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Todos adoram Kakay. E ele também

O advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, durante julgamento do mensalão em 2013 - Pedro Ladeira - 5.set.2013/Folhapress
O advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, durante julgamento do mensalão em 2013 Imagem: Pedro Ladeira - 5.set.2013/Folhapress

Vanessa Dezem e Jessica Brice

Da Bloomberg

01/02/2016 11h19

Antonio Carlos de Almeida Castro adora falar. Aos 58 anos, ele é o advogado de defesa dos ricos e poderosos no Brasil, e gosta que todos saibam disso.

Quase nada em seus 30 anos de carreira -- do maior escândalo ao menor acordo de bastidores -- está fora dos limites durante uma entrevista que se estendeu por dois dias e duas cidades. As histórias são muitas: como ele participou da derrocada de um presidente; como ajudou um colega de faculdade a conseguir um assento no Supremo Tribunal Federal; e não poderia ficar de fora a história do dia em que ele, após algumas taças de vinho, apareceu "alegrinho" em um jantar do Itamaraty e trocou cartões de lugar para se colocar em uma mesa com gente mais importante.

A única vez em que Kakay, como todos o chamam, faz uma pausa para medir as palavras é quando a conversa se volta para o seu mais famoso cliente do momento, o bilionário André Esteves. Kakay avisa desde o início: não dará nenhuma explicação sobre as particularidades da defesa, nenhum dos "como" ou dos porquês. Mas ele garante que o processo contra Esteves não será sequer aberto. Não só as acusações são fracas, como o banqueiro é representado por um advogado que acredita em suas próprias habilidades.

"Eu não sou nenhum intelectual do Direito", diz Kakay durante um almoço no restaurante Piantella, do qual é dono, em Brasília. "Mas sou um p... advogado."

A refeição daquela tarde é um padrão na vida de Kakay. Durante três horas, ele é o centro das atenções, enquanto toma uma taça de vinho tinto português atrás da outra. Kakay realmente tem um enorme estoque de histórias. E, se em algum momento parecer que você não está prestando atenção suficiente nelas, ele se estica até o outro lado da mesa e toca seu pulso para te chamar de volta. A história do Brasil se desenha nos nomes e nos escândalos que ele cita, começando com o processo de impeachment de Fernando Collor de Mello, em 1992, cujo texto Kakay ajudou a elaborar.

"Gostei de participar do amadurecimento do País," diz ele. "As pessoas me param na rua para fotos, até autógrafos; elas oferecem para pagar minha conta de bar. É meio chato eu falar esse tipo de coisa, muito cabotino. Mas é tudo fruto dessa espetacularização do processo penal, que eu tanto critico."

 

Kakay, por si só, tem algo de espetaculoso. Com uma barba espessa e cabelos ondulados, nos quais mexe constantemente, ele poderia se parecer com um ermitão, se não fosse por sua atenção à moda. Ao posar para fotos em seu escritório em Brasília, deixa à mostra o tênis de cano alto, arruma sua camiseta preta salpicada de uma tinta prata e ajeita os óculos, com uma leve inclinação de gatinho.

E conta sua histórias, parecendo ter livre acesso aos corredores de Brasília. Uma vez, encontrou Lulaenquanto estava de férias em Búzios, RJ, antes da eleição de 2002. O ex- metalúrgico teria pedido um conselho ao advogado: o que ele deveria mudar em sua campanha para, daquela vez, enfim, ganhar as eleições? Kakay, segundo o próprio, teria dito a Lula para trocar sua equipe de advogados. Lula seguiu o conselho, e em seu primeiro mandato, o convidou para trabalhar no Supremo Tribunal Federal. Kakay diz, rindo, que respondeu: "Não tenho nenhum interesse em ser ministro do Supremo, mas eu gostaria de ser nomeado como ex-ministro do Supremo. Então, eu poderia ter todas as vantagens do cargo, sem ter que trabalhar lá!"

