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Agora é a vez do STF, diz presidente de Corte Interamericana sobre Lei da Anistia

Roberto Caldas, 53, é o segundo brasileiro a ocupar a presidência da Corte Interamericana de Direitos Humanos - Divulgação - 18.jun.2015/Corte IDH
Roberto Caldas, 53, é o segundo brasileiro a ocupar a presidência da Corte Interamericana de Direitos Humanos Imagem: Divulgação - 18.jun.2015/Corte IDH

Leandro Prazeres

Do UOL, em Brasília

20/02/2016 06h00

O advogado sergipano Roberto Caldas, 53, tomou posse no último dia 15 como presidente da CIDH (Corte Interamericana de Direitos Humanos). É a segunda vez que um brasileiro chega ao posto mais alto da Corte, instalada há 37 anos. Sediada em San José, na Costa Rica, a CIDH julga casos de violação de direitos humanos que, no entendimento das vítimas ou de entidades, não foram corretamente julgados em seus países.

Em 2010, Caldas foi um dos juízes que condenaram o Brasil pelo desaparecimento de 62 pessoas durante a Guerrilha do Araguaia e que determinaram o julgamento e a responsabilização pelos responsáveis no episódio, a maioria militares. A decisão, até agora não cumprida, foi alvo de debates acalorados no STF (Supremo Tribunal Federal) que, em 2010, decidiu não rever a Lei da Anistia. Em 2014, porém, o PSOL entrou com um novo pedido de revisão da Lei da Anistia que está tramitando no Supremo. 

Em entrevista ao UOL, Caldas voltou a defender a revisão desta lei, disse que a nova composição do STF tem uma postura diferente em relação ao tema e que os juízes brasileiros sofrem com uma “carência” de formação em direitos humanos.

UOL – Em 2010, o STF decidiu contra uma ação movida pela OAB pedindo a revisão da Lei da Anistia. Por que o STF ainda não revisou a Lei da Anistia? 

Roberto Caldas - Aí é uma pergunta para o Supremo. Nós temos o nosso dever de julgamento e ele foi feito e só nos cumpre agora acompanhar o julgamento (da ação movida pelo PSOL) e os próximos passos. Realmente, cada tribunal tem a sua competência e o próximo julgamento é do Supremo. 

O senhor continua favorável à revisão da Lei da Anistia?

Sim. É o teor do meu voto. Participei da unanimidade daquele julgamento (de 2010) e tenho um voto separado, inclusive, explicando todos os termos da minha posição. Então, é essa a posição definitiva da sentença da Corte.

Quase seis anos depois, o fato de o Brasil não ter revisto a lei, como determinava a Corte, não coloca em xeque a validade da decisão?

A execução de sentenças, em geral, tem suas dificuldades próprias e históricas na região. Se você for ver decisões da justiça nacional e nos Estados, você verificará que há várias lacunas. Agora, é muito importante registrar que a Corte Interamericana tem um grau de cumprimento de suas decisões elevado. Isso mostra respeito às decisões da Corte. Nossas sentenças são obrigatórias e os diversos Estados as têm cumprido.

A impressão de que nossa decisão sobre a Lei da Anistia não foi cumprida é algo que cabe à sociedade debater. A Corte, de sua parte, vai ter a função de acompanhar e verificar se a sentença está integralmente cumprida ou não. Se não tiver sido cumprida, vamos dizer.

Magistrados de dentro e de fora do STF afirmam que as decisões do Supremo não devem se submeter às decisões da Corte. Afinal, em matéria de direitos humanos, quem deve ter a palavra final?

Não vi magistrados, a não ser naquela época, dizendo isso. Tivemos uma reação do presidente do STF à época (Cezar Peluso), e foi só. Mas isso mudou completamente. Vimos isso no discurso de posse do atual presidente (Ricardo Lewandowski) ao assumir quando ele falou da importância do cumprimento e da harmonização das decisões do STF com as da Corte Interamericana. É importante lembrar que as sentenças da Corte não são facultativas. Elas são obrigatórias.

Mas na medida em que um Estado não cumpre uma decisão exarada pela Corte, isso não a enfraquece? Não tira sua legitimidade?

A legitimidade da Corte se dá pela fundamentação das suas sentenças. A Corte não tem polícia. Essa é uma Corte absolutamente erguida com base na qualidade da sua jurisprudência. É uma Corte muito prudente, mas aplica o jus cogens, que é o direito coercitivo internacional. É obrigatório. O direito internacional, especialmente quando se refere ao ser humano, ele deve ser de integral proteção.

Quando a Corte vai analisar novamente o cumprimento da sentença do Brasil?

Não temos uma data prefixada.

O senhor acredita que a nova composição do STF pode revisar a Lei da Anistia?

Mais uma vez, é uma pergunta própria para o Supremo. Desde o nosso julgamento, não houve uma nova decisão do plenário do Supremo.

É a vez do Supremo estabelecer esse julgamento. O nosso foi feito. Agora é a vez do Supremo.

Mas não nos é prudente e até apropriado ficarmos num debate público entre cortes discutindo essa questão.

O senhor defende que há gerações de juízes brasileiros com uma carência em direitos humanos. O senhor acha que esse cenário está mudando?

Ele está caminhando para uma mudança. Estamos dando mais atenção aos direitos humanos até pela necessidade de cumprimento de alguns casos recentes da Corte Interamericana. Isso tudo leva ao estudo, ao aprofundamento. Num dado momento da nossa história, houve a proibição da disciplina de direitos humanos. As faculdades não podiam ter direitos humanos. Muitas vezes, cursos de filosofia também eram banidos.

Algumas gerações foram formadas sem ter contato com os direitos humanos. Quando comparamos nossa formação com a de outros países da região temos uma visível carência nesse tema. É muito importante que estejamos tendo agora essa consciência. Sabemos que os avanços são paulatinos.

Em 2013, a Venezuela se desligou da Corte Interamericana alegando que os julgamentos contra o país eram “parciais”. Há conversas para que a Venezuela volte a integrar a Corte? Como o senhor analisa a saída da Venezuela da Corte e a crise vivida pelo país?

Eu não gostaria de fazer uma análise sobre a situação presente da Venezuela. Quem deveria fazer isso não é a Corte, mas os órgãos políticos da OEA (Organização dos Estados Americanos). Eu analisaria a saída da Venezuela dentro de um âmbito maior. Eram 21 países até aquele momento e agora são 20. E são mais de 500 milhões de pessoas que estão sob a nossa competência. Mas isso pode ser ampliado quando os outros países, os outros 15 países do continente americano, ratificarem sua entrada na Corte. Todos esses países são bem-vindos.

Entre os países que não fazem parte da Corte estão os Estados Unidos. Não há um paradoxo no fato de os Estados Unidos, um país com um discurso de respeito aos direitos humanos, não se submeter às decisões da Corte Interamericana?

Há determinados temas que eu prefiro deixar que a sociedade discuta. É importante o tema estar em discussão, mas prefiro não emitir a minha opinião a respeito e evidentemente, a Corte não tem uma posição institucional sobre isso.