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Vício por chocolate existe e precisa ser tratado, afirmam profissionais

A pessoa viciada come uma caixa de chocolate em alguns minutos, ou seja, uma grande quantidade em um espaço curto de tempo; muitas escondem o doce para não ter de dividir - Thinkstock
A pessoa viciada come uma caixa de chocolate em alguns minutos, ou seja, uma grande quantidade em um espaço curto de tempo; muitas escondem o doce para não ter de dividir Imagem: Thinkstock

Cármen Guaresemin

Do UOL, em São Paulo

26/03/2013 07h00

Páscoa no Brasil sempre foi sinônimo de alto consumo de ovos de chocolate. Porém, há pessoas que não abrem mão dessa delícia o ano todo. Algumas se dizem apaixonadas e outras se assumem chocólatras, referindo-se a um verdadeiro vício pelo doce. Mas como diferenciá-las? Comer chocolate todos os dias seria o suficiente para ser considerado um viciado?

O psiquiatra Arthur Kaufman, docente Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), foi responsável por uma pesquisa com um grupo de voluntários com compulsão por chocolate. Ele explica a diferença: “Chocólatra é a pessoa com compulsão pelo doce, como há os compulsivos por drogas, jogos e internet”.

Ele exemplifica: a pessoa come uma caixa de chocolate em alguns minutos, ou seja, uma grande quantidade em um espaço curto de tempo. Muitas vezes, sente arrependimento seguido de vômito. O viciado também pode ter outras atitudes, como comer escondido, por sentir-se constrangido ou para não ter que dividir, e até sair na chuva ou de madrugada para comprar a guloseima. Ou seja: o chocólatra não consegue viver sem chocolate. Existe até um termo em inglês para essa compulsão: craving, algo como "fissura".

Ser viciado por chocolate é diferente de gostar muito da guloseima, ou de exagerar no consumo na época da TPM (tensão pré-menstrual) . Ou, ainda, de consumir o chocolate de vez em quando como um substituto de carinho ou sexo.

Kaufman conta que as consequências do vício são mesmo sociais e não tanto de saúde. “Algumas podem se sentir culpadas quando se olham no espelho, porque podem ganhar peso. Porém, o prejuízo maior surge no convívio com outras pessoas, que fica comprometido”.


A nutricionista líder do Hospital Samaritano de São Paulo Weruska Barrios diz que conhece casos em que as pessoas sentiram dor de cabeça, tristeza e irritação após consumir o doce em excesso. “O chocolate ao leite causa uma sensação de bem-estar naquele momento, mas, como o álcool, isso logo passa e vem o efeito rebote. E o viciado precisa comer mais e mais para sentir tudo de novo”.

Ela lembra que o consumo exagerado pode causar, em alguns, aumento de peso, de barriga e de gordura nas artérias. “Ao longo do tempo, pode surgir hipertensão e até infarto”, diz ela. A nutricionista Mariana Marcatto, do Hospital Israelita Albert Einstein, acrescenta à lista a hipercolesterolemia (colesterol alto) e o diabetes tipo 2.

Porém, ao contrário do que pode parecer, nem todo chocólatra é obeso. Na pesquisa do HC, por exemplo, havia pessoas de todos os perfis e não somente aquelas acima do peso: “O chocolate não engorda necessariamente. Nem todos comem os mais engordativos, e muitos compensam sendo disciplinados na dieta ou praticando esportes. Há os seletivos quanto à qualidade do produto consumido e, por fim, há o fator genético para se engordar”, conta o psiquiatra.

Ele também faz questão de frisar que não é o chocolate o grande vilão, mas o açúcar: “Os problemas de saúde e peso vêm do açúcar contido e não do cacau”.

Porém, é preciso lembrar que a maioria dos viciados não gosta de chocolate amargo, preferindo os mais doces, ao leite, que derretem na boca. “Não posso afirmar que o vício é no açúcar, não tenho provas, embora saiba que açúcar é viciante. Mas o fato, evidente, é que se consome muito mais chocolate doce do que amargo”, observa.

A nutricionista lembra que há muitas opções no mercado que vão do branco, menos saudável por ter mais gordura, aos que levam 100% de cacau, passando pelos de alfarroba (vagem que após triturada e torrificada resulta em farinha utilizada para substituir o cacau) e os de soja. “O amargo seria para os iniciados, por ter um gosto mais forte. Já os de soja podem ser consumidos por quem tem intolerância à lactose, por exemplo”.

Ela ensina que o correto, para quem não consegue abrir mão dos mais gordurosos, seria mesclá-los com os meio amargos e, com o tempo, ficar somente com estes últimos.

