Topo

Pacientes fazem fila na USP por remédio experimental contra câncer

A suposta eficácia da fosfoetanolamina contra o câncer vem sendo discutida há vinte anos, mas a substância ainda não foi liberada pela Anvisa - Reprodução/Jacobs Publisher
A suposta eficácia da fosfoetanolamina contra o câncer vem sendo discutida há vinte anos, mas a substância ainda não foi liberada pela Anvisa Imagem: Reprodução/Jacobs Publisher

Em São Carlos

14/10/2015 11h26

Pacientes e parentes formaram fila na terça-feira (13) na USP de São Carlos, no interior paulista, em busca de fosfoetanolamina sintética, substância que seria capaz de combater o câncer. A procura foi registrada após o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) reconsiderar a decisão que proibia a distribuição. Diante disso, mais de 700 liminares já concedidas em primeira instância voltaram a ter validade.

A grande procura --que levou à distribuição de senhas e criou o temor de que aumente ainda mais o número de interessados-- fez com que a Universidade de São Paulo (USP) divulgasse um comunicado. A instituição alega que não é indústria química ou farmacêutica e não tem condições de atender demanda em larga escala. As cápsulas são produzidas pela USP, no campus de São Carlos, mas a capacidade de produção é limitada.

A droga não foi testada ainda em humanos, mas quem está tomando a fórmula garante que faz efeito. A substância também não tem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas na quinta-feira passada (8) o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a entrega para uma paciente do Rio de Janeiro. No dia seguinte, o TJ-SP voltou atrás em sua proibição.

"A ausência de registro não implica, necessariamente, lesão à ordem pública", afirmou o ministro Edson Fachin, na decisão.

De acordo com a advogada Alexandra Carmelino Zatorre, que já representa cerca de 200 doentes ou familiares, o número de interessados não para de aumentar. "Todo dia recebo ligações de várias partes do Brasil de pessoas até desesperadas", contou. Ela espera que a USP tenha condições de atender ao aumento na demanda, já que, para os doentes, a cápsula é "a última chance de sobrevivência e de cura".

Zatorre vai pedir à Justiça que as cápsulas sejam liberadas para todos os pacientes que comprovarem a necessidade por laudo médico, independentemente da necessidade de ação judicial.

O advogado Dennis Cincinatus, que levou o caso ao Supremo Tribunal Federal (STF) para obter as cápsulas usadas pela sua mãe, portadora de câncer em estado terminal, também já foi procurado por dezenas de pessoas.

Doentes, parentes e amigos de pessoas com câncer iniciaram uma campanha nas redes sociais para tentar liberar para todos os pacientes a fosfoetanolamina sintética. "Vou fazer o diabo para essa decisão do STF ser aplicada a todos", disse o advogado Jefferson Vaz em uma das muitas páginas criadas na internet para defender a substância. "Quem quer briga grande vem comigo."

Em outra página a favor da fórmula, é citado o caso do pequeno Thiago, 9, que tem câncer no pulmão. Familiares contaram que os quimioterápicos estavam sendo muito agressivos e mais nocivos do que benéficos. "Portanto o que resta agora são os tratamentos alternativos", diz a mãe do garoto que já conseguiu quase 12 mil assinaturas em favor da fosfoetanolamina.

USP fala em "oportunismo"

Cada paciente recebe 60 cápsulas por liminar, quantidade que é suficiente para até 20 dias. Mas a universidade informou que esta substância "não é remédio" e que "exploradores oportunistas" fazem propaganda da droga.

A USP diz ainda investigar a denúncia de que funcionários estariam divulgando esse tipo de informação incorreta. Afirma também que estuda a possibilidade de "denunciar ao Ministério Público os profissionais que estão se beneficiando do desespero e da fragilidade das famílias e dos pacientes".

Em sua decisão, o presidente do TJ recomendou que os pacientes sejam informados de que a substância não é medicamento registrado na Anvisa e não tem eficácia comprovada contra o câncer.

Promessa de cura

Em junho deste ano, Carlos Kennedy Witthoeft foi preso em Pomerode (SC), acusado de "falsificação de medicamento". Ele produzia e distribuía a fosfoetanolamina com base na fórmula desenvolvida em São Carlos. Witthoef contou que usou a substância em sua mãe, de 82 anos, que estava com câncer. Em 18 dias, ela teve grande melhora e foi dada como curada. Com a ajuda da esposa, ele passou a produzir e distribuir as cápsulas de graça. Witthoef passou 17 dias preso e ainda responde ao processo.

Com a divulgação de casos de cura e dos benefícios do tratamento em sites, como Amigos da Cura e Petição24, a busca pelas cápsulas cresceu.

A fosfoetanolamina

A suposta eficácia da fosfoetanolamina contra o câncer vem sendo discutida há vinte anos, desde que uma formulação foi desenvolvida e testada pela equipe do pesquisador Gilberto Orivaldo Chierice, ex-professor da universidade, no início dos anos 90. Durante mais de uma década, ela foi distribuída gratuitamente.

Em 2014, uma portaria do Instituto de Química da USP São Carlos suspendeu a entrega de substâncias experimentais sem registro na Anvisa.

O médico Fernando Maluf, diretor de oncologia clínica do Centro Oncológico Antônio Ermírio de Moraes, em São Paulo, faz ressalvas sobre a liberação da fosfoetanolamina. "Como é uma droga que ainda está em fase de pesquisa e experimentação, não deveria ter uma liminar que a libera ou que obriga alguém a dar essa medicação a um paciente porque ela ainda não tem aprovação em órgãos nacionais ou internacionais, então não tem nenhuma evidência de benefício", afirma.

Segundo ele, a substância está em fases extremamente precoces de estudo para câncer como leucemia e tratamento de tumores renais, e estudos maduros em serem humanos ainda não foram feitos.

A Anvisa informa que é necessária a avaliação de ensaios clínicos antes de qualquer medicamento ser disponibilizado para uso no Brasil. No caso da fosfoetanolamina, a agência diz não ter recebido qualquer pedido de avaliação para registro dessa substância, nem mesmo pedido de pesquisa clínica, que é a avaliação com pacientes humanos. "Isto significa que não há nenhuma avaliação de segurança e eficácia do produto realizada com o rigor necessário para a sua validação como medicamento".