Menino com hidrocefalia precisa sair da favela para passar por cirurgia
Esgoto a céu aberto, que se infiltra pelo chão da casa e se acumula em poças. No quintal, de terra batida, mesmo sob um sol escaldante, de mais de 35 graus, mais esgoto, que deixa a terra molhada. Nas subidas e descidas do morro, cachorros, gatos e galinhas dividem espaço com motos e crianças. Essas condições, nas quais vive o menino José Ricardo da Silva, 10, morador na Favela da Portelinha, em Piracicaba, interior de São Paulo, impedem que o menino realize uma cirurgia essencial para sua sobrevivência: portador de hidrocefalia, ele precisa trocar uma válvula, instalada na cabeça, que faz a retirada da água que se acumula em sua caixa craniana.
O garoto passou por uma operação para colocação da válvula logo depois de nascer. Com um ano e meio, o material apresentou problemas, e teve que ser recolocado. O desgaste natural faz com que a válvula tenha que ser trocada a cada dez anos. Depois desse período, perde eficiência e permite a acumulação dos líquidos.
O procedimento já foi autorizado pelo SUS (Sistema Único de Saúde), mas o padrasto do menor, José Manoel das Neves, 64, foi advertido que a recuperação do menor, nessas condições, poderia ser fatal.
José Ricardo não consegue andar e geralmente se arrasta pelo chão. Como não tem sensibilidade nos membros inferiores, nem controle sobre o sistema excretor, é obrigado a usar fraldas. Esperto, costuma passar os períodos livres na companhia de colegas, brincando. Quando vai à escola ou aos muitos médicos, tem que ser carregado pelo padrasto. Da favela até a rua mais próxima, são cerca de 150 torturantes metros, alguns em subida íngreme. “Não vou dizer que é fácil. Mas quem carrega sou eu. Graças a Deus, quando a mãe dele estava viva, conseguimos comprar um carrinho velho para levá-lo ao médico. Imaginar ter que carregar ele de ônibus assim?”, comenta Neves.
Há 11 anos, ele se casou com a mãe de José Ricardo, Edileuza. Com ela, teve um filho, de nove anos, e assumiu como pai os dois que ela tinha de relacionamentos anteriores, José Ricardo e um outro garoto de 14 anos. A companheira morreu há oito meses. “Antes eu podia trabalhar, ganhava meu dinheirinho. Mas agora, vivo só para ele”, comentou o aposentado, que informou, ainda, realizar pequenos bicos e, com isso, conseguir cerca de R$ 800 mensais.
Por viver num lugar precário, com esgoto a céu aberto por exemplo, os médicos não querem operá-lo pelo risco de deixá-lo mais doente
Precariedade
A reportagem esteve no local, na manhã desta sexta-feira (24), por volta das 10h30. Mesmo arrumado e limpo, o local é precário. No quarto onde os quatro dormem, o esgoto brota do chão e faz poças. O calor dentro do espaço chega a ser insuportável. São justamente essas condições – a mistura entre esgoto, umidade e calor – que os médicos indicaram como sendo altamente prejjudiciais para a recuperação do menino. “Disseram que ele estaria sujeito a pegar alguma infecção, que poderia causar complicações sérias, ainda mais que ele já tem muitos problemas de saúde. Por isso, resolvi esperar”, explicou.
A líder comunitária Janaina Ferraz, que acompanhou a visita da reportagem ao local, informou que já pediu prioridade na remoção de José Neves há pelo menos três anos. “Muita coisa foi dita, pouca foi feita. Pedi prioridade para dois casos, o dele e o de uma mulher que tinha marcapasso, a dona Lia. Para ela, o sonho de uma casa digna não será possível, já que ela morreu tem quase um ano e meio”, disse.
Fã do desenho do "Pica Pau" e dono de um olhar curioso, José Ricardo afirmou que gosta de ir à escola. Sua matéria preferida é matemática. “Eu sei fazer contas, gosto muito”, disse o menino, que não tirou os olhos da câmera fotográfica levada pela reportagem. “Também gosto de tirar fotos”, disse.
Sobre sua cirurgia, não falou muito. “Eu tenho que trocar a válvula. Mas estou me sentindo bem. Na semana passada fiquei meio tonto, mas passou”, disse.
Opções
José Neves afirmou que já foi procurado por algumas pessoas que, ao saberem da situação do menino, se dispuseram a ajudar. “Ganhei dois ventiladores e uma máquina de fraldas. Agradeço muito”, disse.
Ele informou ainda que houve quatro pessoas que se dispuseram a pagar o aluguel de uma casa na cidade, fora da Portelinha, durante a recuperação do menor. “Mas não tem sentido ficar três meses fora, fazer mudança, estragar ou abandonar as poucas coisas que tenho para ter que voltar e sujeitar o menino à mesma situação”, comentou. “Quero sair daqui para minha casinha, mudar de uma só vez e oferecer para ele a oportunidade de ele se recuperar direito, sem ter que voltar para cá”, contou.
Moradia
A família de José Neves está cadastrada no sistema da Empresa Municipal de Desenvolvimento Habitacional de Piracicaba desde 2012 e que tem prioridade para receber uma moradia habitacional no bairro Propiracicaba I, destinada a desfavelados da área onde ele mora.
Apesar disso, a Empresa firmou que o cadastro será analisado pela Caixa Econômica Federal, que fará a avaliação e escolha das famílias que vão habitar os apartamentos. A previsão de entrega dos apartamentos é no primeiro semestre de 2014.
Procurada, a assessoria de imprensa da prefeitura informou que já foi protocolado no Ministério das Cidades o projeto de urbanização da área da Portelinha com a construção de 348 apartamentos para atender às famílias restantes. O prazo para a construção dessas unidades é de pelo menos dois anos.
Já a Secretaria de Saúde afirmou que acompanha o caso de Ricardo e que a cirurgia está autorizada. Os exames preparatórios já foram feitos e, assim que a família decidir operar, o procedimento será realizado. A assessoria informou ainda que assistentes sociais da prefeitura também acompanham o caso.
José Ricardo não anda, ele se locomove se arrastando, como mostra a imagem
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