Sexo e chocolate

Pesquisa feita com 1500 britânicos encomendada pela empresa de alimentos Cadbury mostrou que 52% das mulheres e 13% dos homens preferem o doce a ter relações sexuais. A justificativa da maioria é que com o chocolate o prazer seria garantido, como menciona Kaufman, citando um e-mail que costuma circular na internet.

Não há pesquisas que comprovem que o chocolate aumente a libido. A fama pode ter sido adquirida por causa da sensação de felicidade que o doce proporciona e que poderia deixar a pessoa mais predisposta ao sexo.

A nutricionista Gabriela Braga, do Hospital Israelita Albert Einstein, diz que essas supostas propriedades do chocolate não foram comprovadas. “Embora ele contenha substâncias químicas que estão associadas com sentimentos de felicidade, amor, paixão, luxúria e melhora do humor, os pesquisadores continuam a debater se deve ou não ser classificado como um afrodisíaco”.

O responsável por essa associação é o triptofano, nutriente presente no cacau e que estimula o organismo a produzir endorfina e serotonina, neurotransmissor responsável pela sensação de bem-estar. “Vale ressaltar que uma alimentação saudável é fonte de boa saúde e qualidade de vida. A saúde sexual é apenas um termômetro da saúde geral”, afirma Braga.

Uma evidência é a de que mulheres são mais viciadas que os homens. Segundo o psiquiatra, alterações hormonais poderiam explicar o maior desejo, especialmente no período menstrual. Além disso, mulheres compulsivas tendem a preferir alimentos ricos em açúcar e gordura, enquanto homens procuram mais itens ricos em gordura e sal.

Tratamento

Mas há tratamento? Kaufman diz que a pessoa tem de estar sofrendo pela situação e se candidatar a ser paciente para se tratar. “Não podemos ir atrás dela. Ela precisa se assumir como doente e  compulsiva. Depois, dependendo do caso, precisa de psicoterapia e medicação, como antidepressivo. Na maioria das vezes, a pessoa é ansiosa. Deprimida? Talvez”.

Porém, ele constata que embora as pessoas se preocupem e até sofram, não procuram tratamento: “Infelizmente, elas não levam a sério, falam do caso e dão risada”.

Barrios conta que cuidou de um paciente internado que era chocólatra e que pedia muito pelo doce, então, como ela não conseguia tirar a guloseima, mas também não poderia contribuir para o vício, fez um trato com o rapaz.

“No primeiro dia, ele pediu para alguém comprar. Mas eu conversei e prometi que daria chocolate nos três primeiros dias de internação. Porém, no quarto, seria um chocolate e uma fruta; no quinto, só uma fruta. No sexto, como ele queria me matar, eu voltei a dar o doce”, confessa.

No entanto, como o paciente ficou internado por 22 dias, a nutricionista conseguiu fazer com que ele substituísse o chocolate por frutas. Ela considera o caso um sucesso. “Claro que quando a pessoa tem um problema de saúde, fica mais fácil, pois ela passa a perceber que precisa pisar no freio”, admite.

Como se comportam alguns viciados

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    Para a pesquisa Prato, realizada por Kaufman na psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo sobre compulsão em chocolate, compareceram 73 voluntários (nove homens e 64 mulheres) que se consideravam grandes consumidores de chocolate. A idade variou de 15 a 73 anos e o IMC (índice de massa corporal) de 17,67 a 52,85, sendo que 59,4% estavam acima do peso. Quanto ao estado civil, a maioria (61,64%) não tinha companheiro(a).

    A seguir ele conta alguns casos relatados durante a pesquisa:

    “Havia uma paciente cujo marido começou a desconfiar que ela era viciada em chocolates. Para despistá-lo, ela descia ou subia um andar do prédio para jogar as embalagens do chocolate no lixo de outros condôminos.

    Outra dizia que na vida dela em primeiro lugar vinha a filha, em segundo a mãe, em terceiro o chocolate e em quarto, o marido.

    Fica claro em ambos os casos que os casamentos não estavam numa fase boa.

    Também havia uma professora que fazia rotas alternativas ao chegar ao trabalho, para não ter que cruzar com conhecidos e dividir seu chocolate. Outra saía à noite para comer escondido dos familiares.

    Durante nossas conversas, uma mulher disse que comia chocolate e não escovava os dentes. Quando outra pessoa do grupo perguntou o motivo, ela respondeu: você corre para o banheiro se lavar depois de fazer amor?

    Também tive uma paciente que me disse que ao chegar em casa fazia três coisas: acendia todas as luzes, ligava a televisão e pegava chocolate em pó para comer. De um certo modo, ela estava se automedicando”.