência, jogadas, etc. É inegável, ele tem razão, esse é um problema. Agora, vamos resolver. Um problema, aparece outro, e a gente enfrenta também. Tem que ser infatigável.

O sr. está com 72 anos. Como está sua saúde?
Eu diria que, tirando a alergia, que foi agravada pelo ar-condicionado do Senado, perfeito. Agora, eu sou alérgico a ar-condicionado. Aliás, devo agradecer que aqui não armaram uma sala gelada, com aquele ar poluído que sai dos aparelhos. Já fiz a reclamação para o presidente do Senado, para o diretor-geral, já fiz uma onda a esse respeito.

Como está a sua vida pessoal?
Boa, normal.

O sr. casou de novo?
Não.

Está solteiro?
Tô.

Muito bem. Muito obrigado José Serra, senador pelo PSDB de São Paulo, por essa entrevista ao UOL.