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Zika impulsiona 'mercado paralelo' de repelente

Com o surto do vírus da zika no Brasil, grávidas se protegem e confiam no repelente para evitar picadas do mosquito - Fernando Jr. Bizerra/ EFE
Com o surto do vírus da zika no Brasil, grávidas se protegem e confiam no repelente para evitar picadas do mosquito Imagem: Fernando Jr. Bizerra/ EFE

Ruth Costas

Da BBC Brasil, em São Paulo

23/02/2016 13h23

O pânico causado pelo zika vírus aliado a falta de repelentes à base de icaridina nas farmácias fez surgir nos últimos meses um lucrativo mercado paralelo desse produto, no qual os preços chegam a ser três vezes mais altos.

No site de compra e venda Mercado Livre, por exemplo, um repelente Exposis Infantil, que na farmácia costuma ser vendido por R$ 54 ou R$ 57, chega a ser oferecido por um vendedor de Ribeirão Preto por R$ 190.

Só no Mercado Livre a busca pelo termo "Exposis", líder de mercado do segmento, resulta em 234 anúncios. Há ainda mais de 100 anúncios do Sunlau, lançado pela empresa Henlau Química no final do ano passado, e cerca de 40 do Luvex Gold, ambos à base de icaridina.

O site de vendas OLX também tem dezenas de anúncios de repelentes com essa substância. Na maioria dos casos, as ofertas dos dois sites têm preços bem mais elevados que os das farmácias, onde os repelentes costumam sumir com relativa rapidez depois de chegar às prateleiras.

Um vendedor chega a oferecer um "kit" com dez repelentes por mais de R$ 1 mil.

Também há algumas ofertas com os produtos mais baratos do que na farmácia - embora esses sejam muito menos numerosos. Contactados, alguns dos vendedores disseram que haviam comprado mais do que precisava e queriam se livrar do excesso.

Longa duração

O repelente à base de icaridina vem sendo recomendado por médicos contra o mosquito Aedes aegypti, vetor da zika, chikungunya e dengue, em função de sua baixa toxidade e da longa duração de seu efeito.

Na concentração de 20% a 25%, chega a oferecer 10 horas de proteção, contra 4 ou 5 horas dos outros repelentes - embora médicos e fabricantes alertem que, em dias muito quentes ou no caso de contato com a água, o produto precisa ser reaplicado com maior frequência.

"Não dá para passar repelente de manhã e achar que você vai ficar o dia inteiro protegido. Em muitos casos é preciso uma reaplicação", diz Angela Rocha, infectologista do Hospital Oswaldo Cruz, em Recife. "Acho que a principal vantagem da icaridina é mesmo a questão da baixa toxidade, que permite seu uso seguro por grávidas, grupo de risco no caso da zika."

A corrida pelo repelente com icaridina começou no final do ano passado, depois que o Ministério da Saúde reportou a relação entre o surto de zika e bebês com microcefalia.

Foi algo "sem precedentes", na definição de Paulo Guerra, diretor-geral no Brasil da Osler, empresa francesa que produz o Exposis.

Ele que conta que as suas vendas aumentaram 30 vezes em função dessa procura.

Listas de espera

O produto - mais caro que um repelente com outro princípio ativo - rapidamente sumiu das farmácias em dezembro.

Algumas começaram a fazer lista de espera e em sites de informação sobre gravidez e maternidade - como o Babycenter - grupos de gestantes passaram a trocar dicas sobre onde encontrar o repelente em diversas cidades.

"Mamães de São Paulo me ajudem, independente da cidade que vocês sejam (sic). Vocês sabem onde tem o repelente Exposis em gel (bisnaga azul)??? Eu vou até a China buscar", escreveu uma usuária do Babycenter em um fórum sobre o tema, no final de dezembro.

"Estou na mesma situação que você. Está difícil encontrar e nem com meu nome em filas de espera das farmácias estou conseguindo comprar. Se por acaso descobrir algum lugar que esteja vendendo, por favor compartilhe conosco!", respondeu outra.

Neste início do ano, o repelente já está sendo encontrado com um pouco mais de facilidade ao menos no Rio e em São Paulo, embora seu suprimento ainda seja inconstante.

No final da semana passada, no serviços de vendas online de uma grande rede de farmácias em que a BBC Brasil encontrou o produto, a atendente ainda instruía clientes a "comprar o quanto antes porque o novo lote acabou de chegar e às vezes acaba em questão de horas".

