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Cigarro mata 6 mi por ano; conheça mitos e verdades sobre a droga

Chris Bueno

Do UOL, em São Paulo

31/05/2014 06h00

Fumar apenas um ou dois cigarros por dia não faz mal. Parar de fumar engorda. Cigarro light é melhor que o tradicional. Fumar é um hábito, e não um vício. Quando se trata de cigarro, a lista de mitos é bem extensa. Mas, apesar de todas as dúvidas, uma coisa é certa: fumar é prejudicial à saúde – de diversas formas.

Os prejuízos à saúde são tantos que o tabagismo é considerado um problema mundial de saúde. Para alertar a população sobre as doenças e mortes evitáveis relacionadas ao tabagismo, a Organização Mundial da Saúde (OMS) criou o “Dia Mundial Sem Tabaco”, comemorado no dia 31 de maio.

Neste ano, a campanha busca sensibilizar os governos a aumentarem os impostos sobre o tabaco, consequentemente aumentando seu preço e desincentivando seu consumo. A organização estima que um aumento dos impostos do tabaco em 50% em todos os países reduziria o número de fumantes em 49 milhões nos próximos três anos, podendo salvar até 11 milhões de vidas.

Seis milhões de pessoas no mundo morrem todo ano devido ao uso do cigarro, segundo o relatório  "Epidemia Global do Tabaco 2013" da OMS. No Brasil, o Inca aponta que cerca de 12% da população adulta brasileira consome tabaco em suas diversas formas (cigarro, charuto, cigarro de palha, rapé ou fumo-de-rolo) e 200 mil morrem anualmente devido ao tabagismo.

“Todo cigarro faz mal à saúde, não importa a marca ou o tipo. E os prejuízos à saúde são vários, indo desde alterações no paladar ao câncer de pulmão”, alerta a pneumologista Suzana Pimenta, do Hospital 9 de Julho.

Saúde em risco

O cigarro pode causar cerca de 50 doenças diferentes, em várias partes do organismo. Uma das primeiras áreas do corpo atingidas pelo tabagismo é a boca, porta de entrada das sustâncias tóxicas presentes no cigarro.

Fumar modifica o hálito, irrita a gengiva, facilita o surgimento de cáries e altera as papilas gustativas, afetando o paladar. Além disso, aumenta o risco de desenvolver câncer de boca.

O órgão mais afetado pelo tabagismo é o pulmão. As substâncias tóxicas inaladas fazem os tecidos dos pulmões perderem elasticidade, o que causa uma degeneração parcial de sua estrutura. O resultado são problemas como bronquite, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e câncer. De acordo com o Inca, o tabagismo é responsável por 85% das mortes causadas por bronquite crônica e DPOC e 90% dos casos de câncer de pulmão.

O coração e a circulação também são prejudicados. Fumar diminui a espessura dos vasos sanguíneos, faz com que o corpo absorva mais colesterol, reduz a concentração de oxigênio no sangue e eleva a pressão arterial e a frequência cardíaca, que sobe até 30% durante as tragadas. Isso aumenta significativamente o risco de desenvolver hipertensão, aneurismas, tromboses, varizes, infartos e angina. De acordo com o Inca, 25% das mortes por doença coronariana e 45% das mortes por infarto agudo do miocárdio em pessoas com menos de 65 anos são causadas pelo tabagismo.

Cérebro, fígado e estômago também são afetados pelo tabagismo. Os vasos comprimidos, a qualidade de sangue prejudicada e o aumento da pressão arterial podem levar a um derrame cerebral. A nicotina e outras substâncias tóxicas presentes no cigarro são metabolizadas pelo fígado e pelo estômago, o que pode causar gastrite, úlcera e até mesmo câncer.

Complicações na saúde

A lista de problemas causados pelo tabagismo não para por aí, e ainda inclui osteoporose, catarata, impotência sexual, infertilidade, menopausa precoce, complicações na gravidez e vários tipos de câncer.

O câncer, aliás, é um capítulo à parte. Isso porque o tabagismo está relacionado ao desenvolvimento de câncer de pulmão, boca, faringe, estômago, pâncreas, fígado, rim, bexiga, colo de útero e de leucemia. Para se ter uma ideia da dimensão do problema, 30% das mortes decorridas por esses tipos de câncer (tirando o câncer de pulmão) são causadas pelo tabagismo. Em se tratando apenas do câncer de pulmão, o tabagismo é responsável por 90% dos casos da doença, causando cerca de 1,4 milhões de morte anualmente no mundo todo.