No Piantella e no dia seguinte entre taças de espumante no Hotel Emiliano em São Paulo, Kakay navega por todos os assuntos: de suas roupas ("Um juiz me disse uma vez que eu me vestia estranho; tudo bem, até pode ser, mas eu ganhei o caso") à sua saúde (pegar dengue foi uma bênção, que o ajudou a perder peso), além do psiquiatra que encontra seis vezes por ano, em Paris. Kakay tem um apartamento lá e outro no Rio, mas vive em uma mansão de seis suítes em Brasília com sua terceira esposa e o filho de 10 anos. Ele conta que, quando fica no Emiliano, a cama é arrumada com lençóis bordados com suas iniciais.

Foi na mansão em Brasília, um pouco depois do amanhecer de 25 de novembro, que Kakay ficou sabendo que Esteves tinha sido preso, acusado de tentar interferir na delação premiada do ex- diretor da Petrobras, Nestor Cerveró, no âmbito da operação Lava Jato. Esteves era então presidente e diretor-executivo do banco de investimentos BTG Pactual. Kakay tinha acabado de pisar na esteira quando recebeu a primeira ligação.

Kakay continuou correndo. Ele havia passado a noite anterior -- como passa quase todas as noites -- comendo e bebendo bem em seu restaurante, e papeando bastante. Ele compensa os excessos com um treino diário de duas horas nas manhãs seguintes. Mas o telefone tocou de novo. E de novo. E de novo. "Recebi umas 300 chamadas", diz ele. "Não dava para continuar."

Foi um choque o "menino de ouro" brasileiro ter sido envolvido na investigação que tem ajudado a aprofundar a brutal recessão pela qual o Brasil passa hoje. Esteves já era cliente - - Kakay não quis dar detalhes sobre quando foi contratado. "Não me manifesto sobre Esteves, em respeito ao Supremo que vai julgar em breve o caso" -- então, o advogado seguiu para o STF. Ele queria ler cada linha do mandado de prisão.

Quanto mais ele lia, conta, mais via falhas. Kakay critica a operação: "Os meninos da Lava Jato se intitulam semideuses", diz. E a sociedade está muito focada? na "criminalização dos ricos", segundo o advogado. "Estamos passando por uma série de prisões preventivas desnecessárias."

A Lava Jato até agora resultou em mais de 100 detenções, transformando os promotores em heróis para muitos brasileiros não acostumados a ver criminosos de colarinho branco na cadeia. A operação também rendeu a Kakay 10 novos clientes.

"Um advogado criminal que não se emociona com esses tipos de injustiça deve fazer outra coisa."

Cerca de três semanas depois, Kakay estava de volta ao Supremo, dessa vez para discutir a libertação de Esteves da notória prisão carioca de Bangu, onde o banqueiro de 47 anos estava dormindo em uma cama de concreto e usando um banheiro coletivo. Esteves foi acusado de participar de um encontro secreto em 19 de novembro e de oferecer ajuda financeira para evitar a delação de Cerveró.

Esteves não estava nem perto do local do encontro naquela data, segundo os argumentos apresentados pela sua equipe de advogados na ocasião, incluindo o escritório Rao&Pires Advogados. O bilionário também é acusado de ter obtido uma cópia do depoimento do executivo da Petrobras. As buscas e apreensões na casa de Esteves não mostraram nenhuma evidência de que ele já tinha visto o documento. Na semana anterior ao Natal, um juiz federal ordenou a liberação de Esteves, que responde ao processo agora em retenção domiciliar.

Kakay e sua equipe trabalham para o arquivamento do processo em breve. "Estamos desconstituindo as acusações para que não seja feita a denúncia", diz ele. "Nossa intenção é que ele nem se torne réu."

Perguntado sobre os segredos para o seu sucesso, Kakay olha para as dezenas de reportagens com fotos dele enquadradas na parede de seu escritório, como se estivesse procurando a resposta ali. E diz que é bom em ouvir as pessoas, que entende de processos jurídicos e técnicos.

Vê-lo em ação nesses dois dias, porém, dá uma explicação alternativa, mais simples, de seu sucesso. Ele tem uma capacidade imensa de ser notado e de entreter. Do vendedor de bilhetes de loteria na calçada, ao senador sentado em uma mesa próxima, a personalidade da TV, passando por toda a equipe de garçons -- Kakay oferece a todos um grande sorriso e puxa papo rapidamente. Sorrisos se abrem de volta para ele. Todos adoram Kakay. E Kakay também.