O serviço online de outra grande rede disse que estava em falta. "Quando chega não dura muito", explicou a vendedora.

"Nós vendemos o que conseguimos produzir e só não produzimos mais porque precisamos trazer a icaridina da Alemanha", diz Guerra.

"Tivemos até de mudar a forma como trazemos o produto recentemente, para agilizar o processo de produção. Em vez de navio, agora a icaridina vem de avião."

Patente

O único produtor de icaridina é o laboratório alemão Bayer, que detém sua patente.

Outras empresas produtoras do repelente no Brasil também relatam que só não produzem mais em função desse gargalo no processo de aquisição da icaridina.

No Brasil, até o ano passado o único repelente com icaridina com largo alcance no varejo era o Exposis.

A empresa Luvex tinha um produto do tipo, mas só vendia para empresas (por exemplo, para aquelas que têm projetos em regiões de selva).

Com o crescimento do problema da dengue, chikungunya e, mais recentemente, zika, outras empresas resolveram entrar no filão.

"O produto à base de icaritina tem um custo mais elevado mesmo. Principalmente em função dessa necessidade de se importar a sua matéria-prima, relativamente mais cara", diz Marcos Brunieri, gerente de novos negócios da Henlau, fabricante do Sunlau. "Mas tentamos colocar um preço um pouco mais baixo porque, como somos novos no mercado, precisamos conquistar os consumidores. Ainda assim, notamos que, nesses sites de compra e venda na internet, o preço está realmente mais elevado do que nas farmácias e estamos acompanhando isso."

Guerra, da Osler, diz que notificou tanto o Mercado Livre quanto a OLX sobre a questão e ao menos o primeiro teria se mostrado aberto para conversar.

"Trata-se de oportunismo, uma exploração indevida dessa situação (de crise de saúde pública) gerada pela zika", opina Guerra, contando que alguns consumidores chegaram a criticar sua empresa pensando que ela seria responsável pelos preços mais altos.

"Não subimos os preços por considerar que essa seria a melhor postura, a mais responsável. E as farmácias, que são nossas parceiras, adotaram a mesma linha, mantendo o nosso preço sugerido. O problema é que algumas pessoas resolveram se aproveitar dessa situação sabendo que haverá grávidas dispostas a pagar qualquer coisa por um bom repelente no atual cenário."

Daniely Morato, gerente comercial da Luvex, diz que a empresa também está monitorando com atenção a venda de seus repelentes pela internet, procurando identificar revendedores que abusam nos preços.

"Se notamos que alguém ou alguma empresa está abusando, podemos deixar de vender para ela", diz Morato.

Contatada pela BBC Brasil, a OLX diz que não foi notificada pela Exposis sobre os anúncios.

O Mercado Livre confirmou o recebimento da notificação mas ressaltou que mantém uma parceria próxima com a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Segundo a empresa, é a agência que precisa considerar os anúncios irregulares e até agora a Anvisa não emitiu nenhum comunicado sobre o tema.

"O Mercado Livre é uma empresa de tecnologia que oferece espaço para que vendedores e compradores se encontrem e negociem diretamente. O vendedor possui a liberdade de oferecer o produto no valor que entender ser mais competitivo para ele dentro da plataforma, assim como, do outro lado, o comprador pode optar por adquirir o produto com outro vendedor", respondeu o site, por meio de nota.

"Reforçamos que os produtos comercializados no site cumprem com os termos e condições da plataforma e seguem rigorosamente as regulamentações da Anvisa (ex. número de registro), a qual é parceira do Mercado Livre. Por meio dessa parceria, a Anvisa tem a liberdade de solicitar baixa de anúncios que por ventura não estejam regulamentados."

A área comunicação da Anvisa explicou à BBC Brasil que os repelentes são classificados pela agência no mesmo grupo de produtos cosméticos, embora dentro desse grupo sejam considerados de "grau 2" (como tintura de cabelo), porque seu registro exige uma análise um pouco mais rigorosa e mais processos de avaliação.

"Na prática isso quer dizer que o repelente pode ser comercializado tanto por pessoas físicas quanto por jurídicas e o preço não é regulado", diz a assessoria de comunicação da agência. "Não é como os medicamentos, que só podem ser vendidos em farmácia."

Ou seja, na avaliação da Anvisa, se uma pessoa quiser tentar vender um repelente a R$ 500 reais, isso não é crime ou infração. Se isso é "moralmente" certo, ante a crise de saúde pública desatada pela zika, para algumas pessoas são outros quinhentos.