E não é só quem fuma que é prejudicado: as pessoas que convivem com os fumantes também são. “Os fumantes passivos têm um risco alto de desenvolver câncer de pulmão, infarto do miocárdio e até ter alterações na gestação, entre outros problemas de saúde”, aponta o pneumologista Ubiratan de Paula Santos, médico da Divisão de Pneumologia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas e professor da FMUSP (Faculdade de Medicina da USP).

Quem convive com fumantes têm um risco 30% maior de desenvolver câncer de pulmão e 24% maior de ter infarto. Segundo dados da OMS, aproximadamente dois bilhões de pessoas são vítimas do fumo passivo no mundo. Destas, 700 milhões são crianças, que sofrem com maior incidência de bronquites, pneumonia e infecções de ouvido, entre outras doenças. No Brasil, as crianças são 40% das vítimas do fumo passivo.

Hábito ou vício?

Muita gente afirma que fumar é um hábito e não um vício. No entanto, diversas pesquisas apontam o contrário. Hoje o tabagismo é considerado uma doença crônica e está inserida na CID (Classificação Internacional de Doenças).

A grande vilã do vício é a nicotina. Ela consegue se ligar a receptores específicos no cérebro, que liberam substâncias associadas à sensação de prazer. Quando uma pessoa fuma, esse mecanismo é acionado, provocando uma sensação de bem-estar. É por isso que apenas um cigarro é o suficiente para amenizar sintomas de ansiedade e depressão – e é isso também que faz com que as pessoas queiram fumar cada vez mais, em busca dessa sensação de prazer.

“A nicotina é a substância que causa a dependência química do fumante, sendo considerada uma droga psicoestimulante, com efeitos semelhantes à cocaína e heroína, liberando substâncias estimulantes no cérebro que levam à sensação prazerosa e euforia. Uma vez aspirada, atinge níveis mais elevados mais rapidamente no cérebro do que se injetada, em torno de sete a 19 segundos, o que leva em média a 200 impactos de nicotina por dia no cérebro de pessoas que fumam um maço diariamente. Nenhuma outra droga oferece tamanha estimulação neurológica”, afirma Pimenta.

Quando uma pessoa fuma regularmente, o organismo desenvolve uma necessidade de nicotina. Ou seja, se não ingerir a substância, ela pode ter sintomas de abstinência, como cansaço, irritação, nervosismo, ansiedade, tristeza, depressão, fome e uma vontade incontrolável de fumar.

Parar de fumar

Parar de fumar não é uma tarefa fácil. Uma pesquisa realizada pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) em 2013 mostrou que nove em cada dez fumantes gostariam de largar o cigarro, sendo que e a maioria (63%) já tentou fazê-lo, sem sucesso. Tentar deixar o vício sozinho é ainda mais complicado: apenas 3% a 5% conseguem realmente largar o vício.

A tarefa é difícil, mas não é impossível. E existe uma verdadeira força-tarefa para ajudar na missão de largar o cigarro, que inclui grupos de ajuda, apoio psicológico e medicamentos. Mas os especialistas alertam que tomar medicamentos ou começar a usar adesivos e chicletes de nicotina por conta própria não é o melhor caminho. Para que eles tenham bons resultados, esses medicamentos precisam ser usados corretamente e, para isso, é preciso a orientação de um médico especializado.

O Sistema Único de Saúde (SUS) oferece atendimento gratuito ao fumante. Em 2012, cerca de 2,3 mil unidades credenciadas ao SUS ofereceriam tratamento em mais de mil municípios nos 26 estados e no Distrito Federal. Em São Paulo, apenas seis - os Centros de Referência em Abordagem e Tratamento do Fumante - fornecem medicamentos gratuitamente (como adesivos e chicletes de nicotina e, nos casos em que o paciente apresenta alto grau de dependência, antidepressivos à base de bupropiona).

Parar de fumar pode ser complicado, mas vale a pena. Os benefícios são praticamente imediatos: em apenas um dia sem fumar, não há mais nicotina circulando no sangue, e a pressão, a pulsação e o nível de oxigênio no sangue voltam ao normal. No dia seguinte, o paladar ganha sensibilidade novamente. Se você conseguir resistir por três semanas, a respiração fica mais fácil e a circulação sanguínea melhora. Se a decisão for definitiva, as chances de desenvolver câncer ou ter um infarto se reduzem significativamente em cinco a 10 anos.

“Parar de fumar em qualquer idade reduz riscos de doenças e de mortalidade. Estes riscos ficam tanto menores quanto mais cedo as pessoas param de fumar. Mas mesmo fumantes de longa data são beneficiados quando abandonam o vício”, diz Santos.