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Família arrecada 43% do dinheiro para transplante de bebê nos EUA

Thamires Andrade

Do UOL, em São Paulo

16/06/2014 06h00

Aline da Lavra, 34, teve uma gestação tranquila, mas na 26ª semana um ultrassom morfológico mostrou que seu filho Pedro tinha uma obstrução intestinal. Depois de nascer, o bebê, hoje com nove meses, foi diagnosticado com a SIC (Síndrome do Intestino Curto), mas parou de responder ao tratamento, o que fez com que os médicos indicassem o transplante de intestino.

A operação de alta complexidade, só é realizada no Brasil de maneira experimental, por isso, Aline criou uma campanha para arrecadar dinheiro para o tratamento nos Estados Unidos. A campanha, que teve início há cerca de um mês, já arrecadou R$ 850 mil até o fechamento desta matéria.

Lavra pretende entrar com uma ação na justiça para que o governo arque com todo o tratamento, mas afirma que ainda não tem todos os laudos e documentos necessários para iniciar o processo. "A arrecadação não seria necessária se o governo pagasse só o transplante que é R$ 2 milhões. Sem contar com os gatos de moradia, alimentação e sem poder trabalhar, pois preciso ficar cuidando dele", acredita.

Ainda que a SIC seja considerada uma doença rara, ela afeta pacientes de todas as idades, principalmente as crianças. "Uma estimativa é de que 60 a 70% das pessoas com essa síndrome são crianças que desenvolvem essa doença por defeitos congênitos", revela Flávio Galvão, livre docente da Disciplina de Transplante de Órgãos e Cirurgia de Fígado do Departamento de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP).

Pedro teve uma necrose do intestino e nasceu com 12 cm do órgão. "Os médicos falaram que o normal era ter dois metros. Depois de quatro meses, ele passou por uma cirurgia para fazer um alongamento e aumentou para 25 cm. Ele teve algumas melhoras, como parar de vomitar, o cocô também mudou", relembra a mãe.

Para poder realizar o transplante, a criança precisa ter 10 quilos, mas Pedro tem atualmente 5,7 quilos. De acordo com Lavra, para alcançar o peso necessário para a operação, o menino tem recebido alimentação paraenteral, leite via sonda nasal por gotejamento e tem feito tratamento com GH, "para melhorar a absorção".

Amigos do Pedrinho

Depois de receber a notícia de que o caso de Pedro era de transplante, Lavra iniciou a campanha "Amigos do Pedrinho" com o objetivo de captar R$ 2 milhões para pagar o transplante intestino nos Estados Unidos. "A cirurgia é delicada e cara, nem que vendêssemos tudo que temos teríamos condição de pagar, pois depois do transplante ele ainda precisa ficar um mês com nutrição parenteral e depois recebe alta, mas ainda precisa ficar uns oito meses lá para caso aconteça alguma coisa relativa ao transplante", explica.

Uma prima ficou responsável por atualizar o Instagram - rede social de compartilhamento de fotos -, enquanto outros amigos ajudaram com a arte e a divulgação do caso.

Mesmo com a intenção de entrar com a ação, a mãe de Pedro não pretende abandonar a campanha, pois quer que o filho passe pelo procedimento o quanto antes. "Uma ação não é resolvida em 12 dias ou num mês. O ambiente de hospital é tenso, ainda mais com um caso delicado. Numa situação dessa qualquer momento ele pode pegar uma infecção pelo cateter por causa da nutrição paraenteral. Nós estamos tomando o máximo de cuidado possível", afirma.

Lavra e o marido fizeram uma extensa pesquisa para selecionar o hospital para a operação de Pedro. "Decidimos pelo All Children's Hospital, em St. Petersburg, nos Estados Unidos, que é referência em transplante de intestino, e tem a maior taxa de sobrevida nesta operação, 90%", afirma. Os pais estão confiantes de que vão arrecadar o necessário para o transplante. "O Pedro é um menino alegre, amoroso, ele tinha tudo para ser uma criança estressada, mas ele é muito feliz", conta.

De acordo com o livre docente da Disciplina de Transplante de Órgãos e Cirurgia de Fígado do Departamento de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), uma criança não pode receber um órgão de adulto, portanto, ainda é preciso esperar por um doador antes de conseguir o transplante. "Nunca se sabe quando vai encontrar uma criança que teve morte encefálica, pois é algo mais difícil, mais raro. A criança ainda tem um bom sistema imunológico e se recupera mais rápido", explica Galvão.

No entanto, ele reconhece que os Estados Unidos tem um sistema de captação de transplante melhor que o nosso. "Eles dispõem de mais UTIs, por exemplo, que é essencial, já que os potenciais doadores respiram por meio de aparelhos especiais", elenca Galvão.

Transplante no Brasil

A cirurgia do transplante em si também é bem complexa, pois o intestino é um órgão que causa muita rejeição. "O órgão é sensível, então o transplante só pode ser feito com doadores bons. Mas as bactérias presentes no intestino que favorecem a rejeição", afirma Galvão.

"Só seis transplantes deste tipo foram realizados, sendo dois no HC no início da década de 60 e outros em instituições privadas. As operações não foram bem sucedidas, pois o intestino é um órgão que o corpo rejeita, mas o HC agora tem um grupo treinado em instituições americanas para atender casos de transplante de intestino e multivisceral no Brasil", explica Flávio Galvão, livre docente da Disciplina de Transplante de Órgãos e Cirurgia de Fígado do Departamento de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP).

No entanto, o primeiro transplante realizado pelo grupo não foi bem sucedido. O segurança José Cícero Lira da Silva, 33, que passou por um transplante multivisceral morreu. Ele tinha recebido cinco órgãos do sistema digestivo – fígado, intestinos delgado e grosso, pâncreas e estômago - ao mesmo tempo.

Para Galvão, é interesse de todos que o Brasil desenvolva a expertise nesses transplantes para que não seja preciso pagar um tratamento caro fora do país. "Nós acabamos perdendo a possibilidade de ter essa expertise no Brasil, pois esses transplantes mais peculiares trazem muita evolução de biotecnologia e avanço científico para o país", acredita.